O Salmo 93 inaugura uma sequência de salmos que celebram o reinado do Senhor (Sl 93–100). Ele não apresenta título nem autor definidos. Hernandes Dias Lopes sugere que “é possível que tenha sido escrito por um dos levitas que retornaram do exílio babilônico” (LOPES, 2022, p. 1003).
Nesse contexto, mesmo sem um rei terreno em Israel, o povo reafirma sua fé no Rei celestial. Embora Judá estivesse politicamente instável, havia uma profunda convicção de que Deus permanecia entronizado, soberano sobre todas as nações e eventos da história.
Essa perspectiva é teologicamente rica. O trono de Deus não está sujeito a eleições, sucessões ou rebeliões humanas. Ele reina com majestade e poder desde a eternidade. O salmo não apenas afirma a realeza divina, mas contrapõe o poder de Deus à instabilidade das nações e ao caos do mundo natural. Essa estrutura reflete o pensamento teológico que atravessa os salmos reais e os profetas: mesmo quando tudo parece ruir, o trono do Senhor permanece firme.
Segundo Warren W. Wiersbe, “não importa o que venha a acontecer aos governantes da terra, o trono do céu é inabalável” (LOPES, 2022, p. 1004). Essa afirmação é particularmente poderosa num cenário pós-exílio, onde a restauração espiritual do povo dependia de renovar sua fé na soberania divina. Em vez de colocar sua confiança em sistemas políticos ou alianças humanas, Israel devia olhar para cima e reconhecer o domínio absoluto do Senhor.
João Calvino interpreta esse salmo como um antídoto contra o medo e a instabilidade, afirmando que “a glória de Deus consiste em que ele governa a humanidade segundo sua vontade” (CALVINO, 2009, p. 490). Assim, o Salmo 93 surge como um cântico de esperança e estabilidade, ancorado no caráter eterno e santo de Deus.
O reinado majestoso do Senhor (Sl 93:1)
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“O Senhor reina! Vestiu-se de majestade; de majestade vestiu-se o Senhor e armou-se de poder! O mundo está firme e não se abalará.”
A primeira frase é uma proclamação: “O Senhor reina!” Não é apenas uma descrição estática, mas um anúncio dinâmico. Como destaca Derek Kidner, essa expressão carrega o peso de uma proclamação solene (LOPES, 2022, p. 1003).
O salmista usa duas imagens fortes: majestade e poder. Deus se reveste daquilo que Ele mesmo é. Ao contrário dos reis terrenos, que usam trajes e insígnias para parecer majestosos, Deus se cobre de Sua própria glória.
João Calvino comenta que “não devemos imaginar haver nele alguma coisa que se derive de outra fonte” (CALVINO, 2009, p. 490). Isso me ensina que a majestade de Deus não é conferida por ninguém: ela é intrínseca ao Seu ser.
O versículo termina com uma declaração sobre a criação: “O mundo está firme e não se abalará.” Essa firmeza não é natural, mas sustentada pela palavra poderosa de Deus. Segundo Calvino, “a simples observação do mundo atesta que existe uma Providência Divina” (CALVINO, 2009, p. 490).
A estabilidade eterna do trono (Sl 93:2)
“O teu trono está firme desde a antigüidade; tu existes desde a eternidade.”
Aqui o salmista une dois conceitos: eternidade e soberania. O trono de Deus não foi estabelecido em algum momento da história. Ele já estava firme desde a eternidade. Isso reforça que o governo divino não é passageiro nem sujeito a alterações. Segundo Allan Harman, “Deus não carece de assumir o senhorio como um governante terreno, pois seu trono foi estabelecido por toda a eternidade” (LOPES, 2022, p. 1004).
Ao ler esse verso, eu me lembro de que todas as estruturas humanas passam. Governos vêm e vão. Mas o trono de Deus permanece inabalável. Isso traz conforto, especialmente em tempos de crise.
Calvino interpreta que o termo trono aqui representa “justiça e poder de governar” (CALVINO, 2009, p. 491). Ou seja, o governo de Deus é justo, santo e eficaz. Não há falhas nem atrasos em sua administração.
A fúria das águas e a vitória do rei (Sl 93:3-4)
“As águas se levantaram, Senhor, as águas levantaram a voz; as águas levantaram seu bramido. Mais poderoso do que o estrondo das águas impetuosas, mais poderoso do que as ondas do mar é o Senhor nas alturas.”
As águas são uma metáfora comum nas Escrituras para o caos, o perigo e as ameaças das nações. Como afirma Warren Wiersbe, “as águas tempestuosas e as ondas fragorosas são símbolos da ascensão e queda das nações” (LOPES, 2022, p. 1006). Essas águas se erguem contra o trono, mas o Senhor é mais poderoso.
Purkiser interpreta que “os rios” representam todas as forças contra o governo justo do Senhor – nações como o Egito, a Assíria e a Babilônia (LOPES, 2022, p. 1006). Como cristão, eu aprendo que mesmo que os poderes da terra se levantem, eles jamais ultrapassam os limites estabelecidos por Deus.
Calvino acrescenta que “todo o terror das águas nada é quando comparado com a majestade de Deus” (CALVINO, 2009, p. 492). As ondas bramam, mas o trono permanece inabalável. Isso me lembra Salmo 29, onde a voz de Deus domina as águas e revela Seu poder criador e redentor.
A fidelidade da Palavra e a santidade da Casa (Sl 93:5)
“Os teus mandamentos permanecem firmes e fiéis; a santidade, Senhor, é o ornamento perpétuo da tua casa.”
O salmo termina com uma transição poderosa: da realeza para a revelação. O trono de Deus é firme, mas também o é a Sua Palavra. Os mandamentos do Senhor são fiéis e verdadeiros. Eles não mudam com o tempo nem se adaptam às pressões culturais.
Calvino destaca que “a fidedignidade da lei de Deus é a mais inestimável de todas as bênçãos” (CALVINO, 2009, p. 493). Como cristão, eu entendo que, sem a Palavra, ficamos à deriva. É ela que nos ancora na verdade e nos molda à imagem do Rei.
A segunda parte do verso enfatiza a santidade. A Casa de Deus deve refletir seu caráter. Hernandes Dias Lopes escreve que “convém à Casa de Deus a santidade, e isso para sempre” (LOPES, 2022, p. 1009). A santidade não é um acessório, mas o verdadeiro ornamento da adoração. Quando a igreja abandona a santidade, ela perde sua identidade espiritual.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 93 não contenha uma profecia messiânica direta, ele antecipa temas centrais que se cumprem plenamente em Cristo. O trono eterno de Deus encontra expressão visível no reinado de Jesus. Ele é chamado de Rei dos reis e Senhor dos senhores (Apocalipse 19:16).
A declaração “O Senhor reina” se cumpre no anúncio do Reino de Deus feito por Jesus (Mc 1:15). Ele manifesta na terra o reinado celestial, enfrentando o caos espiritual e as potências malignas, vencendo-as na cruz. Assim como as águas se levantam contra Deus no Salmo 93, os poderes das trevas se levantaram contra Cristo. Mas Ele ressuscitou e assentou-se à direita de Deus, acima de toda autoridade (Efésios 1:20-21).
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 93
- “Reina o Senhor” – Proclamação escatológica do domínio de Deus. Ecoa a mensagem do Reino no Novo Testamento.
- Águas e rios – Símbolos do caos, das ameaças das nações e das forças espirituais do mal.
- Trono – Representa o governo soberano, justo e eterno de Deus.
- Santidade como ornamento – Mostra que o verdadeiro adorno da Casa de Deus não é ouro ou arquitetura, mas pureza e obediência.
- Mandamentos fiéis – Destacam a imutabilidade da revelação divina em contraste com a inconstância humana.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 93
- O trono de Deus é inabalável – Mesmo que o mundo desmorone, a soberania do Senhor permanece. Isso renova nossa confiança.
- A majestade de Deus não depende de aparência externa – Ele é majestoso em essência. Como cristão, eu devo buscar refletir essa glória em meu caráter.
- As ameaças contra o povo de Deus são limitadas – As águas se levantam, mas não ultrapassam o controle divino. Deus reina mesmo em meio ao caos.
- A Palavra de Deus é segura – Seus mandamentos não mudam, são firmes e fiéis. Eles nos guiam com segurança em meio às incertezas da vida.
- A santidade é a beleza da adoração – Deus não se impressiona com apresentações, mas com corações puros. A santidade convém à Sua Casa.
- A eternidade de Deus nos dá perspectiva – Ele é desde a eternidade. Isso me lembra que minha vida tem valor eterno quando está ligada a Ele.
Conclusão
O Salmo 93 é uma poderosa declaração de fé no reinado eterno e invencível de Deus. Em um mundo instável, onde nações se agitam e poderes se levantam, o povo de Deus é chamado a lembrar que o Senhor reina. Ele está vestido de majestade, firmou o mundo, estabeleceu o trono e sustenta todas as coisas com poder.
Como cristão, eu sou desafiado a viver sob esse reinado com confiança, santidade e obediência. A majestade de Deus não é apenas um tema teológico, mas uma realidade que transforma a forma como vejo o mundo, enfrento o sofrimento e cultivo a esperança. O trono de Deus está firme — e isso basta para me manter de pé.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 490–495.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1003–1009.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 710.