3 João 1 é uma daquelas cartas breves, mas extremamente ricas, que me faz lembrar o quanto o cristianismo sempre foi, e sempre será, algo relacional. João não escreve aqui um tratado teológico, mas uma carta pessoal, cheia de afeto, exortações práticas e orientações pastorais. E ao olhar para esse texto, eu percebo o quanto o cuidado com as pessoas, a hospitalidade e a verdade são temas centrais da fé cristã.
Qual é o contexto histórico e teológico de 3 João?
A Terceira Carta de João provavelmente foi escrita no final do primeiro século, entre os anos 85 e 95 d.C., período em que o apóstolo já estava idoso e residia em Éfeso, conforme a tradição cristã afirma.
Segundo Keener, durante esses primeiros séculos da igreja, as congregações se reuniam principalmente em casas, o que tornava o ambiente muito mais íntimo, mas também sujeito a conflitos de liderança e problemas de relacionamento (KEENER, 2017). Foi exatamente nesse cenário que João escreveu esta carta.
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A epístola é endereçada a Gaio, um cristão piedoso, que provavelmente liderava ou hospedava uma igreja doméstica. João se refere a ele como “amado”, termo que aparece diversas vezes ao longo do texto. Em contraste, há a figura de Diótrefes, alguém que, dominado pelo orgulho, se recusa a receber os irmãos enviados por João e tenta barrar o avanço do evangelho.
Kistemaker destaca que o conteúdo da carta gira em torno do apoio aos missionários itinerantes, algo essencial naquela época. Como as hospedarias eram vistas como ambientes impróprios, os cristãos dependiam da hospitalidade de irmãos para continuar a obra (KISTEMAKER, 2006).
Além disso, a epístola revela as tensões iniciais relacionadas à autoridade apostólica. João, mesmo sendo uma liderança respeitada, enfrentava resistência de líderes locais ambiciosos, como Diótrefes, que não reconheciam sua autoridade e dificultavam o acolhimento dos missionários.
Outro aspecto importante do contexto é o uso de cartas de recomendação, prática comum no judaísmo e que foi incorporada entre os cristãos. Essas cartas garantiam que os missionários eram pessoas confiáveis e dignas de serem recebidas.
Como o texto de 3 João 1 se desenvolve?
1. Como João demonstra afeto e cuidado por Gaio? (3 João 1.1-4)
João começa a carta dizendo: “O presbítero ao amado Gaio, a quem amo na verdade” (3 João 1.1). Aqui, o apóstolo se identifica como presbítero, termo que além de indicar idade avançada, também aponta para sua autoridade espiritual. Gaio é chamado de amado, e João reforça que esse amor está fundamentado na verdade.
Em seguida, João escreve: “Amado, oro para que você tenha boa saúde e tudo lhe corra bem, assim como vai bem a sua alma” (3 João 1.2). Essa saudação me chama a atenção porque mostra o equilíbrio do evangelho. João se preocupa tanto com o bem-estar espiritual quanto com o físico e material de Gaio. Não há dicotomia entre corpo e alma aqui.
Kistemaker observa que essa oração reflete uma preocupação pastoral completa. Gaio já estava indo bem espiritualmente, e João deseja que sua vida material acompanhe esse progresso (KISTEMAKER, 2006).
Depois, João expressa sua alegria: “Muito me alegrei ao receber a visita de alguns irmãos que falaram a respeito da sua fidelidade, de como você continua andando na verdade” (3 João 1.3).
Essa é uma daquelas partes do texto que me faz pensar: como é bom quando nossa fé é visível, quando as pessoas testemunham o quanto andamos na verdade, ou seja, vivemos conforme o evangelho.
João conclui dizendo: “Não tenho alegria maior do que ouvir que meus filhos estão andando na verdade” (3 João 1.4). Fica claro o vínculo espiritual que ele tinha com Gaio e com outros cristãos que ele discipulou. João fala como um pai que se alegra ao ver seus filhos espirituais crescendo na fé.
2. Por que a hospitalidade de Gaio é tão elogiada? (3 João 1.5-8)
João continua a carta destacando a atitude prática de Gaio: “Amado, você é fiel no que está fazendo pelos irmãos, apesar de lhe serem desconhecidos” (3 João 1.5).
Essa hospitalidade não era algo pequeno. Keener explica que, no mundo antigo, era arriscado e desconfortável depender de hospedarias, muitas delas associadas à prostituição e à imoralidade. Por isso, a hospitalidade cristã se tornou um dos pilares do avanço missionário (KEENER, 2017).
Mesmo sem conhecer pessoalmente aqueles irmãos, Gaio os recebeu e cuidou deles, simplesmente porque reconhecia que eles estavam a serviço da verdade. João reforça: “Eles falaram à igreja a respeito deste seu amor. Você fará bem se os encaminhar em sua viagem de modo agradável a Deus” (3 João 1.6).
Encaminhar em sua viagem significava não apenas hospedá-los, mas prover o necessário para que continuassem sua missão. Isso incluía alimento, recursos financeiros e, em alguns casos, até companheiros de viagem.
João esclarece o motivo dessa hospitalidade: “Pois foi por causa do Nome que eles saíram, sem receber ajuda alguma dos gentios” (3 João 1.7). Eles saíram em nome de Jesus, dependendo exclusivamente da generosidade dos irmãos.
Por fim, João resume: “É, pois, nosso dever receber com hospitalidade a irmãos como esses, para que nos tornemos cooperadores em favor da verdade” (3 João 1.8).
Isso me faz pensar como, ao apoiar missionários e ministérios sérios, eu também me torno parte da obra. Mesmo sem ir ao campo, sou cooperador da verdade.
3. Quem era Diótrefes e por que ele é repreendido? (3 João 1.9-10)
Na sequência, João aborda um problema sério: “Escrevi à igreja, mas Diótrefes, que gosta muito de ser o mais importante entre eles, não nos recebe” (3 João 1.9).
Diótrefes representa o exemplo negativo. Um líder local, dominado pelo orgulho e pela sede de poder, que se recusa a acolher os enviados de João. Segundo Kistemaker, isso mostra como as disputas por liderança e prestígio já afetavam as primeiras igrejas (KISTEMAKER, 2006).
João continua: “Portanto, se eu for, chamarei a atenção dele para o que está fazendo com suas palavras maldosas contra nós. Não satisfeito com isso, ele se recusa a receber os irmãos, impede os que desejam recebê-los e os expulsa da igreja” (3 João 1.10).
Aqui, vejo o contraste entre a humildade de Gaio e a arrogância de Diótrefes. Um coopera com a verdade; o outro a bloqueia.
Diótrefes não apenas rejeita os missionários, mas tenta impedir que outros os recebam e chega ao ponto de expulsar os que insistem em praticar a hospitalidade. Esse comportamento revela um coração endurecido e uma liderança abusiva, algo que, infelizmente, ainda acontece em muitas comunidades hoje.
4. O que aprendemos com a exortação e recomendação final? (3 João 1.11-12)
João orienta Gaio com carinho: “Amado, não imite o que é mau, mas sim o que é bom. Aquele que faz o bem é de Deus; aquele que faz o mal não viu a Deus” (3 João 1.11).
Essa parte me lembra que, mesmo convivendo com maus exemplos dentro da igreja, devo escolher imitar o bem. Gaio tinha diante de si o exemplo negativo de Diótrefes e o bom testemunho de outros irmãos.
João então recomenda Demétrio: “Quanto a Demétrio, todos dão bom testemunho dele, inclusive a própria verdade. Nós também damos, e você sabe que o nosso testemunho é verdadeiro” (3 João 1.12).
Demétrio é elogiado publicamente, e João deixa claro que seu caráter está alinhado com a verdade do evangelho. O testemunho de todos e da própria comunidade cristã confirma sua reputação.
Quais conexões proféticas encontramos em 3 João 1?
Apesar de ser uma carta prática, 3 João carrega conexões importantes com as Escrituras e o ensino apostólico:
- A hospitalidade que João defende ecoa os ensinamentos de Jesus em Mateus 10.40-42, quando Ele diz que quem recebe um mensageiro Dele, recebe o próprio Cristo.
- A menção ao “Nome” (3 João 1.7) aponta para o uso reverente do nome de Jesus, prática comum entre os primeiros cristãos, conforme vemos em Atos 4.12.
- A autoridade de João como apóstolo remete às palavras de Jesus em João 13.20, quando Ele afirma que quem recebe os enviados Dele, O recebe.
- O ensino sobre imitar o bem e rejeitar o mal se conecta ao que Paulo ensina em Romanos 12.9, sobre aborrecer o mal e apegar-se ao bem.
Essas conexões mostram que, embora breve e pessoal, a carta está inserida no grande cenário do ensino bíblico, sempre apontando para Cristo e para o avanço do evangelho.
O que 3 João 1 me ensina para a vida hoje?
Ao ler essa carta, percebo que o evangelho não se vive apenas em grandes pregações ou eventos públicos, mas no cotidiano, no modo como trato as pessoas, acolho irmãos e reconheço a autoridade espiritual saudável.
Esse texto me ensina que:
- A hospitalidade é um ato espiritual e uma expressão prática do amor cristão.
- Apoiar missionários e ministérios confiáveis é participar diretamente da obra de Deus.
- O orgulho e o desejo de poder, como no caso de Diótrefes, destroem a comunhão e prejudicam o avanço do evangelho.
- É possível ter discernimento para não imitar o mau exemplo dentro da igreja.
- Bons líderes, como Demétrio e Gaio, ainda existem e precisam ser honrados.
- O amor e a verdade precisam caminhar juntos em nossa vida cristã.
Lendo 3 João, sou lembrado de que, mesmo em tempos de conflitos e divisões, meu chamado continua sendo para a verdade, o amor e a hospitalidade. Não importa se o ambiente ao meu redor é hostil, eu preciso continuar andando na verdade, como Gaio, e cooperando com a obra de Deus.
Referências
- KISTEMAKER, Simon. Tiago e Epístolas de João. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.