O Salmo 138 é atribuído a Davi e marca o início da última coletânea de salmos davídicos (Salmos 138–145). Esses salmos compõem um tipo de manual devocional pessoal que reflete a maturidade espiritual do rei. Segundo Hernandes Dias Lopes, é possível que tenham sido “os últimos salmos escritos por Davi, funcionando como um comentário pessoal sobre a grande promessa messiânica recebida em 2Samuel 7” (LOPES, 2022, p. 1479).
Essa promessa, conhecida como o Pacto Davídico, garantia a perpetuidade do trono por meio de um descendente, o que aponta diretamente para o Messias. Assim, o tom do Salmo 138 é de confiança e gratidão. Davi celebra a fidelidade de Deus ao cumprir promessas passadas e deposita esperança na continuidade de Sua misericórdia.
Teologicamente, o salmo ressalta a grandeza de Deus e a supremacia da Sua Palavra. Como veremos, Davi louva ao Senhor pela resposta à oração, pela proteção em tempos de aflição, e pela certeza de que o propósito de Deus será cumprido. É um salmo que une experiência pessoal com esperança escatológica.
1. Louvor diante de todos os poderes (Salmo 138.1–2)
>>> Inscreva-se em nosso Canal no YouTube
“Eu te louvarei, Senhor, de todo o coração; diante dos deuses cantarei louvores a ti.” (v. 1)
A primeira declaração de Davi é intensa e corajosa: ele louvará a Deus de todo o coração. Isso revela sinceridade e entrega total. A adoração não é superficial nem protocolar. Ele se posiciona “diante dos deuses”, o que pode se referir tanto a anjos como a líderes terrenos. Como afirma Calvino, “o louvor aqui é público, e os crentes, ao se achegarem a Deus, são afastados do mundo e sobem ao céu em comunhão com os anjos” (CALVINO, 2009, p. 473).
“Voltado para o teu santo templo eu me prostrarei e renderei graças ao teu nome, por causa do teu amor e da tua fidelidade” (v. 2a)
Apesar de o templo ainda não existir nos dias de Davi, ele se refere ao santuário ou tenda, o local simbólico da presença divina. Ele se prostra em reverência, reconhecendo o amor (hesed) e a fidelidade (’emet) do Senhor. Ambos atributos estão profundamente ligados à aliança que Deus firmou com Israel.
“Pois exaltaste acima de todas as coisas o teu nome e a tua palavra.” (v. 2b)
Aqui Davi destaca a supremacia da revelação divina. Nome e Palavra estão entrelaçados, pois o nome de Deus representa quem Ele é, e Sua Palavra revela Seu caráter. Segundo Hernandes, “a Palavra de Deus é o espelho que reflete a glória de sua graça” (LOPES, 2022, p. 1482). É por isso que toda adoração verdadeira começa com a exaltação da Escritura, como também se vê em Salmo 119.
2. Resposta e força vinda da oração (Salmo 138.3)
“Quando clamei, tu me respondeste; deste-me força e coragem.” (v. 3)
Davi declara uma verdade vivida: Deus responde. E a resposta divina não foi apenas externa, mas interior. Deus fortaleceu sua alma. Segundo Calvino, “de um estado fraco e aflito, Ele injetou nova força em meu espírito” (CALVINO, 2009, p. 475). Isso me faz lembrar de como, muitas vezes, eu clamei e não vi mudança nas circunstâncias — mas minha alma foi renovada. A oração muda primeiro o interior, depois o exterior.
3. A conversão dos reis e o testemunho universal (Salmo 138.4–5)
“Todos os reis da terra te renderão graças, Senhor, pois saberão das tuas promessas.” (v. 4)
Essa é uma declaração escatológica. Davi antecipa o tempo em que os reis da terra reconhecerão a soberania do Senhor. É uma esperança messiânica, que aponta para o reinado universal de Cristo, como descrito em Apocalipse 1:5: “Jesus Cristo, a fiel testemunha… o soberano dos reis da terra.”
“Celebrarão os feitos do Senhor, pois grande é a glória do Senhor!” (v. 5)
Não se trata de um reconhecimento forçado, mas de um louvor voluntário. Os reis cantarão, testemunharão a glória de Deus. Isso ecoa Salmo 96, onde todas as nações são convidadas a adorar o Senhor.
4. O Senhor exalta os humildes e resiste aos soberbos (Salmo 138.6)
“Embora esteja nas alturas, o Senhor olha para os humildes, e de longe reconhece os arrogantes.” (v. 6)
Essa é uma das verdades mais consoladoras da Bíblia. Deus é imenso, mas próximo. Ele olha para os humildes com cuidado e prazer. Por outro lado, os soberbos Ele “reconhece de longe” — ou seja, mantém distância. Spurgeon comenta que “o Senhor não precisa se aproximar para descobrir a futilidade dos soberbos; de longe os abomina” (LOPES, 2022, p. 1485).
Eu aprendo aqui que, quanto mais humilde eu for, mais perto estou de Deus. A grandeza do Senhor não o impede de cuidar de mim. Isso reforça o que lemos em Isaías 57:15: “Eu habito… com o contrito e abatido de espírito.”
5. Livramento em meio à tribulação (Salmo 138.7)
“Ainda que eu passe por angústias, tu me preservas a vida da ira dos meus inimigos; estendes a tua mão direita e me livras.” (v. 7)
Davi não ignora o sofrimento. Ele sabe o que é viver cercado por perigos. Mas sabe também que Deus age em meio à tribulação. Como Calvino diz, “a função da fé é visualizar a vida em meio à morte” (CALVINO, 2009, p. 478). Isso me desafia a confiar mesmo quando estou com um pé na cova.
A imagem da mão direita de Deus nos lembra da autoridade de Cristo, como se lê em Salmo 110: “Assenta-te à minha direita…”. Essa é a mão que livra, preserva e protege.
6. A obra de Deus será completada (Salmo 138.8)
“O Senhor cumprirá o seu propósito para comigo! Teu amor, Senhor, permanece para sempre; não abandones as obras das tuas mãos!” (v. 8)
Essa é a conclusão gloriosa do salmo. Davi não tem dúvidas: o que Deus começou, Ele vai completar. É a mesma certeza que Paulo expressa em Filipenses 1:6: “aquele que começou boa obra em vocês, há de completá-la…”
Calvino entende o verbo hebraico gamar aqui como aperfeiçoar. Ele afirma: “Deus não pode abandonar a sua obra em estado inacabado, movido por indolência ou incapacidade” (CALVINO, 2009, p. 480). Essa verdade me sustenta nos dias em que me sinto inconstante. Deus não desiste de mim.
Cumprimento das profecias
O Salmo 138 está repleto de ecos messiânicos. A conversão dos reis da terra aponta para a missão universal de Cristo. Sua morte e ressurreição abriram caminho para que pessoas de todas as nações louvem a Deus, como previsto em Salmo 22:27.
Além disso, a promessa de que Deus “cumprirá o seu propósito” se cumpre plenamente em Jesus, o autor e consumador da nossa fé (Hb 12:2). Nele, a fidelidade divina se tornou carne (Jo 1:14). O nome e a Palavra foram magnificados acima de tudo — pois Jesus é o Verbo eterno.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 138
- Senhor (YHWH) – Nome da aliança. Remete à fidelidade e eternidade de Deus.
- Templo – Representa a presença de Deus. Em Cristo, temos o verdadeiro Templo (Jo 2:21).
- Palavra – Revelação divina. Base de fé, obediência e adoração.
- Mão direita – Símbolo de autoridade e salvação. Representa o agir soberano de Deus.
- Obra das tuas mãos – Refere-se à criação e à redenção. Somos feitura de Deus (Ef 2:10).
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 138
- Adoração verdadeira começa no coração – Não se trata de gestos exteriores, mas de entrega total.
- Deus ouve e fortalece quem clama – Mesmo que a resposta demore, ela vem, e renova a alma.
- Reis e poderosos também precisam do evangelho – A Palavra de Deus alcança todas as esferas.
- A humildade nos aproxima de Deus – Ele se deleita nos que reconhecem sua necessidade.
- O Senhor age em meio à aflição – Ele não apenas livra do mal, mas sustenta na dor.
- O que Deus começou, Ele vai completar – Nossa esperança está segura em Seu caráter fiel.
Conclusão
O Salmo 138 é um hino pessoal de louvor e confiança. Davi celebra o Deus que responde, sustenta e cumpre o que promete. Ele começa reconhecendo a grandeza do Senhor, passa pela experiência da oração e termina com a certeza de que Deus levará tudo a bom termo. Como cristão, eu sou desafiado a confiar, mesmo nas angústias, e a crer que a obra de Deus em mim não será interrompida. Como diz Romanos 8:28, “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” — inclusive as tribulações.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 473–481.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1479–1487.