O Salmo 126 é um dos “Cânticos de peregrinação” ou “Cânticos dos Degraus”. Ele pertence à terceira trilogia desses salmos (Sl 120–134), conhecida como os salmos do retorno e restauração. É o sétimo degrau dessa sequência, marcado por uma profunda celebração da libertação do cativeiro babilônico. O pano de fundo histórico é o retorno de parte do povo de Judá, após o decreto do rei Ciro, por volta de 537 a.C. (cf. Esdras 1:1–3).
Segundo Hernandes Dias Lopes, “esse salmo fala de restauração e descreve três períodos na história do povo de Israel: o passado, o presente e o futuro” (LOPES, 2022, p. 1365). Ele foi escrito em um tempo de alegria e dor ao mesmo tempo: a liberdade havia chegado, mas o cenário era de ruínas e grandes desafios.
Para João Calvino, “o salmo foi composto durante o regresso do povo hebreu do cativeiro babilônico”, e não havia dúvida de que aquele livramento era resultado direto da mão de Deus (CALVINO, 2009, p. 364).
1. A libertação inesperada e sua alegria (Sl 126:1–3)
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“Quando o Senhor trouxe os cativos de volta a Sião, foi como um sonho.” (v. 1)
Esses versículos celebram um milagre. O retorno a Sião parecia irreal. Era como um sonho bom demais para ser verdade. O povo estava vivendo algo que parecia impossível poucos anos antes. De fato, Nabucodonosor havia destruído Jerusalém, e o exílio durou 70 anos (cf. Jeremias 25:12).
A resposta emocional do povo foi intensa: “nossa boca encheu-se de riso, e a nossa língua de cantos de alegria” (v. 2). Eu imagino o impacto disso. Pessoas que antes choravam às margens dos rios da Babilônia agora cantavam nas ruas de Jerusalém. O contraste é poderoso.
O mais interessante é que até as nações reconheceram: “O Senhor fez coisas grandiosas por este povo” (v. 2b). Hernandes destaca que esse é um poderoso testemunho às nações (LOPES, 2022, p. 1368). A libertação de Israel apontava para algo maior: um Deus que age na história e salva com poder.
O versículo 3 repete a ideia, agora com a voz do próprio povo: “Sim, coisas grandiosas fez o Senhor por nós, por isso estamos alegres.” Calvino diz que “esta confissão é uma resposta ao reconhecimento público que até os gentios fizeram” (CALVINO, 2009, p. 366).
Essa parte do salmo me lembra o quanto a salvação de Deus é sempre maior do que esperamos. Ele nos surpreende com sua graça.
2. O clamor por nova restauração (Sl 126:4)
“Senhor, restaura-nos, assim como enches o leito dos ribeiros no deserto.”
Este versículo marca uma mudança de tom. O povo já está em casa, mas tudo ainda está longe do ideal. Eles pedem por mais restauração. O retorno foi parcial, os desafios eram enormes. Muitos exilados ainda estavam fora. A terra estava seca — literalmente e espiritualmente.
A imagem do Neguebe (deserto ao sul de Judá) é impactante. Como explica Walton, os “uádis” daquela região ficavam secos por meses, mas, de repente, enchiam-se com chuvas torrenciais, trazendo vida (WALTON et al., 2018, p. 721).
A oração é por um milagre. Como se o povo dissesse: “Deus, faz outra vez!”. Hernandes observa que “a restauração é obra soberana de Deus, não algo que podemos fabricar” (LOPES, 2022, p. 1370). Calvino vê aqui um pedido para que “Deus traga de volta todos os que ainda estão dispersos” (CALVINO, 2009, p. 368).
Isso fala muito comigo. Às vezes, Deus já começou uma obra em nossa vida, mas ainda precisamos clamar para que Ele complete. Não podemos nos acomodar com bênçãos parciais.
3. O trabalho doloroso com promessa de alegria (Sl 126:5–6)
“Aqueles que semeiam com lágrimas, com cantos de alegria colherão.” (v. 5)
Essa é uma das imagens mais belas da Bíblia. Semeadores chorando enquanto lançam a semente. Mas a promessa é clara: a colheita virá. Com alegria. Hernandes chama isso de “o evangelismo das lágrimas” (LOPES, 2022, p. 1372). É o ministério feito com dor, esperança e fé.
O versículo 6 repete a ideia com mais detalhes: “Aquele que sai chorando enquanto lança a semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os seus feixes.” A linguagem é agrícola, mas fala da vida espiritual. Calvino observa que “a restauração ainda não estava completa, mas os fiéis deveriam perseverar na esperança” (CALVINO, 2009, p. 370).
Como discípulo de Jesus, eu vejo aqui um retrato do nosso chamado. Nem sempre a vida cristã é fácil. Às vezes, servimos a Deus entre lágrimas. Mas Deus promete: quem planta com fidelidade colherá com alegria.
Cumprimento das profecias no Novo Testamento
O Salmo 126 é um retrato da obra redentora de Deus, que se cumpre plenamente em Jesus Cristo. O retorno do exílio aponta para algo maior: nossa libertação do pecado. O povo de Israel voltou para casa. Em Cristo, nós voltamos para Deus.
Jesus é o verdadeiro Restaurador. Ele é aquele que transforma deserto em jardim, tristeza em alegria. Como diz João 16:20: “Vocês chorarão e se lamentarão, mas a sua tristeza se transformará em alegria.”
A promessa da colheita com alegria ecoa também em Gálatas 6:9: “Não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo certo colheremos, se não desanimarmos.”
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 126
- Sião – Símbolo da presença de Deus, da cidade santa, da comunhão restaurada.
- Neguebe – Deserto árido, representa a secura espiritual e os períodos difíceis. Mas também lugar de milagres.
- Ribeiros – Imagem da ação rápida e poderosa de Deus. Água em lugar seco.
- Semeadura com lágrimas – Serviço feito com dor, entrega e sacrifício.
- Feixes com alegria – Resultado da fidelidade e graça de Deus. Fruto que vale o choro.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 126
- Deus é especialista em recomeços impossíveis – Se Ele restaurou Jerusalém, Ele também pode restaurar qualquer vida destruída.
- Nem todo milagre é imediato, mas todos são possíveis – O povo voltou, mas precisou clamar por mais. A fé continua mesmo depois da vitória.
- O sofrimento não invalida o chamado – Semeamos chorando, mas continuamos semeando. A colheita vem.
- Nossa dor pode ser usada por Deus – As lágrimas não são desperdiçadas. Elas regam a terra onde brotará a alegria.
- O testemunho da graça precisa ser proclamado – Quando Deus nos restaura, isso deve ecoar entre as nações.
- Orar por avivamento é urgente e necessário – O salmo nos convida a clamar como quem espera rios em meio ao deserto.
Conclusão
O Salmo 126 é um hino de esperança. Ele começa com riso, passa pelo clamor e termina com promessa. Não é um salmo ingênuo. Ele reconhece a dor, mas aponta para a fidelidade de Deus.
Ao ler esse salmo, eu sou lembrado de que a vida cristã é feita de ciclos. Há tempos de choro e tempos de canto. Há fases de deserto e de colheita. Mas em todas elas, o Senhor está conosco. Ele é o Deus da restauração.
E se você hoje se encontra num tempo seco, lembre-se: Deus pode fazer brotar rios no Neguebe da sua vida. Continue semeando. Continue esperando. Continue confiando.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 364–372.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1365–1374.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 721.