O Salmo 91 é um dos textos mais amados e citados da Escritura. Apesar de seu autor não ser identificado, muitos estudiosos o associam a Moisés, por vir logo após o Salmo 90, que leva seu nome, ou a Davi, devido ao estilo literário e à experiência espiritual intensa descrita. Seja como for, o salmo é atemporal em sua mensagem e profundamente pessoal em seu tom.
Sua estrutura revela um padrão hebraico de paralelismo poético, usado para reforçar verdades espirituais. É possível que tenha sido composto num tempo de perigo nacional, como guerras, epidemias ou perseguições. O pano de fundo do salmo pode remeter à libertação do Egito e à jornada no deserto, conforme as imagens da peste, dos perigos noturnos e do livramento de inimigos sugerem.
Hernandes Dias Lopes afirma que “este é o texto clássico do livramento divino” (LOPES, 2022, p. 981). O salmo não promete uma vida sem problemas, mas assegura que Deus é abrigo seguro em meio a qualquer perigo. Ele é uma resposta bíblica à insegurança humana.
João Calvino, por sua vez, ressalta que “a verdade inculcada é de grande utilidade prática, pois poucos são os que realmente se dispõem a confiar a Deus sua segurança” (CALVINO, 2009, p. 460). O salmo não é um amuleto, mas um convite à confiança contínua no Senhor.
1. Deus, nossa morada segura (Salmo 91:1–4)
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Aquele que habita no abrigo do Altíssimo e descansa à sombra do Todo-poderoso pode dizer ao Senhor: Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus, em quem confio. (vv. 1-2)
O texto começa com uma promessa dirigida àqueles que permanecem, e não apenas visitam, a presença de Deus. A palavra “habita” indica permanência, enquanto “descansa” fala de segurança. Deus é descrito como Altíssimo (El Elyon) e Todo-poderoso (El Shaddai), nomes que evocam soberania e cuidado paternal.
Segundo Calvino, “os que habitam no lugar secreto de Deus experimentam uma abundante extensão de sua proteção” (CALVINO, 2009, p. 461). A linguagem é de intimidade, de alguém que vive próximo a Deus e experimenta seu cuidado diário.
Ao ler este trecho, eu aprendo que viver perto de Deus é o lugar mais seguro da vida. Ele não promete ausência de tempestades, mas refúgio em meio a elas.
Ele o livrará do laço do caçador e do veneno mortal. (v. 3)
Aqui, o salmista introduz duas figuras: o laço do caçador e a peste mortal. O Comentário Histórico-Cultural explica que armadilhas com laços eram comuns entre os caçadores do antigo Oriente Próximo, inclusive ilustradas em pinturas egípcias (WALTON et al., 2018, p. 709). A metáfora aponta para perigos ocultos e traiçoeiros que nos cercam.
Deus também livra da “peste perniciosa”, uma imagem que evoca doenças graves e fatais. A proteção divina abrange o que é visível e o que é invisível, como a própria pandemia do coronavírus nos ensinou.
Ele o cobrirá com as suas penas, e sob as suas asas você encontrará refúgio; a fidelidade dele será o seu escudo protetor. (v. 4)
A imagem das asas é recorrente nos Salmos (cf. Salmo 36:7, Salmo 57:1). Walton lembra que esta figura evoca a ternura das aves com seus filhotes, oferecendo abrigo e calor (WALTON et al., 2018, p. 709).
Como cristão, eu me lembro que não há proteção mais segura do que o colo do Pai. A fidelidade de Deus, seu compromisso com suas promessas, é nosso escudo.
2. Deus, nosso protetor incomparável (Salmo 91:5–13)
Você não temerá o pavor da noite, nem a flecha que voa de dia (v. 5)
O salmista cobre todas as horas do dia, dizendo que, de noite ou de dia, a confiança em Deus anula o medo. O terror noturno pode incluir ataques, assaltos ou ansiedade. As setas do dia podem simbolizar críticas, ataques verbais ou perseguições. Deus guarda seus filhos em qualquer turno.
Segundo Calvino, “se confiarmos com implícita certeza na proteção divina, estaremos seguros de toda e qualquer tentação” (CALVINO, 2009, p. 463).
Nem a peste que se move sorrateira nas trevas, nem a praga que devasta ao meio-dia. (v. 6)
O perigo é real. A peste se propaga tanto em silêncio como em plena luz. Mas Deus protege em ambas as situações. Hernandes lembra que “somente Deus pode nos proteger dos perigos invisíveis que nos rodeiam” (LOPES, 2022, p. 984). Spurgeon dizia que há também a peste do erro e do pecado, e Deus nos guarda de ambas.
Caiam mil ao seu lado, dez mil à sua direita, mas nada o atingirá. (v. 7)
Esta é uma das imagens mais poderosas do salmo. Ainda que o mundo ao redor desabe, quem confia em Deus permanece. Calvino interpreta essa expressão como “uma forma de mostrar que, em meio à destruição, os filhos de Deus são os objetos de especial cuidado” (CALVINO, 2009, p. 464).
Você simplesmente olhará, e verá o castigo dos ímpios. (v. 8)
O justo não participa do juízo, mas o contempla. A retribuição divina é parte da justiça de Deus, e Ele a administra com sabedoria. O mesmo conceito aparece em Salmo 37, onde vemos que o ímpio é como a erva que logo murcha.
Porque a seus anjos ele dará ordens a seu respeito, para que o protejam em todos os seus caminhos. (v. 11)
O uso de anjos aqui reflete uma crença comum no antigo Oriente Próximo, mas com uma diferença crucial: são os anjos que obedecem a Deus, não deuses menores (WALTON et al., 2018, p. 709). O texto não fala de um anjo da guarda pessoal, mas de um exército angelical à disposição dos fiéis.
Calvino reforça que “não designa um anjo solitário para cada santo, mas comissiona todos os exércitos do céu para manter vigilância” (CALVINO, 2009, p. 467). O mesmo pensamento é reforçado em Salmo 34:7.
Você pisará o leão e a cobra; pisoteará o leão forte e a serpente. (v. 13)
O salmo termina essa seção com imagens de vitória. O leão e a serpente representam forças destruidoras — físicas ou espirituais. Como também vemos em Lucas 10:19, os servos de Cristo recebem autoridade para pisar serpentes e escorpiões.
3. Deus, o abençoador pessoal (Salmo 91:14–16)
“Porque ele me ama, eu o resgatarei; eu o protegerei, pois conhece o meu nome.” (v. 14)
Neste ponto, é o próprio Deus quem fala. Ele responde ao amor e à fé com livramento. O verbo hebraico chashaq indica um amor profundo e voluntário, como o que Deus tinha por Israel (Dt 7:7). Allan Harman observa que essa palavra denota “profunda afeição” (apud LOPES, 2022, p. 990).
“Ele clamará a mim, e eu lhe darei resposta, e na adversidade estarei com ele; vou livrá-lo e cobri-lo de honra.” (v. 15)
A oração recebe resposta. O livramento não é apenas a saída do problema, mas o consolo na dor e a honra depois da aflição. Como cristão, eu aprendo que o sofrimento não é o fim da história. Deus honra seus filhos mesmo após a luta, como também está em Romanos 8:28.
“Vida longa eu lhe darei, e lhe mostrarei a minha salvação.” (v. 16)
A promessa final fala de longevidade e salvação. Calvino afirma que “longevidade não é apenas quantidade de vida, mas qualidade de vida” (CALVINO, 2009, p. 475). A salvação aqui é completa: inclui livramento, comunhão e vida eterna, como vemos também em João 10:28.
Cumprimento das profecias
Satanás citou parte do Salmo 91 ao tentar Jesus no deserto (ver Mateus 4:6; Lucas 4:10), distorcendo seu contexto. Cristo respondeu com fidelidade à Palavra, demonstrando que promessas divinas não podem ser usadas fora da vontade do Pai.
Jesus é o cumprimento perfeito do Salmo 91. Ele é o refúgio eterno, o que pisa a serpente (ver Gênesis 3:15), e nos convida a habitar Nele (cf. João 15:5).
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 91
- Habitar em Deus é diferente de apenas visitá-lo — o salmo fala de permanência constante, não de encontros esporádicos.
- Deus oferece abrigo real em tempos difíceis — como o escudo e o abrigo sob suas asas.
- O medo perde força na presença de Deus — Ele é maior que o terror noturno e a praga ao meio-dia.
- A oração é resposta natural de quem ama a Deus — a fé se manifesta em clamor (cf. Salmo 50:15).
- O livramento é mais do que sair do problema — é andar com Deus mesmo no vale (ver Salmo 23:4).
- A salvação prometida é plena — inclui vida longa, proteção, comunhão e eternidade.
Conclusão
O Salmo 91 é um convite à habitação contínua no esconderijo de Deus. Ele não é um amuleto, mas uma confissão de fé viva. Quem escolhe viver perto de Deus encontra abrigo, livramento, consolo e salvação.
Ao ler este salmo, eu sou lembrado que o refúgio não está em lugares, mas em uma Pessoa. E é Nele que quero habitar todos os dias.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 460–475.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 981–991.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 709.