O Salmo 62 é atribuído a Davi e carrega o subtítulo: “Ao mestre de música, para Jedutum”. Jedutum era um dos chefes dos músicos levitas, responsável por conduzir o louvor no templo, como vemos em 1 Crônicas 25:1. A associação com esse grupo sugere que este salmo foi composto com o objetivo de ser entoado publicamente em momentos de adoração e meditação coletiva.
Embora o salmo não mencione diretamente o contexto exato da vida de Davi, estudiosos como Hernandes Dias Lopes sugerem que ele pode ter sido escrito durante a perseguição de Saul ou no período de rebelião de Absalão (LOPES, 2022, p. 663). Em ambas as situações, Davi enfrentava traição, ameaça de morte e profunda instabilidade.
Do ponto de vista teológico, o salmo trata da exclusividade da confiança em Deus. Ele contrasta a fragilidade humana com a firmeza divina e aponta para um relacionamento em que a alma encontra repouso não nas circunstâncias, mas no caráter imutável do Senhor. O termo hebraico ach, traduzido na NVI por “somente”, aparece seis vezes no salmo (vv. 1, 2, 4, 5, 6, 9), reforçando o tema da exclusividade da fé e da dependência em Deus.
A alma em silêncio diante de Deus (Sl 62:1–2)
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A minha alma descansa somente em Deus; dele vem a minha salvação. Somente ele é a rocha que me salva; ele é a minha torre segura! Jamais serei abalado! (vv. 1–2)
Davi começa com um testemunho pessoal. O verbo “descansa” pode ser traduzido também como “silencia”. João Calvino observa que essa expressão indica submissão serena diante de Deus, mesmo quando o coração está agitado por provações (CALVINO, 2009, p. 551). É uma fé que decide confiar mesmo quando não entende.
Ao ler este trecho, aprendo que o verdadeiro descanso não depende do que acontece fora, mas daquilo que acontece dentro de nós. Quando a alma se cala diante de Deus, nasce uma esperança inabalável.
A denúncia da falsidade humana (Sl 62:3–4)
Até quando todos vocês atacarão um homem…? Todo o propósito deles é derrubá-lo de sua posição elevada… (vv. 3–4)
Davi agora se volta aos seus inimigos. Ele descreve a malícia contínua e a hipocrisia deles. Suas palavras são como bênçãos, mas seus corações estão cheios de maldição. Calvino interpreta esses versos como uma descrição vívida da malícia obstinada, onde os ímpios, como um muro torto, estão prestes a cair, mesmo quando parecem firmes (CALVINO, 2009, p. 552).
Aqui, eu entendo que a linguagem falsa e a aparência piedosa escondem um coração cheio de ódio. O salmista não tenta se vingar, mas entrega sua causa a Deus.
Reforçando a esperança em Deus (Sl 62:5–7)
Descanse somente em Deus, ó minha alma… A minha salvação e a minha honra de Deus dependem… (vv. 5–7)
Davi repete os versículos iniciais, mas agora com mais convicção. A esperança, que antes era um consolo, agora se torna uma declaração de fé renovada. Hernandes Dias Lopes destaca que há aqui um progresso: no versículo 2 ele diz “não serei muito abalado”, mas no versículo 6 afirma “não serei abalado” (LOPES, 2022, p. 665). A confiança amadurece.
Como cristão, percebo que a fé não é algo estático. Ela se desenvolve à medida que passamos pelo fogo das provações e permanecemos firmes na Palavra.
Convite à confiança coletiva (Sl 62:8–10)
Confiem nele em todos os momentos… Os homens… não passam de um sopro… (vv. 8–10)
Davi sai do diálogo interior e se dirige ao povo. Ele convida todos a confiarem em Deus, não nas pessoas nem nas riquezas. A linguagem é clara: seja o homem nobre ou humilde, todos são leves como o vento. João Calvino interpreta esses versículos como uma crítica às falsas esperanças humanas, que são mais frágeis do que a vaidade (CALVINO, 2009, p. 558).
Aqui, aprendo que qualquer confiança que não seja em Deus está fadada à decepção. As aparências enganam, mas o Senhor permanece fiel.
A voz de Deus que define a realidade (Sl 62:11–12)
Uma vez Deus falou, duas vezes eu ouvi… (vv. 11–12)
O salmo termina com uma verdade que ecoa fortemente: Deus é poderoso, misericordioso e justo. Hernandes Dias Lopes afirma que este é o ponto mais alto do salmo, em que Davi argumenta com o próprio Deus sobre seu caráter (LOPES, 2022, p. 669). Calvino destaca que o poder de Deus é o fundamento da segurança espiritual do crente, e sua fidelidade garante que nada escapa ao seu justo juízo (CALVINO, 2009, p. 565).
Eu aprendo que, se o poder está em Deus, não preciso temer os homens. E se a fidelidade está com Ele, posso descansar até mesmo quando sou injustiçado.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 62 não contenha uma profecia messiânica explícita, ele antecipa verdades que o Novo Testamento afirma com clareza. Por exemplo, a confiança total em Deus, como único refúgio e rocha, é plenamente revelada em Jesus Cristo. Paulo afirma: “Nele fomos também escolhidos… segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o plano da sua vontade” (Ef 1:11).
Além disso, a declaração de que Deus retribui a cada um segundo suas obras aparece no Novo Testamento em Romanos 2:6, mostrando a continuidade da justiça divina entre as alianças.
Em Cristo, essas promessas se cumprem com perfeição. Ele é o refúgio final, a Rocha firme e o Justo Juiz.
Significado dos nomes e simbolismos
- Rocha – Simboliza firmeza, estabilidade e proteção. É uma metáfora comum para Deus em momentos de insegurança (cf. Sl 18:2). Aqui, ela aparece três vezes (vv. 2, 6, 7), reforçando a segurança que o salmista encontra em Deus.
- Torre alta / Refúgio – Imagem de segurança elevada e inacessível ao inimigo. Remete a lugares fortificados de proteção espiritual.
- Pausa (Selá) – Embora seu significado exato seja incerto, acredita-se que indique uma pausa musical ou momento de reflexão, convidando o leitor a meditar profundamente no que foi dito.
- Sopro / Vaidade – No hebraico, hebel, a mesma palavra usada em Eclesiastes para expressar aquilo que é fugaz, passageiro, sem substância.
Lições espirituais e aplicações práticas
- A alma precisa aprender a descansar – O silêncio interior é fruto de fé. Quando calamos nossas ansiedades diante de Deus, ouvimos sua voz com mais clareza.
- A confiança precisa ser exclusiva – Quando divido minha confiança entre Deus e outras coisas, não confio realmente. Somente em Deus minha alma deve esperar.
- A aparência das pessoas pode enganar – Os homens, mesmo os importantes, são como vento. Não devemos esperar deles o que só Deus pode dar.
- As riquezas são instáveis – Não é errado prosperar, mas é insensato confiar no dinheiro. Ele não oferece refúgio quando a alma está aflita.
- A repetição fortalece a fé – Davi fala consigo mesmo duas vezes (vv. 1 e 5). Repetir verdades bíblicas é um exercício necessário para vencer a dúvida.
- Deus é poderoso, misericordioso e justo – Essas três qualidades juntas revelam um Deus digno de confiança. Ele pode ajudar, quer ajudar e julga com retidão.
- A oração deve ser honesta – Derramar o coração diante de Deus é um convite à vulnerabilidade. Isso nos liberta do peso de carregar tudo sozinhos.
Conclusão
O Salmo 62 é um convite ao descanso profundo. Em um mundo de instabilidades, onde pessoas nos decepcionam e riquezas desaparecem, Davi nos lembra que somente Deus é nossa Rocha. Ao ler este salmo, eu aprendo que a alma precisa ser treinada para confiar. E essa confiança cresce à medida que olho para o caráter de Deus, não para as circunstâncias. O poder, a fidelidade e a justiça pertencem a Ele. E isso é tudo de que preciso.
Referências
- CALVINO, João. Salmos. Org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho, Francisco Wellington Ferreira. Trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 2, p. 550–566.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus. Org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 663–670.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 697.