O Salmo 150 é o encerramento do Saltério, a coleção de cânticos e orações do povo de Deus. Ele faz parte da série final de salmos conhecida como hallel, ou seja, salmos de “Aleluia” (Sl 146–150). É possível que tenha sido composto como uma doxologia intencional, para concluir toda a coletânea com uma nota triunfante e gloriosa. Enquanto o Salmo 1 apresenta a porta da sabedoria e da obediência, o Salmo 150 escancara os portões da adoração total e cósmica.
O contexto histórico desse salmo está intimamente ligado ao culto público em Israel, especialmente no templo. Embora o autor não seja mencionado, muitos estudiosos — como Allan Harman — consideram que foi escrito ou organizado no período pós-exílico, quando o culto no templo foi restaurado (LOPES, 2022, p. 1610). Era um tempo de renovação, de olhar para trás e reconhecer os feitos de Deus, e ao mesmo tempo de olhar para frente com esperança e fé.
Teologicamente, o Salmo 150 é o clímax da teologia da adoração. Ele não apresenta petições, lamentos ou instruções éticas. Ele simplesmente exorta: louvem ao Senhor. Como Calvino observa, “este salmo enaltece o culto espiritual a Deus, que consiste em sacrifícios de louvor” (CALVINO, 2009, p. 600). É um chamado universal à adoração que envolve tudo o que respira — pessoas, instrumentos, até mesmo a criação.
1. Onde e por que louvar (Sl 150.1–2)
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“Aleluia! Louvem a Deus no seu santuário, louvem-no no seu poderoso firmamento.” (v. 1)
A primeira pergunta respondida por este salmo é: onde Deus deve ser louvado? O salmista apresenta dois lugares complementares — o santuário e o firmamento. O santuário representa o templo, o local de culto visível e terreno. Já o firmamento aponta para o céu, a abóbada celeste, onde habita a glória de Deus.
Calvino comenta que o termo “santuário” aqui se refere ao céu como o lugar onde Deus está entronizado, e que o “firmamento” é uma forma poética de exaltar o poder divino refletido na criação (CALVINO, 2009, p. 600). Deus deve ser louvado tanto no templo humano quanto no templo cósmico.
O verso 2 responde à pergunta por que devemos louvá-lo: “Louvem-no pelos seus feitos poderosos, louvem-no segundo a imensidão de sua grandeza!”.
O louvor é motivado por dois fundamentos: o que Deus faz (seus feitos poderosos) e o que Ele é (sua grandeza). Esses feitos incluem a criação (Sl 104), o livramento do Egito (Sl 136), a restauração de Israel (Sl 126) e, para nós hoje, a obra de Cristo. A grandeza divina transcende qualquer medida. Ela é infinita, santa e gloriosa.
Ao ler esses versículos, eu percebo que a adoração não começa comigo, com meu estado emocional ou com minhas circunstâncias. Ela começa com Deus — com seu caráter e suas ações redentoras. Assim como vemos em Apocalipse 4–5, o louvor eterno no céu é centrado em quem Deus é e no que Ele fez.
2. Como louvar: música, arte e corpo (Sl 150.3–5)
“Louvem-no ao som de trombeta, louvem-no com a lira e a harpa, louvem-no com tamborins e danças, louvem-no com instrumentos de cordas e com flautas, louvem-no com címbalos sonoros, louvem-no com címbalos ressonantes.” (vv. 3–5)
Agora a pergunta é: como devemos louvar? A resposta é clara — com tudo o que temos. O salmista lista uma verdadeira orquestra: instrumentos de sopro, cordas, percussão, dança, tudo dedicado ao Senhor.
Segundo John H. Walton, os instrumentos aqui mencionados fazem parte de uma longa tradição no Oriente Próximo, tanto para entretenimento quanto para fins religiosos. Harpas, liras, tamborins e flautas eram utilizados em cerimônias e procissões sagradas, muitas vezes em contextos de celebração e vitória (WALTON et al., 2018, p. 725).
Calvino destaca que essa variedade musical é uma forma de convocar todo o povo de Deus a aplicar “todas as suas energias” no louvor (CALVINO, 2009, p. 602). A música não é apenas um enfeite, mas uma linguagem sagrada que expressa a alegria profunda do coração.
Eu aprendo aqui que o louvor a Deus pode (e deve) envolver criatividade, beleza e intensidade. Instrumentos, corpo, voz, tudo deve ser consagrado ao serviço do Rei. Como Paulo diz em Romanos 12:1, “ofereçam seus corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. A dança também está incluída, mostrando que o culto é mais do que racional — é emocional, físico, vivo.
3. Quem deve louvar: toda criatura (Sl 150.6)
“Tudo o que tem vida louve o Senhor! Aleluia!” (v. 6)
O salmo fecha com um chamado universal: toda criatura vivente deve louvar ao Senhor. A palavra hebraica neshamah pode significar “fôlego”, o que amplia o escopo para toda a criação animada. Mas, como observa Hernandes Dias Lopes, o uso aqui tem foco especial nos seres humanos, que são os únicos capazes de oferecer louvor consciente e intencional (LOPES, 2022, p. 1614).
Calvino reconhece que, mesmo que criaturas irracionais louvem a Deus de forma indireta, o salmista está aqui “convidando os homens, especialmente, a participarem desse coral cósmico” (CALVINO, 2009, p. 603). Deus nos deu o sopro de vida — o mínimo que podemos fazer é devolver esse fôlego em forma de adoração.
Quando leio esse versículo, lembro-me de Filipenses 2:10–11, onde é dito que todo joelho se dobrará diante de Jesus. O louvor que agora é uma escolha, será um dia universal e inevitável.
Cumprimento das profecias
O Salmo 150, embora não contenha uma profecia direta, aponta para uma realidade messiânica. O chamado a todo ser que respira ecoa o que o apóstolo João viu em Apocalipse 5:13: “toda criatura que há no céu, e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar […] estava dizendo: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, seja o louvor”.
A adoração cósmica, plena e gloriosa, se cumpre em Jesus. Ele é o Cordeiro que foi morto e vive para sempre. O louvor do Salmo 150 é um prenúncio da realidade celestial futura, onde a Igreja e toda a criação glorificarão a Deus em unidade.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 150
- Aleluia – Termo hebraico que significa “Louvem ao Senhor”. Marca o início e o fim do salmo como um selo de adoração.
- Santuário – Pode representar o templo terreno ou o celestial. Lugar da presença e manifestação de Deus.
- Firmamento – Céus visíveis, mas também símbolo da majestade e glória divina.
- Trombeta, harpa, lira, tamborim, címbalos – Representam a totalidade dos instrumentos. Símbolos da criatividade humana posta a serviço de Deus.
- Neshamah (fôlego) – A vida dada por Deus. O louvor é a resposta adequada ao dom da existência.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 150
- Adoração é universal – Não está restrita a um grupo ou lugar. Todo ser que respira é convocado a louvar.
- Louvar é um dever e um privilégio – Deus é digno. O louvor é resposta à sua grandeza e aos seus feitos.
- Nosso corpo é instrumento de adoração – Música, dança, arte, tudo pode ser expressão legítima de louvor.
- A adoração aponta para o céu – O que fazemos hoje é um ensaio do que faremos por toda a eternidade com Cristo.
- Deus valoriza a beleza e a criatividade no culto – O uso de vários instrumentos nos inspira a oferecer a Deus o melhor de nossas habilidades.
- O sopro da vida é para o louvor – Se estou vivo, devo louvar. A respiração é uma convocação contínua para adorar.
- O culto deve ser centrado em Deus, não em nós – O foco do louvor não é nosso gosto, nossa música ou emoção, mas o Senhor e sua glória.
Conclusão
O Salmo 150 é o ponto culminante do livro de Salmos e da adoração bíblica. Começa e termina com um sonoro Aleluia, como uma cortina que se abre e se fecha exaltando a glória de Deus. Ele nos chama a olhar para cima (o firmamento), para dentro (o santuário) e para fora (tudo que respira) com um só objetivo: glorificar ao Senhor com tudo o que somos e temos.
Ao meditar neste salmo, eu sou lembrado de que minha vida inteira deve ser uma canção de louvor. Cada respiração, cada gesto, cada nota deve apontar para o Deus que me deu vida e me redimiu em Cristo. Esse salmo é mais do que um texto — é um convite à eternidade.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 600–603.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1609–1615.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 725–726.