Levítico 3 é um capítulo que me mostra que Deus não deseja apenas sacrifícios, mas comunhão. Ao apresentar a oferta pacífica, ou sacrifício de comunhão, o texto revela um convite para partilhar a paz com Deus, com os irmãos e com os sacerdotes, em torno de uma refeição. Diferente do holocausto (Lv 1) e da oferta de cereal (Lv 2), essa é uma oferta que envolve relacionamento, reconciliação e gratidão. E, acima de tudo, aponta para a paz conquistada por Cristo, o nosso sacrifício perfeito.
Qual é o contexto histórico e teológico de Levítico 3?
Levítico foi escrito por Moisés logo após a construção do Tabernáculo, quando Deus começou a habitar no meio do povo (Êx 40.34–38). O objetivo do livro é estabelecer as instruções para que Israel pudesse manter comunhão com o Deus Santo. Dentro desse sistema, as ofertas desempenhavam um papel essencial — não para manipular a vontade de Deus, mas para preservar o relacionamento com Ele.
A oferta pacífica se destaca entre os sacrifícios porque, diferente do holocausto que era totalmente queimado, ela era parcialmente compartilhada. Uma parte era queimada no altar, outra ia para os sacerdotes, e o restante era consumido pelo adorador e sua família (VASHOLZ, 2018). Assim, era uma celebração de paz, comunhão e aliança.
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De acordo com Walton, Matthews e Chavalas, essa oferta estava ligada a refeições de aliança (Êx 24.5; Js 8.31) e simbolizava o fim de uma hostilidade ou o agradecimento por bênçãos recebidas. Ela também era usada para expressar votos e ações de graças (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018).
A palavra hebraica para oferta pacífica, zebaḥ šelāmîm, deriva da raiz šlm, que significa “paz”. No Antigo Testamento, shalom não é apenas ausência de conflito, mas um estado de plenitude e harmonia com Deus, com o próximo e com a criação.
Como o texto de Levítico 3 se desenvolve?
1. O que era o sacrifício de comunhão e como deveria ser oferecido? (Levítico 3.1–5)
A oferta de comunhão poderia ser de um animal do gado, macho ou fêmea, mas sempre sem defeito. O ofertante impunha as mãos sobre a cabeça do animal e o sacrificava na entrada da Tenda do Encontro. Os sacerdotes aspergiam o sangue nos lados do altar, e partes específicas da gordura — como a que cobre as vísceras, os rins e o lóbulo do fígado — eram queimadas sobre o altar.
Essa gordura era considerada uma porção sagrada. Ela simbolizava o melhor do animal, o que era reservado exclusivamente para o Senhor. Como diz o texto: “Toda a gordura será do Senhor” (Lv 3.16). Comer essa gordura era proibido sob pena de ser eliminado do povo (Lv 7.25).
Vasholz destaca que a gordura representava fartura, excelência e honra. Era a “porção escolhida” oferecida a Deus, assim como Abel ofereceu a melhor parte do seu rebanho (Gn 4.4).
2. Como era o sacrifício com animais do rebanho? (Levítico 3.6–11)
Caso o animal fosse um cordeiro, o procedimento era o mesmo. A oferta poderia ser um macho ou uma fêmea, mas sempre sem defeito. Além da gordura habitual, o texto menciona “a cauda gorda cortada rente à espinha” (Lv 3.9), uma iguaria valiosa na época.
Os cordeiros do Oriente Médio tinham caudas grandes e gordas, que podiam pesar até 20 quilos. Oferecer essa parte era uma forma de honrar ao Senhor com o melhor. Mais uma vez, vemos que a gordura é considerada alimento para o altar, “de aroma agradável ao Senhor” (Lv 3.11).
3. E se a oferta fosse um cabrito? (Levítico 3.12–16)
Também era possível apresentar um cabrito. O processo era idêntico: imposição de mãos, sacrifício diante da Tenda, sangue derramado nos lados do altar, e queima das porções de gordura.
É notável como a estrutura do capítulo se repete para cada animal, reforçando a ordem e o cuidado que o Senhor exigia no culto. Deus não aceita qualquer oferta, mas a oferta feita conforme Sua vontade.
4. Quais eram as restrições alimentares? (Levítico 3.17)
O capítulo termina com uma proibição clara: “Não comam gordura alguma, nem sangue algum” (Lv 3.17). Essa era uma ordem perpétua, válida “em todas as suas gerações, onde quer que vivam”.
A gordura, como vimos, era do Senhor. Já o sangue, em toda a Bíblia, é símbolo da vida (Lv 17.11; Gn 9.4). Comer sangue era profanar o dom da vida que pertence ao Criador. Essa proibição foi tão séria que foi reafirmada até no Concílio de Jerusalém, no Novo Testamento (Atos 15.20).
Como Levítico 3 aponta para Cristo?
Assim como o sacrifício de comunhão era uma celebração da paz entre Deus e o povo, Jesus é aquele que nos traz verdadeira paz. Ele é descrito por Paulo como aquele que “fez a paz mediante o sangue da sua cruz” (Cl 1.20). O sacrifício de Cristo não apenas nos reconciliou com Deus, mas também nos uniu como um só corpo.
A Ceia do Senhor é a manifestação mais clara dessa oferta de comunhão no Novo Testamento. Jesus nos convida à mesa, não apenas como adoradores, mas como amigos, como irmãos, como participantes da nova aliança. Paulo escreve: “Porque nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo; pois todos participamos do único pão” (1Co 10.17).
Em Efésios 5.2, Paulo diz que Cristo “se entregou a si mesmo por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus”. Essa expressão remete diretamente ao sacrifício de comunhão, onde a carne era queimada em aroma suave ao Senhor.
Calvino afirmou que os sacrifícios do Antigo Testamento apontavam para Cristo, não porque tivessem poder em si mesmos, mas porque prefiguravam “o verdadeiro sacrifício, concretizado na realidade apenas por Cristo” (VASHOLZ, 2018, p. 56).
O que Levítico 3 me ensina para a vida hoje?
Ao ler Levítico 3, eu aprendo que Deus valoriza a comunhão. Ele quer relacionamento, reconciliação, gratidão. O sacrifício não é apenas uma questão de perdão, mas também de celebração. Não é só remissão de pecados, mas partilha de bênçãos.
Aprendo também que o culto envolve participação pessoal. O adorador impunha as mãos, levava o animal, se envolvia no processo. Deus quer o meu coração envolvido, não uma devoção fria e distante.
Ver que essa oferta era compartilhada entre Deus, os sacerdotes e o ofertante me ensina que a adoração não é solitária. Somos chamados a viver nossa fé em comunidade, a celebrar juntos, a dividir bênçãos com o próximo.
A proibição do sangue e da gordura me lembra que devo tratar a vida com reverência. Nem tudo é permitido. Há limites que protegem a santidade da adoração e preservam o temor diante do Senhor.
E, finalmente, vejo em Levítico 3 um vislumbre da mesa do Senhor. A Ceia é mais do que um ritual — é uma celebração da paz conquistada na cruz. Quando participo dela, estou dizendo: “há comunhão entre mim e Deus, há comunhão entre mim e meus irmãos, há comunhão em Cristo”.
Por isso, cada vez que participo da Ceia, sou chamado a fazer isso com fé, gratidão e pureza. Como diz Paulo, “examine-se cada um a si mesmo” (1Co 11.28). Cristo é a nossa oferta pacífica. E, por meio d’Ele, tenho paz com Deus.
Referências
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- VASHOLZ, Robert I. Levítico. Tradução: Jonathan Hack. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.