O Salmo 135 é um cântico de louvor que se destaca por reunir em si elementos teológicos centrais do Antigo Testamento: a soberania de Deus, sua eleição, seus feitos poderosos e a futilidade dos ídolos. Ele inicia a série final dos Salmos chamada “Aleluia”, que vai do 135 ao 150. Não temos clareza sobre seu autor ou data exata, mas o conteúdo nos leva a crer que foi composto depois do exílio babilônico, quando o povo já havia retornado e relembrava os grandes feitos de Yahweh.
Esse salmo é como uma colcha de retalhos bíblicos. Vários versículos fazem eco direto de textos anteriores, como os Salmos 115, 136 e partes do Êxodo. Segundo Hernandes Dias Lopes, “cada versículo desse salmo ecoa ou é ecoado por alguma outra parte das Escrituras” (LOPES, 2022, p. 1451). Já Calvino comenta que o objetivo do salmista era “levar o povo a louvá-Lo com a máxima alegria e a submeter-se ao seu governo” (CALVINO, 2009, p. 443).
Nesse contexto, o salmista convida todo o povo de Deus — sacerdotes, levitas e fiéis — a bendizer o Senhor. Ele relembra a eleição de Israel, o poder na criação, os milagres no Egito e a dádiva da terra prometida. Tudo isso aponta para a fidelidade do Deus que governa soberanamente, em contraste com a inutilidade dos ídolos das nações.
1. Louvor ao Deus da eleição e da bondade (Salmo 135.1–4)
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“Louvem o Senhor, pois o Senhor é bom; cantem louvores ao seu nome, pois é nome amável” (v. 3)
O salmo começa com um chamado ao louvor. É dirigido aos servos de Deus, especialmente aos que atuam no templo, mas se estende a todo o povo (v. 1–2). Louvar o Senhor por sua bondade é algo que aparece em diversos salmos, como em Salmo 100, onde se diz que “o Senhor é bom e a sua misericórdia dura para sempre”.
No versículo 4, o salmista lembra que “o Senhor escolheu a Jacó, a Israel como seu tesouro pessoal”. Essa escolha é incondicional. Como afirma Calvino, “essa misericórdia possuía valor incomparável, pois haviam sido adotados ao favor de Deus, enquanto todo o mundo gentílico fora ignorado” (CALVINO, 2009, p. 445).
Ao ler esses versos, eu me lembro que a minha salvação também é fruto da graça de Deus. Não vem de mérito, mas da sua escolha soberana. Como Paulo afirma em Efésios 1:4, “em Cristo, Deus nos escolheu antes da fundação do mundo”.
2. O Deus criador e soberano sobre todas as coisas (Salmo 135.5–7)
“Na verdade, sei que o Senhor é grande, que o nosso Soberano é maior do que todos os deuses” (v. 5)
Agora, o salmista exalta o Senhor como Criador de tudo. Diferente dos deuses pagãos que se limitam a regiões, o Deus de Israel atua no céu, na terra e nos mares (v. 6). Ele controla até os fenômenos da natureza: nuvens, raios e ventos (v. 7).
Segundo Walton, os povos vizinhos atribuíam o controle do clima a deuses como Adade ou Ishkur, mas os profetas e os salmistas sempre reforçaram que só Yahweh “envia os relâmpagos com a chuva” e “faz que o vento saia dos seus depósitos” (WALTON et al., 2018, p. 722).
Esse trecho me ensina que Deus não está distante. Ele atua no cotidiano, nas nuvens que sobem, na chuva que cai. A criação está sob sua ordem, não à mercê do acaso. Isso reforça o que Paulo afirma em Colossenses 1:17: “Nele tudo subsiste”.
3. O Deus que liberta e conduz seu povo (Salmo 135.8–14)
“Foi ele quem feriu os primogênitos do Egito […] e deu a terra deles como herança a Israel” (v. 8–12)
O salmista relembra o livramento do Egito e a conquista de Canaã. Ele cita as pragas, os sinais contra Faraó, a derrota de reis como Seom e Ogue, e a doação da terra prometida (v. 8–12). Tudo isso para mostrar que Deus age poderosamente na história.
Calvino comenta que “essas obras prodigiosas foram provas do amor paterno de Deus pelo seu povo” (CALVINO, 2009, p. 448). Não foi apenas libertação, mas direção e conquista. E mesmo nos momentos de disciplina, Deus se compadece (v. 14).
Essa parte do salmo fala comigo profundamente. Deus não apenas me resgata do pecado — Ele me conduz, me dá herança, e quando erro, Ele me disciplina com amor. Como diz Hebreus 12:6: “O Senhor disciplina a quem ama”.
4. A futilidade dos ídolos e a glória do Deus vivo (Salmo 135.15–18)
“Têm boca, mas não podem falar; olhos, mas não podem ver” (v. 16)
Essa seção é praticamente uma repetição de Salmo 115:4–8. O salmista denuncia a inutilidade dos ídolos. Eles são feitos por mãos humanas, não falam, não veem, não ouvem — são mortos. Pior: “tornem-se como eles aqueles que os fazem” (v. 18).
Isso é sério. Quando alguém confia em algo que não tem vida, vai perdendo também sua sensibilidade espiritual. Hernandes Dias Lopes destaca: “a eternidade e a compaixão do Senhor estão em completa contraposição com a inoperância dos ídolos” (LOPES, 2022, p. 1456).
Esse trecho me confronta. Talvez eu não tenha uma estátua em casa, mas posso transformar status, bens ou pessoas em “ídolos funcionais”. Tudo aquilo que ocupa o lugar de Deus no coração, no fundo, me torna cego e vazio.
5. Um chamado universal ao louvor (Salmo 135.19–21)
“Bendigam o Senhor os que temem ao Senhor! Bendito seja o Senhor desde Sião!” (v. 20–21)
A conclusão do salmo é um grande coro. Todos são convidados a bendizer ao Senhor: a casa de Israel, os sacerdotes, os levitas e os que temem ao Senhor (v. 19–20). O louvor deve partir de Sião, o local da presença visível de Deus (v. 21).
Calvino destaca que “Deus prometeu ouvir daquele lugar as orações do seu povo e comunicar-lhes ali a rica exibição de seu favor” (CALVINO, 2009, p. 454). Hernandes Dias Lopes complementa: “o louvor deve fluir de Jerusalém, até os confins da terra” (LOPES, 2022, p. 1458), como também se vê em Atos 1:8.
Essa convocação ao louvor me lembra que a adoração não é para poucos. Não depende de cargo ou local. Todo aquele que teme ao Senhor é chamado a adorá-lo. E hoje, esse “Sião” está presente em Cristo, que habita entre nós.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 135 não seja messiânico no sentido estrito, ele aponta diretamente para a obra de Cristo. A eleição de Israel (v. 4) se cumpre de forma mais ampla na Igreja, como lemos em 1 Pedro 2:9: “vocês são geração eleita, sacerdócio real…”.
A libertação do Egito prefigura a redenção em Jesus. Ele é o verdadeiro Cordeiro Pascal (1Co 5:7). Os ídolos que não veem nem ouvem contrastam com Cristo, o Deus encarnado que viu, ouviu, tocou e falou com seu povo (Jo 1:14). E o louvor que parte de Sião agora parte da Igreja, que é seu templo vivo.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 135
- Jacó e Israel – Termos que indicam a nação escolhida, lembrando a eleição divina.
- Tesouro pessoal – Palavra hebraica segullah, que aponta para a exclusividade do povo de Deus (cf. Êx 19:5).
- Confins da terra – Imagem usada para indicar os extremos do mundo; remetem à soberania cósmica de Deus (cf. Sl 48:10).
- Depósitos do vento – Símbolo do controle absoluto de Deus sobre o clima (WALTON et al., 2018, p. 722).
- Ídolos – Figuras vazias, imagens que representam a impotência da falsa adoração.
- Sião – Lugar da presença divina, símbolo da comunhão com Deus.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 135
- Deus deve ser louvado por quem Ele é e pelo que Ele faz – Sua bondade, poder e fidelidade são razões mais do que suficientes.
- A eleição é motivo de humildade e gratidão – Não fomos escolhidos por mérito, mas por graça.
- A soberania de Deus se revela na criação e na história – Ele age desde o clima até os detalhes da nossa jornada.
- Os ídolos de hoje são tão inúteis quanto os antigos – Precisamos rejeitar toda falsa segurança.
- O louvor deve ser coletivo e constante – Toda a comunidade dos fiéis é chamada a adorar.
- Cristo é o cumprimento de tudo que o salmo aponta – Ele é o Libertador, o centro do louvor, o Deus verdadeiro.
Conclusão
O Salmo 135 é um chamado à memória, à gratidão e à adoração. Ele nos lembra que Deus é bom, soberano, libertador e único. Em contraste com os ídolos inúteis das nações, o Senhor age, fala e se revela. Hoje, esse mesmo Deus nos convida a adorá-lo — com alegria, com reverência e com todo o coração.
Como cristão, eu aprendo que a adoração começa na lembrança do que Deus fez, passa pela obediência, e floresce no louvor sincero. E tudo isso só é possível por meio de Cristo, o nosso verdadeiro Deus e Salvador.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 443–454.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1451–1458.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 722.