O Salmo 147 é o segundo de uma sequência final conhecida como “Salmos de Aleluia”, que vai do Salmo 146 ao 150. Ele começa e termina com “Aleluia”, termo hebraico que significa “Louvem ao Senhor”. A estrutura do salmo é tripartida, com convites explícitos à adoração nos versículos 1, 7 e 12. Seu conteúdo mescla louvor pela criação, pela providência e, sobretudo, pelo cuidado especial de Deus com Jerusalém e com o seu povo.
O pano de fundo histórico mais aceito é o período pós-exílico. Após o retorno da Babilônia, os israelitas passaram por um processo de restauração espiritual, moral e física. Hernandes Dias Lopes sugere que este salmo foi composto por ocasião da dedicação dos muros reconstruídos de Jerusalém, como descrito em Neemias 12:27–43 (LOPES, 2022, p. 1580). O ambiente era de gratidão e celebração. Havia motivos para festejar: a cidade fora restaurada, os exilados haviam voltado, e a Palavra de Deus voltava a ser central.
Do ponto de vista teológico, o Salmo 147 celebra a providência divina e exalta a bondade de Deus em ações concretas: Ele cura, edifica, sustenta, governa a natureza, alimenta os animais e, acima de tudo, dá a sua Palavra ao seu povo. Como destaca Calvino, “o objetivo do salmista é conscientizar-nos de que, pelo poder de Deus, a Igreja permanece ou é restaurada” (CALVINO, 2009, p. 572).
1. Deus restaura e cura (Sl 147:1–6)
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“Aleluia! Como é bom cantar louvores ao nosso Deus! Como é agradável e próprio louvá-lo!” (v. 1)
O salmo começa com um convite entusiástico à adoração. O louvor é descrito como bom, agradável e apropriado. Louvar a Deus não é apenas um dever religioso, mas uma resposta natural à sua graça e poder.
O salmista apresenta Deus como o restaurador de Jerusalém e o consolador dos corações feridos. “O Senhor edifica Jerusalém; ele reúne os exilados de Israel” (v. 2). Este é um marco do retorno do cativeiro babilônico. Deus não apenas reconstrói muros, mas reagrupa pessoas.
No verso seguinte, lemos: “Só ele cura os de coração quebrantado e cuida das suas feridas” (v. 3). Esse versículo tem grande aplicação pessoal. Ao ler isso, eu me lembro de momentos em que precisei ser curado por dentro. Deus não é apenas arquiteto de cidades, mas médico de almas. Wiersbe comenta que “o Deus das galáxias também cura os corações partidos” (LOPES, 2022, p. 1582).
Em seguida, o salmista faz uma transição surpreendente: “Ele determina o número de estrelas e chama cada uma pelo nome” (v. 4). É como se dissesse: o mesmo Deus que se importa com os feridos também é o Criador imensurável do universo. Segundo Walton, algumas constelações, como Lira e Hidra, eram bem conhecidas no mundo antigo, e os povos mesopotâmicos até nomeavam estrelas em selos e tábuas (WALTON et al., 2018, p. 725). Ou seja, esse conhecimento não era apenas poético, mas também cultural.
Para mim, esse contraste é profundamente consolador. O Deus que batiza estrelas é o mesmo que se inclina para enxugar lágrimas.
O trecho se encerra com: “O Senhor sustém o oprimido, mas lança por terra o ímpio” (v. 6). Deus inverte os valores do mundo. Exalta os humildes, derruba os arrogantes. Como diz Spurgeon, “o Senhor reverte a ordem maligna das coisas” (LOPES, 2022, p. 1583).
2. Deus governa a natureza com sabedoria (Sl 147:7–11)
“Cantem ao Senhor com ações de graças; ao som da harpa façam música para o nosso Deus” (v. 7)
O segundo convite ao louvor vem com uma nova motivação: a providência divina na natureza. Deus cobre os céus de nuvens, envia chuva e faz brotar a relva nos montes (v. 8). Israel, sendo uma terra dependente da chuva, sabia que o sucesso da agricultura vinha diretamente de Deus.
Ao dizer que “Ele dá alimento aos animais, e aos filhotes dos corvos quando gritam de fome” (v. 9), o salmista usa um exemplo inesperado. Calvino afirma que “ao mencionar os corvos, as mais repulsivas de todas as aves, o salmista ensina que a bondade de Deus se estende a toda criação” (CALVINO, 2009, p. 578).
O verso 10 revela uma virada teológica importante: “Não é a força do cavalo que lhe dá satisfação, nem é a agilidade do homem que lhe agrada”. Em tempos de guerra e dominação, confiar em exércitos era comum. Mas Deus se agrada dos que o temem, não dos que se apoiam em sua força. Arival Dias Casimiro comenta que “os reis se gabam de seus exércitos, mas isso não impressiona a Deus” (LOPES, 2022, p. 1584).
Isso me faz refletir: em quem eu confio nos dias maus? No currículo? No dinheiro? Na força da juventude? Deus se agrada de quem o teme e espera na sua misericórdia (v. 11).
3. Deus protege e abençoa seu povo (Sl 147:12–14)
“Exalte ao Senhor, ó Jerusalém! Louve o seu Deus, ó Sião” (v. 12)
Neste terceiro chamado à adoração, o foco está nas bênçãos específicas que Deus concede ao seu povo. Ele reforça as trancas das portas (v. 13), abençoa os filhos (v. 13b), dá paz nas fronteiras e provê o melhor do trigo (v. 14). Aqui temos segurança, família, estabilidade política e prosperidade econômica — tudo como dádivas de Deus.
MacDonald identifica quatro bênçãos neste trecho: segurança civil, felicidade doméstica, tranquilidade nacional e prosperidade material (LOPES, 2022, p. 1585). Para mim, essas promessas apontam para um Deus que se importa com todas as áreas da vida — e não só com “coisas espirituais”.
O termo “melhor do trigo” me lembra o cuidado de Deus em prover não apenas o necessário, mas o melhor. Como em Mateus 6:26, Jesus reafirma: o Pai cuida dos pássaros e muito mais de nós.
4. Deus reina sobre os elementos da criação (Sl 147:15–18)
“Ele envia sua ordem à terra, e sua palavra corre veloz” (v. 15)
A criação obedece imediatamente à voz de Deus. Neve, geada, granizo e vento não são forças aleatórias da natureza, mas servem ao seu propósito (v. 16–18). Calvino comenta: “o curso da natureza é apenas o impulso de levar a bom termo as ordens de Deus” (CALVINO, 2009, p. 580).
O ciclo das estações, as mudanças climáticas, tudo obedece à ordem divina. Isso me lembra que nada está fora do controle do Senhor, nem mesmo as tempestades — literais ou figuradas. Em dias difíceis, lembrar disso fortalece minha fé.
5. Deus revela sua Palavra (Sl 147:19–20)
“Ele revela a sua palavra a Jacó, os seus decretos e ordenanças a Israel” (v. 19)
O salmo termina exaltando a maior dádiva: a Palavra de Deus. Ela não foi dada a todas as nações, mas revelada a Israel por pura graça (v. 20). Calvino reforça: “essa preeminência certamente nos conduz à eleição gratuita como a sua fonte” (CALVINO, 2009, p. 582).
Hoje, essa Palavra chegou até nós por meio de Cristo. Como diz Hebreus 1:1–2, Deus falou de muitas maneiras, mas agora nos fala por meio do Filho.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 147 não traga uma profecia messiânica explícita, há conexões importantes com o Novo Testamento. O Deus que reúne os exilados e cura os corações quebrados se revela plenamente em Jesus. Ele é o verdadeiro Médico (Lc 4:18), o sustentador da criação (Cl 1:16–17), e o Verbo que corre velozmente (Jo 1:1–3).
Além disso, a ideia de um povo escolhido que recebe a Palavra aponta para a Igreja, chamada de “nação santa” em 1 Pedro 2:9. Cristo é o cumprimento dessa eleição e da promessa da Palavra.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 147
- Jerusalém/Sião – Símbolo da comunidade de fé. Lugar da presença e bênção de Deus.
- Estrelas – Imagem do conhecimento e controle absoluto de Deus sobre o universo.
- Coração quebrantado – Símbolo do arrependimento e da dor emocional. Lugar onde Deus age com graça.
- Trigo e mel – Símbolos da provisão abundante e da bondade divina.
- Neve, gelo, geada – Elementos da natureza que mostram o domínio de Deus sobre o clima e a criação.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 147
- Deus se importa com os detalhes da nossa vida – Ele cura feridas, conta estrelas, envia chuva e alimenta animais. Nenhum detalhe escapa ao seu cuidado.
- A restauração vem do Senhor – Só Ele reconstrói o que foi arruinado. Em tempos de perda ou exílio, preciso lembrar que Ele restaura.
- Confiança não deve estar na força humana – Cavalos, músculos ou armas não impressionam a Deus. O que O agrada é o temor e a esperança no seu amor.
- A natureza é um sermão contínuo da glória de Deus – Cada estação, cada nuvem, cada raio de sol fala do Criador.
- A Palavra de Deus é um presente exclusivo e precioso – Não é um direito, mas um privilégio. Preciso valorizá-la e obedecê-la.
- A Igreja é o lugar da revelação e proteção divina – Assim como Jerusalém, somos guardados por Ele.
Conclusão
O Salmo 147 é um chamado ao louvor, mas não a um louvor vazio. É um cântico fundamentado em ações concretas de Deus: cura, restauração, sustento e revelação. Ele celebra não só a grandeza do Criador, mas a ternura do Pai. Como cristão, eu aprendo que o louvor verdadeiro nasce de um coração grato, que reconhece que tudo vem de Deus — da chuva ao trigo, da Palavra à salvação. Esse salmo me convida a olhar para cima, enxergar as estrelas, e lembrar: o mesmo Deus que nomeia galáxias sabe exatamente como curar meu coração.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 572–583.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1579–1587.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 725.