O Salmo 82 é atribuído a Asafe, um dos principais levitas responsáveis pela música e adoração no templo durante o reinado de Davi, como registrado em 1 Crônicas 16:4-7. Além de compositor, Asafe se revela um profeta e pregador, que denuncia as injustiças sociais e espirituais da liderança de Israel.
Neste salmo, o foco está na atuação dos juízes e líderes da nação, chamados de elohim — termo hebraico que pode significar “deuses”, mas também “autoridades humanas” investidas de autoridade divina. A linguagem jurídica e o cenário de um tribunal indicam que Deus preside uma assembleia de julgamento contra esses governantes injustos.
Segundo Hernandes Dias Lopes, “Asafe não é apenas um poeta do templo, mas um profeta que confronta a corte e a magistratura” (LOPES, 2022, p. 883). Já Calvino enfatiza que “a ordem civil é intitulada a assembleia de Deus, pois, quando o governo legal floresce entre os homens, a glória divina é refletida com brilho” (CALVINO, 2009, p. 301).
Este salmo pertence à categoria dos salmos sapienciais e proféticos. Ele denuncia o abuso de poder por parte dos líderes e termina com uma oração escatológica, clamando pelo juízo de Deus sobre toda a terra.
1. Deus julga os juízes (Sl 82:1)
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“É Deus quem preside na assembleia divina; no meio dos deuses, ele é o juiz.”
O salmo começa com a imagem de um tribunal celestial. Deus está no centro, não como um espectador, mas como o Juiz Supremo que preside sobre os “deuses”. Esses “deuses” são os juízes e líderes humanos, conforme também interpretado por Jesus em João 10:34. Calvino afirma que “Deus, ao designar-vos seus substitutos, não se despojou de sua própria soberania” (CALVINO, 2009, p. 306).
Ao ler esse versículo, eu entendo que nenhum cargo terreno está acima da autoridade de Deus. Todas as decisões humanas estão sujeitas à avaliação divina.
2. A acusação contra os juízes (Sl 82:2–4)
“Até quando vocês vão absolver os culpados e favorecer os ímpios?”
A voz divina confronta diretamente a corrupção. Em vez de defenderem a justiça, esses líderes tomam partido dos ímpios. A parcialidade deles destrói a credibilidade dos tribunais. O chamado para “garantirem justiça para os fracos e órfãos” ecoa as leis do Antigo Testamento (ver Deuteronômio 16:18-20).
Hernandes Dias Lopes explica que “a toga dos juízes estava manchada de violência” (LOPES, 2022, p. 885). Spurgeon, citado por Lopes, afirma que os juízes eram rápidos para atender os poderosos e lentos para socorrer os pobres.
Essa seção me lembra que a verdadeira justiça bíblica protege os mais vulneráveis. Como cristão, eu preciso defender o direito dos que não têm voz.
3. A ignorância e os efeitos colaterais da injustiça (Sl 82:5)
“Nada sabem, nada entendem. Vagueiam pelas trevas; todos os fundamentos da terra estão abalados.”
Os líderes ignoram seu chamado e caminham em trevas morais. A expressão “fundamentos da terra estão abalados” revela que a injustiça dos governantes desestabiliza toda a sociedade.
Calvino observa que “embora vissem o céu e a terra em confusão, continuavam irredutíveis e seguros na negligência de seu dever” (CALVINO, 2009, p. 307). A cegueira espiritual das autoridades tem efeitos destrutivos coletivos.
Quando a liderança falha, o povo sofre. Ao ler esse versículo, eu aprendo que líderes precisam de discernimento espiritual e temor de Deus.
4. A posição elevada dos juízes (Sl 82:6)
“Eu disse: vocês são deuses, todos vocês são filhos do Altíssimo.”
Deus reconhece que deu dignidade e autoridade aos juízes. Eles agem em nome de Deus, mas não são isentos de julgamento. Jesus usou esse versículo para responder aos fariseus, demonstrando que, se os homens podiam ser chamados de “deuses” por receberem a Palavra, quanto mais o próprio Filho (Jo 10:35-36).
Calvino comenta: “Deus lhes concedeu seu nome. Mas isso não os isenta do castigo que sua perversidade merece” (CALVINO, 2009, p. 308). A honra do cargo exige responsabilidade.
Eu aprendo que toda autoridade humana é delegada. Quem julga em nome de Deus deve viver de forma coerente com o caráter dEle.
5. O destino dos injustos (Sl 82:7)
“Mas vocês morrerão como simples homens; cairão como qualquer outro governante.”
Apesar do título e função elevados, os juízes são mortais. A morte revela a igualdade entre os homens. Spurgeon, citado por Hernandes, diz que “a morte é ágil em despir os grandes; os grandes morrem como os pequenos” (LOPES, 2022, p. 889).
Calvino afirma que “a dignidade com que são revestidos é só temporária, e passará com a aparência do mundo” (CALVINO, 2009, p. 308). Como cristão, essa verdade me lembra da importância de viver com humildade e temor, mesmo quando estou em posição de liderança.
6. O clamor escatológico (Sl 82:8)
“Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois todas as nações te pertencem.”
O salmo termina com um apelo pela intervenção divina. Asafe ora para que Deus restaure a justiça e governe sobre todas as nações. Trata-se de um clamor pelo juízo final, quando Cristo exercerá seu domínio universal.
Calvino interpreta essa súplica como uma confissão de que “não há poder sobre a terra que possa restringir os excessos dos tiranos, mas Deus julgará o mundo” (CALVINO, 2009, p. 309).
Ao ler esse versículo, eu me lembro da oração do Pai Nosso: “venha o teu Reino”. Como cristão, espero com confiança o dia em que Deus estabelecerá plena justiça sobre toda a terra.
Cumprimento das profecias
O Salmo 82 antecipa o juízo final e o governo universal de Cristo. O pedido de Asafe para que Deus se levante e julgue a terra se cumpre no Novo Testamento, quando Jesus afirma que o Pai lhe confiou todo julgamento (Jo 5:22).
O apelo escatológico do versículo 8 aponta para a realeza de Cristo, tema desenvolvido em Apocalipse 21, onde se diz que as nações andarão sob a sua luz.
Além disso, Jesus cita o versículo 6 para revelar sua identidade divina (Jo 10:34-36), conectando diretamente o Salmo 82 à sua missão e autoridade messiânica.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 82
- Elohim (deuses) – Refere-se a juízes humanos, representantes da autoridade de Deus na terra.
- Assembleia divina – Imagem do tribunal celestial onde Deus preside como Juiz Supremo.
- Filhos do Altíssimo – Título conferido aos líderes por causa de sua responsabilidade diante de Deus.
- Trevas – Representam ignorância espiritual e moral, indicativa da corrupção dos juízes.
- Fundamentos da terra – Símbolo da ordem social e moral que se desfaz diante da injustiça.
- Levanta-te, ó Deus – Clamor profético, escatológico, pelo fim do mal e o estabelecimento do Reino de Deus.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 82
- Toda autoridade humana está sujeita ao julgamento divino – Não importa o cargo, Deus julgará com justiça.
- A injustiça destrói os alicerces da sociedade – Quando os líderes são corruptos, o povo sofre e o mundo se desestabiliza.
- A verdadeira justiça defende os fracos e vulneráveis – Deus exige que os juízes protejam os pobres, órfãos e necessitados.
- O título não garante impunidade – Ser chamado de “filho do Altíssimo” não protege ninguém da morte ou do juízo.
- A oração é a resposta diante da injustiça – Quando o sistema humano falha, o povo de Deus deve clamar ao Juiz eterno.
- Cristo é o Juiz prometido – O clamor por justiça se cumpre plenamente em Jesus, que julgará o mundo com equidade.
Conclusão
O Salmo 82 é uma denúncia corajosa da injustiça nos altos escalões da sociedade. Ele nos mostra que Deus não está indiferente ao sofrimento dos fracos, nem à corrupção dos poderosos. Como cristão, eu sou chamado a viver com temor, justiça e compaixão. E quando o mundo parece fora do eixo, lembro que há um tribunal superior — e que Deus já marcou o dia em que julgará o mundo por meio de Jesus Cristo. Que o clamor de Asafe seja também o nosso: “Levanta-te, ó Deus, julga a terra!”
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 300–309.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 883–891.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 704–705.