O Salmo 75 é atribuído à família de Asafe, um dos líderes do ministério musical nomeados por Davi (1 Crônicas 6:39). Trata-se de um salmo litúrgico, provavelmente cantado em contexto de adoração pública no templo, conforme indicado no título: “Ao mestre de música. Não destruas. Salmo de Asafe. Cântico.”
Seu pano de fundo parece estar ligado a uma situação de ameaça à estabilidade do povo de Deus, talvez por causa de opressão estrangeira ou corrupção interna. O Salmo 74, que o antecede, lamenta a destruição do templo e implora pelo juízo divino. O Salmo 75 vem como uma resposta de esperança e confiança: Deus é o juiz supremo e agirá no tempo certo.
O tema central é o juízo de Deus. Ele exalta quem quer e abate quem deseja. Diferente das expectativas humanas, não é da terra que vem a exaltação, mas do próprio Deus. Além disso, há um forte contraste entre os ímpios e os justos, que se torna o eixo da aplicação prática e da confiança do salmista.
CALVINO (2009, p. 150) afirma que este salmo “reflete que o mundo é governado exclusivamente pela vontade de Deus e que a própria Igreja é sustentada unicamente por sua graça e poder”. Assim, o Salmo 75 exalta a soberania de Deus e encoraja o povo a confiar em seu governo justo.
Louvor pela proximidade de Deus (Sl 75:1)
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“Damos-te graças, ó Deus, damos graças, pois perto está o teu nome; todos falam dos teus feitos maravilhosos.”
O salmista abre com gratidão, expressando o reconhecimento da presença e dos feitos de Deus. A repetição do verbo “damos graças” reforça a intensidade da adoração. Quando ele diz que o nome de Deus está perto, comunica que Deus se faz presente no meio do seu povo. A proximidade de Deus não é apenas geográfica ou simbólica, mas prática: Ele age, intervém e realiza maravilhas.
CALVINO (2009, p. 151) interpreta essa “proximidade” como uma referência ao poder divino que se manifesta com socorro em tempos de necessidade. O louvor nasce, portanto, do testemunho vivo da intervenção divina na história de Israel.
O tempo determinado do juízo (Sl 75:2-3)
“Tu dizes: ‘Eu determino o tempo em que julgarei com justiça. Quando treme a terra com todos os seus habitantes, sou eu que mantenho firmes as suas colunas.’ Pausa”
Aqui Deus fala diretamente, afirmando que o juízo pertence a Ele e será exercido no tempo certo. Ao contrário da ansiedade humana, Deus nunca se adianta nem se atrasa. Seu juízo é justo e soberano. A metáfora da terra tremendo e Deus sustentando suas colunas comunica estabilidade em meio ao caos.
A imagem das “colunas da terra” é interpretada por Walton como representações de limites cósmicos, associados à ordem criada por Deus. Não há aqui base para uma visão mitológica de sustentação literal, mas sim uma metáfora do controle divino sobre toda a criação (WALTON et al., 2018, p. 694).
Spurgeon, citado por LOPES (2022, p. 421), comenta que mesmo quando a sociedade parece desmoronar sob injustiça e opressão, “os pilares do governo divino permanecem sólidos e seguros”.
Advertência aos arrogantes (Sl 75:4-5)
“Aos arrogantes digo: ‘Parem de vangloriar-se!’ E aos ímpios: ‘Não se rebelem! Não se rebelem contra os céus; não falem com insolência’”
Deus agora adverte diretamente os ímpios e arrogantes. A linguagem é de confronto. A soberba e a altivez são denunciadas como rebelião contra os céus. Levantar a “fronte” ou o “pescoço” representa insubmissão e desafio ao domínio divino. O texto denuncia a atitude daqueles que se consideram acima do juízo de Deus.
Para CALVINO (2009, p. 153), essa linguagem denuncia a loucura dos ímpios, cegos por sua autoconfiança. Ele observa que a raiz de toda temeridade e orgulho humano está no esquecimento de que Deus é juiz.
A verdadeira fonte de exaltação (Sl 75:6-7)
“Não é do Oriente nem do Ocidente nem do deserto que vem a exaltação. É Deus quem julga: Humilha a um, a outro exalta.”
O salmista ensina que promoções, vitórias e sucessos não vêm de nenhum ponto cardeal – ou seja, de nenhum esforço humano. A exaltação vem de Deus. Ele é quem decide levantar ou abater, conforme sua vontade. Isso confronta a visão mundana de poder e meritocracia.
Segundo CALVINO (2009, p. 154), o texto ensina que Deus governa com equidade e soberania, exaltando ou humilhando conforme seu juízo justo, não segundo artimanhas humanas.
O cálice do juízo (Sl 75:8)
“Na mão do Senhor está um cálice cheio de vinho espumante e misturado; ele o derrama, e todos os ímpios da terra o bebem até a última gota.”
Essa é uma das imagens mais fortes do salmo. O cálice é símbolo do julgamento divino. Beber do cálice representa sofrer a ira de Deus. A mistura do vinho com especiarias embriagantes sugere intensidade do castigo. Não há como fugir: os ímpios beberão até a última gota.
Essa figura aparece em diversos textos, como Isaías 51:17, [Jeremias 25:15] e Apocalipse 14:10, sempre ligada ao juízo de Deus sobre os rebeldes.
CALVINO (2009, p. 156) destaca que esse cálice não traz prazeres, mas “fel amargo e nauseabundo das escórias”. A metáfora do vinho revela a profundidade da ira de Deus contra o pecado.
A resposta pessoal do justo (Sl 75:9-10)
“Quanto a mim, para sempre anunciarei essas coisas; cantarei louvores ao Deus de Jacó. Destruirei o poder de todos os ímpios, mas o poder dos justos aumentará.”
O salmista termina com uma resposta pessoal e confiante. Enquanto os ímpios sofrem o juízo, ele louva e exalta o Deus da aliança. Há também uma promessa de inversão: os ímpios terão seu poder quebrado, os justos serão exaltados.
CALVINO (2009, p. 157) observa que os chifres dos ímpios – símbolo de força – serão quebrados, mas os dos justos crescerão. A exaltação dos justos está ligada à sua integridade e fé em Deus, não à força do próprio braço.
Cumprimento das profecias
O Salmo 75 tem ecos escatológicos que se cumprem em Cristo. O juízo de Deus, anunciado ao longo do salmo, aponta para o dia em que Jesus julgará vivos e mortos (Atos 17:31). O cálice da ira, presente em tantos textos do Antigo Testamento, é central na paixão de Cristo.
No Getsêmani, Jesus orou: “Pai, se possível, afasta de mim este cálice” (Mateus 26:39). Ele bebeu o cálice da ira em nosso lugar. Assim, a justiça divina foi satisfeita e, para os que estão em Cristo, o cálice se transformou em comunhão (1 Coríntios 10:16).
Além disso, a exaltação dos justos e a destruição dos ímpios se concretizará plenamente no retorno de Cristo, como descrito em Apocalipse 21, onde o trono de Deus será o centro de juízo e restauração.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 75
- Cálice – Representa o juízo divino. Beber dele simboliza sofrer a justa ira de Deus. Aparece em contextos escatológicos e proféticos em toda a Escritura.
- Chifres – Símbolo de força e poder. Deus derruba os chifres dos ímpios e exalta os dos justos (cf. 1 Samuel 2:10).
- Colunas da terra – Figura de linguagem que expressa estabilidade e sustentação da ordem criada por Deus. Embora não haja base literal, é uma imagem teológica poderosa.
- O nome de Deus está perto – Refere-se à presença ativa de Deus no meio do seu povo. Nome aqui representa o caráter e o agir de Deus.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 75
- Deus reina com justiça e soberania – Ele julga no tempo certo, nem cedo demais, nem tarde demais.
- A exaltação vem do Senhor – Não devemos confiar em estratégias humanas, mas depender do favor de Deus.
- O juízo é certo e inescapável – Os ímpios beberão até a última gota do cálice da ira divina.
- A arrogância é loucura diante de Deus – Ele resiste aos soberbos e dá graça aos humildes.
- O justo pode cantar mesmo em tempos difíceis – Nossa esperança está no caráter imutável de Deus.
- Cristo tomou o nosso cálice – Ele nos substituiu no juízo, e agora nos oferece o cálice da nova aliança.
Conclusão
O Salmo 75 é uma canção de esperança, justiça e soberania. Ele nos lembra que, apesar da instabilidade humana, Deus permanece no controle. Ao meditar nesse salmo, eu aprendo que o mundo não está à deriva. Deus sustenta suas colunas, julga com equidade e tem um tempo certo para agir.
Ele exalta os que nele confiam e abate os que se rebelam. A justiça pode parecer demorada, mas é certa. E o mais surpreendente é que o próprio Cristo se ofereceu para beber o cálice do nosso juízo. Por isso, hoje eu posso levantar meu cálice em louvor, como fez o salmista, e proclamar com confiança: “Cantarei louvores ao Deus de Jacó!”
Referências
- CALVINO, João. Salmos. Organização de Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho, e Francisco Wellington Ferreira; tradução de Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 150–160.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus. Organização de Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 2.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2018. p. 694.