Toda vez que leio Êxodo 26, fico impressionado com os detalhes minuciosos que Deus revelou a Moisés sobre a construção do Tabernáculo. Um capítulo que, à primeira vista, parece técnico demais — cheio de medidas, tecidos, madeiras e colchetes — se transforma, aos poucos, numa poderosa revelação do desejo divino de habitar entre nós. Cada cortina, cada véu, cada estrutura tem um propósito espiritual.
Se em Êxodo 3 Deus apareceu a Moisés numa sarça ardente, agora Ele revela que deseja fazer do Tabernáculo um lugar permanente de encontro com Seu povo. Isso muda tudo.
Qual é o contexto histórico e teológico de Êxodo 26?
O capítulo 26 se encontra na segunda metade do livro de Êxodo, durante a estadia de Israel no Monte Sinai. O povo havia saído do Egito e agora recebia instruções para construir o Tabernáculo — a morada visível de Deus no meio do acampamento.
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A autoria é tradicionalmente atribuída a Moisés, e a data da redação está situada entre os séculos XV e XIII a.C., conforme o contexto do Êxodo.
Do ponto de vista teológico, esse capítulo é um desdobramento direto do propósito de Deus revelado em Êxodo 25.8: “E me farão um santuário, para que eu habite no meio deles”. A partir daqui, vemos uma progressão: da manifestação no monte à presença no santuário; da distância à aproximação.
Victor P. Hamilton destaca que a estrutura do Tabernáculo não só reflete santidade e separação, mas também inclusão, à medida que Deus desce para estar com Seu povo (HAMILTON, 2017, p. 660). Essa ideia é profundamente marcante: o Deus eterno desejando se aproximar do homem por meio de uma tenda no deserto.
Como o texto de Êxodo 26 se desenvolve?
1. Como eram feitas as cortinas internas do Tabernáculo? (Êxodo 26.1–6)
O texto começa com a descrição das cortinas internas. Dez painéis de linho fino trançado e fios azuis, roxos e vermelhos são confeccionados com figuras de querubins bordadas (Êxodo 26.1). Esses detalhes não são estéticos apenas — são teológicos. Os querubins simbolizam a guarda do acesso à presença de Deus, como em Gênesis 3.24.
As cortinas mediam cerca de 12,60m por 1,80m cada. Eram unidas em dois conjuntos de cinco, formando duas partes de 12,60m por 9m, conectadas com colchetes de ouro, formando um todo de aproximadamente 18m por 13m.
Segundo Walton, Matthews e Chavalas, o uso de figuras de querubins nessa camada mais interna mostra que o espaço do Tabernáculo era considerado território sagrado, uma espécie de céu na terra (WALTON et al., 2018, p. 135).
2. Qual era o propósito das coberturas externas? (Êxodo 26.7–14)
A seguir, são descritas três camadas adicionais de cobertura: pelos de cabra (vv. 7–13), pele de carneiro tingida de vermelho e couro de animal marinho (v. 14). A progressão é clara: do mais refinado ao mais resistente, revelando uma proteção crescente ao espaço sagrado.
A camada de pelos de cabra funcionava como isolante e tinha uma medida maior (13,5m por 1,8m cada painel), sugerindo proteção à primeira camada.
As peles externas apontam para sacrifício e resistência. Segundo Hamilton, a associação com ovelhas e cabras era natural, já que esses animais eram fundamentais na economia israelita e no culto (HAMILTON, 2017, p. 663).
O uso de pele de carneiro tingida de vermelho remete ao sangue — antecipando a necessidade de purificação e sacrifício para acesso à presença divina.
3. Como era feita a estrutura de armações? (Êxodo 26.15–30)
A estrutura do Tabernáculo era sustentada por armações de madeira de acácia, revestidas de ouro. Eram 48 armações ao todo: 20 de cada lado (norte e sul), 6 na parte de trás (oeste) e 2 para os cantos.
Cada uma media 4,5m de altura por 0,7m de largura. O sistema de encaixe com bases de prata permitia estabilidade e portabilidade. Além disso, travessões horizontais uniam e reforçavam toda a estrutura.
É interessante notar, como observa Hamilton, que a carga dessas vigas era tamanha que Moisés designou os meraritas para transportá-las, e eles receberam seis carroças para isso (cf. Números 4.29–32) — mais do que qualquer outro grupo levita (HAMILTON, 2017, p. 664).
4. Qual era a função do véu interno? (Êxodo 26.31–35)
O véu separava o Lugar Santo do Lugar Santíssimo. Era feito com os mesmos materiais das cortinas internas e bordado com querubins. Suspenso em quatro colunas de madeira de acácia, era pendurado por ganchos de ouro sobre bases de prata.
Atrás dele ficava a Arca da Aliança; à frente, o candelabro, a mesa dos pães e o altar de incenso. Esse véu era símbolo de separação entre Deus e os homens.
A palavra usada para véu é pārōket, traduzida na Septuaginta por katapetasma. Hamilton aponta que essa cortina é chamada de “santa” (Lv 4.6), enquanto a cortina da entrada era chamada apenas de “bordada” (Êx 26.36). Isso revela a importância da separação sagrada entre as esferas do santuário (HAMILTON, 2017, p. 667).
5. O que representava a cortina da entrada? (Êxodo 26.36–37)
Por fim, a entrada do Tabernáculo também possuía uma cortina — com a mesma combinação de tecidos, mas com bordado comum (e não obra de artesão com querubins). Era sustentada por cinco colunas com ganchos de ouro e bases de bronze.
Essa cortina representava o limite do acesso ao Lugar Santo. Enquanto os sacerdotes entravam ali regularmente, apenas o sumo sacerdote atravessava o véu, e isso apenas uma vez ao ano (Lv 16).
Onde o cumprimento profético aparece em Êxodo 26?
As conexões com o Novo Testamento são profundas e impressionantes.
Primeiro, o véu é diretamente mencionado nos Evangelhos Sinóticos. Em Mateus 27.51, Marcos 15.38 e Lucas 23.45, o véu do Templo se rasga de alto a baixo na morte de Jesus. É Deus quem rompe a separação.
O livro de Hebreus interpreta esse ato com profundidade teológica. Em Hebreus 10.19–20, lemos que Jesus nos abriu um novo e vivo caminho através do véu, isto é, do seu corpo.
A separação entre Deus e o homem foi vencida na cruz. O véu que restringia agora foi rasgado para todos que creem.
Hamilton destaca que o verbo grego usado nos Evangelhos para o “rasgar” do véu (schizo) é o mesmo de Marcos 1.10, quando o céu se abre no batismo de Jesus. É um ato divino e definitivo (HAMILTON, 2017, p. 668).
Além disso, o próprio Tabernáculo é uma figura do ministério de Cristo. Em João 1.14, João afirma que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. A palavra usada ali para “habitou” é eskenosen, literalmente, “armou seu tabernáculo”.
Cristo é o verdadeiro Tabernáculo, a habitação visível de Deus entre os homens.
O que Êxodo 26 me ensina para a vida hoje?
Este capítulo fala profundamente ao meu coração. Primeiramente, aprendo que Deus se importa com os detalhes. Nada é pequeno demais para Ele. O projeto do Tabernáculo nos mostra que a santidade exige reverência, precisão e obediência.
Também sou lembrado de que o acesso à presença de Deus não é casual. No Antigo Testamento, esse acesso era restrito e custava caro — literalmente envolvia sangue, sacrifício, véus e sacerdócio.
Mas, graças a Cristo, hoje podemos nos aproximar com confiança. O véu foi rasgado. O caminho foi aberto. A glória que habitava atrás da cortina agora habita em nós.
Outra lição poderosa é a progressividade da presença de Deus. Primeiro o povo via o monte, depois via o Tabernáculo no meio do acampamento. E agora, em Cristo, o Espírito habita em cada crente. O sagrado não está mais distante — ele está em nós.
Também aprendo com os materiais do Tabernáculo. Tudo aponta para valor, sacrifício e glória. Ouro, prata, tecidos bordados, querubins. Deus merece o melhor. E tudo isso nos aponta para Jesus — o mais excelente de todos, o Cordeiro puro, o Sacerdote perfeito, o verdadeiro Santuário.
Por fim, Êxodo 26 me ensina a reverenciar a presença de Deus. Mesmo com liberdade, não devemos nos aproximar com leviandade. A cortina foi rasgada, sim, mas ela nos custou o sangue do Filho de Deus. Que nunca percamos essa consciência.
Referências
- HAMILTON, Victor P. Êxodo. Tradução: João Artur dos Santos. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.