O Salmo 37 foi escrito por Davi em sua velhice, como ele mesmo afirma: “Já fui jovem e agora sou velho” (Sl 37:25). Trata-se de um salmo de sabedoria, e seu conteúdo se assemelha aos conselhos dos livros sapienciais como Provérbios e Eclesiastes. Sua forma é acróstica, com cada grupo de versículos iniciando por letras sucessivas do alfabeto hebraico, o que aponta para seu uso didático e meditativo.
O pano de fundo do salmo é o conflito entre o justo e o ímpio, algo recorrente na experiência de Davi. Ele presenciou muitas situações em que os perversos prosperavam enquanto os justos eram perseguidos. Esse contraste gera uma tensão espiritual e emocional em quem busca viver com integridade. Davi, como homem de fé e líder experiente, oferece conselhos espirituais práticos para manter o coração firme diante dessa realidade.
Segundo Hernandes Dias Lopes, “esse salmo foi escrito para falar da salvação do justo, apesar da perseguição do ímpio, bem como da condenação do ímpio, apesar de sua aparente força” (LOPES, 2022, p. 417). Ele está entre os três salmos que lidam diretamente com o problema da prosperidade dos ímpios, junto com o Salmo 49 e o Salmo 73. Warren Wiersbe observa que o termo “perverso” aparece catorze vezes no salmo, reforçando o foco da mensagem (WIERSBE, 2006, p. 215).
Davi não apenas ensina sobre fé e paciência; ele testemunha como alguém que caminhou com Deus por décadas. Por isso, esse salmo carrega não apenas doutrina, mas também experiência vivida.
1. O perigo da inveja e da ira (Sl 37:1–2)
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Davi começa com uma advertência clara: “Não se aborreça por causa dos homens maus e não tenha inveja dos perversos”. A palavra usada para “aborrecer” implica um ardor interior, uma inflamação emocional. A inveja, por sua vez, é uma forma de cobiça emocional. Davi alerta que esses sentimentos corroem a alma e nublam a fé. A razão para esse conselho é simples: os ímpios secarão como o capim, ou seja, sua glória é temporária.
Ao ler esse trecho, eu aprendo que o foco da minha vida não deve estar nos resultados imediatos, mas nas promessas eternas. Deus vê tudo e age no tempo certo.
2. Atitudes piedosas em tempos difíceis (Sl 37:3–11)
A resposta bíblica à inquietação é ativa e não passiva. Confiar, fazer o bem, habitar, deleitar-se, entregar, descansar e esperar. Cada verbo representa uma atitude espiritual.
- “Deleite-se no Senhor, e ele atenderá aos desejos do seu coração” (v. 4). Walton explica que essa expressão, em textos antigos, aponta para o cumprimento de um desejo alinhado com a vontade divina, não um desejo qualquer (WALTON et al., 2018, p. 685).
- “Entregue o seu caminho ao Senhor” (v. 5) significa literalmente “rolar sobre”. É colocar o peso da vida nas mãos de Deus, como ensina 1 Pedro 5:7.
- “Descanse no Senhor” (v. 7) evoca silêncio e confiança. Spurgeon afirma que “uma língua silenciosa mostra, em muitos casos, não só uma cabeça sábia, mas também um coração santo” (apud LOPES, 2022, p. 422).
Eu percebo que confiar em Deus exige ação: entregar, descansar e resistir à ira. Paciência e mansidão não são fraquezas, mas virtudes do justo.
3. A oposição do ímpio e o sustento divino (Sl 37:12–20)
Aqui Davi contrasta o agir do ímpio com o cuidado de Deus:
- O ímpio trama e rosna contra o justo (v. 12), mas Deus ri dele (v. 13). É uma imagem forte: Deus vê além do presente e zomba da presunção do ímpio.
- As armas dos ímpios voltam-se contra eles (v. 14–15), como no caso de Hamã em Ester 7.
- “Melhor é o pouco do justo que a riqueza de muitos ímpios” (v. 16). A qualidade da vida é mais importante do que a quantidade de bens.
- Deus sustenta os justos (v. 17), conhece seus dias (v. 18) e os protege na adversidade (v. 19). Já os ímpios se desvanecem como fumaça (v. 20).
Ao meditar nessas promessas, percebo que não sou sustentado pelos recursos que tenho, mas pelo Deus que me conhece. Ele é suficiente.
4. O justo e sua herança eterna (Sl 37:21–31)
Nesta seção, Davi destaca cinco características do justo:
- Ele é generoso (v. 21–22). Enquanto o ímpio retém, o justo reparte.
- Seus passos são firmados pelo Senhor (v. 23–24). Mesmo que tropece, não ficará caído.
- Ele é suprido por Deus (v. 25–26). Davi testemunha que nunca viu o justo desamparado.
- Ele recebe instrução de Deus (v. 27–29). Deus ama a justiça e guarda os santos.
- Ele é guiado pela Palavra (v. 30–31). Sua boca fala com sabedoria, e seu coração está cheio da lei divina.
Como cristão, eu aprendo que minha conduta deve ser marcada por generosidade, integridade e devoção à Palavra. Essas são marcas de uma vida estável.
5. A vitória final do justo (Sl 37:32–40)
- O ímpio espreita o justo, mas o Senhor o protege (v. 32–33).
- O justo deve esperar no Senhor, pois verá a queda dos ímpios (v. 34).
- Davi testemunha: viu o ímpio florescendo, mas ele desapareceu (v. 35–36).
- O íntegro terá futuro; o ímpio, destruição (v. 37–38).
- A salvação do justo vem do Senhor (v. 39–40).
Essa conclusão é poderosa. O tempo revela a diferença entre quem confia em Deus e quem anda por si mesmo. O justo não só sobrevive, mas é exaltado.
Cumprimento das profecias
O Salmo 37 possui ecos no Novo Testamento, especialmente nas palavras de Jesus no Sermão do Monte. A bem-aventurança “os humildes herdarão a terra” (Mt 5:5) vem diretamente de Salmo 37:11.
Além disso, a promessa de que “o Senhor salva e livra os justos” (v. 39–40) antecipa a obra redentora de Cristo. A ideia de “herdar a terra” aponta para a Nova Jerusalém, como descrito em Apocalipse 21, onde os justos viverão para sempre com Deus.
Significado dos nomes e simbolismos
- Perverso / Ímpio / Malfeitor – Termos usados para descrever pessoas que vivem afastadas de Deus, mesmo que prosperem externamente.
- Justo / Íntegro / Manso – Refere-se àquele que anda com Deus, confia em sua justiça e pratica o bem.
- Herdar a terra – No contexto de Israel, era uma promessa literal. No Novo Testamento, torna-se símbolo da herança eterna.
- Espada e arco dos ímpios – Representam instrumentos de violência. O fato de se voltarem contra seus donos é símbolo de justiça divina.
- Lei no coração – Indica uma vida moldada pela vontade de Deus, antecipando a promessa de Jeremias 31:33.
Lições espirituais e aplicações práticas
- Não inveje o ímpio, confie em Deus – O sucesso dos maus é passageiro, mas a fidelidade do Senhor é eterna.
- A fé prática se revela em atitudes – Confiar, entregar, descansar e esperar são verbos que exigem ação e perseverança.
- Deus não abandona os seus – Mesmo na velhice, mesmo na adversidade, o justo é sustentado.
- A justiça de Deus prevalecerá – Os ímpios florescem por um tempo, mas são desarraigados. Os justos herdam a terra.
- A generosidade é uma marca do justo – Não se trata de ter muito, mas de confiar em Deus para repartir.
- A salvação vem do Senhor – Ele livra, fortalece e redime os que nele se refugiam.
Conclusão
O Salmo 37 é uma bússola espiritual para quem se sente aflito ao ver o avanço dos maus. Ele não apenas consola, mas direciona. Davi, com a sabedoria dos anos e a experiência da fé, nos lembra que a justiça de Deus não falha. Ao confiar, entregar, descansar e esperar no Senhor, o justo encontra segurança, direção e esperança.
Eu aprendo que viver pela fé exige uma visão além do imediato. Significa crer que, mesmo quando os ímpios prosperam, o nosso Deus é juiz justo, refúgio seguro e Salvador fiel. Quem nele confia jamais será envergonhado.
Referências
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2.
- WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Antigo Testamento. 1. ed. São Paulo: Geográfica, 2006.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.