Tito 1 é um daqueles capítulos que me fazem refletir sobre o quanto o evangelho transforma não apenas a nossa vida pessoal, mas também o nosso caráter, as famílias e até as estruturas da igreja. Quando Paulo escreve para Tito, ele não está apenas dando orientações administrativas. Ele está, na verdade, mostrando que uma liderança saudável e uma vida cristã coerente são fundamentais para que a igreja brilhe em meio a uma sociedade corrompida.
Qual é o contexto histórico e teológico de Tito 1?
A carta a Tito foi escrita pelo apóstolo Paulo, provavelmente entre os anos 63 e 65 d.C., logo após sua libertação da primeira prisão em Roma. Tito, um dos colaboradores mais fiéis de Paulo, foi deixado na ilha de Creta para organizar as igrejas e estabelecer líderes maduros e confiáveis.
Creta era conhecida no mundo antigo por sua má fama. Até os próprios cretenses reconheciam isso. Havia um ditado popular que dizia: “Os cretenses são sempre mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos” (Tt 1.12). Essa fama se devia a práticas comuns na ilha, como engano, imoralidade e busca desmedida por prazeres. Historicamente, Creta também tinha uma forte presença judaica, o que favorecia o surgimento de ensinamentos legalistas e distorcidos dentro das comunidades cristãs.
William Hendriksen explica que, por trás das instruções de Paulo, está a preocupação pastoral com a santificação do povo de Deus em meio a um ambiente social e religioso tão corrompido (HENDRIKSEN, 2011). Já Craig Keener destaca que, para os romanos, as religiões do Oriente, como o cristianismo, eram vistas com desconfiança, especialmente se desrespeitassem os valores familiares e sociais tradicionais (KEENER, 2017). Por isso, Paulo orienta a igreja a viver de forma irrepreensível, tanto para agradar a Deus quanto para evitar oposição desnecessária.
Teologicamente, Tito 1 destaca a centralidade da sã doutrina e o impacto dela sobre o caráter e o comportamento dos cristãos. A fé verdadeira precisa produzir frutos visíveis de santidade e boas obras.
Como o texto de Tito 1 se desenvolve?
1. Saudação e autoridade apostólica (Tito 1.1-4)
O início da carta já revela muito da intenção de Paulo. Ele se apresenta como “servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos de Deus à fé e ao conhecimento da verdade que conduz à piedade” (Tt 1.1). Aqui, Paulo destaca três pontos fundamentais:
- Sua autoridade apostólica vem de Deus.
- O objetivo do ministério é conduzir as pessoas à fé verdadeira.
- A verdade revelada precisa produzir piedade, ou seja, uma vida santa.
Essa combinação entre doutrina e prática é reforçada ao longo de toda a carta. Paulo fala também da “esperança da vida eterna”, promessa feita por Deus “antes dos tempos eternos”, mas revelada no tempo certo pela pregação do evangelho (Tt 1.2-3).
Eu acho lindo como Paulo liga o chamado pessoal dele à grande história da redenção. Ele não se vê apenas como um líder local, mas como parte do plano eterno de Deus para salvar e transformar pessoas.
Tito, destinatário da carta, é chamado de “meu verdadeiro filho em nossa fé comum” (Tt 1.4). Isso mostra o vínculo de discipulado e amizade entre eles. A saudação finaliza com “graça e paz”, termos que expressam tanto o favor imerecido de Deus quanto a harmonia que Ele traz à vida do crente.
2. Organização da igreja e requisitos para líderes (Tito 1.5-9)
Paulo explica que deixou Tito em Creta para “pôr em ordem o que ainda faltava” e estabelecer presbíteros (ou bispos) em cada cidade (Tt 1.5). Isso mostra que, embora o evangelho já tivesse chegado à ilha, ainda era necessário consolidar as igrejas com liderança madura.
Os requisitos para os presbíteros são claros e exigentes:
- Ser irrepreensível, ou seja, ter uma vida pública e privada que não dê motivo para escândalo.
- Ser marido de uma só mulher, o que aponta para fidelidade conjugal.
- Ter filhos crentes e bem comportados, demonstrando liderança e respeito dentro do lar (Tt 1.6).
Além disso, o líder precisa ser:
- Não orgulhoso.
- Não briguento.
- Não apegado ao vinho.
- Não violento.
- Não ganancioso (Tt 1.7).
Por outro lado, deve ser:
- Hospitaleiro.
- Amigo do bem.
- Sensato.
- Justo.
- Consagrado.
- Dominado pelo autocontrole.
- Fiel à mensagem do evangelho e capaz de ensinar e refutar o erro (Tt 1.8-9).
Hendriksen destaca que esses requisitos mostram que liderança cristã não é questão de status ou talento, mas de caráter moldado pelo evangelho (HENDRIKSEN, 2011).
3. Combate aos falsos mestres (Tito 1.10-16)
O motivo para essa exigência com os líderes fica evidente nos versículos seguintes. Havia muitos falsos mestres, especialmente entre os “do grupo da circuncisão”, ou seja, judeus legalistas que corrompiam o evangelho (Tt 1.10).
Esses homens eram:
- Insubordinados.
- Faladores vazios.
- Enganadores.
- Motivados pela ganância (Tt 1.11).
Paulo é firme ao dizer que “eles devem ser silenciados”, pois estavam “arruinando famílias inteiras” com seus falsos ensinos. Essa destruição afetava tanto a vida espiritual quanto a estrutura familiar e social.
Paulo ainda cita um ditado conhecido da época: “Cretenses, sempre mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos” (Tt 1.12). Embora soe duro, esse ditado refletia a reputação da ilha. Hendriksen lembra que até escritores gregos, como Epimênedes, usaram essa expressão para descrever os cretenses (HENDRIKSEN, 2011).
A recomendação de Paulo é clara: “Repreenda-os severamente, para que sejam sadios na fé” (Tt 1.13). Ou seja, o objetivo não é simplesmente humilhar, mas corrigir e restaurar.
Os falsos mestres estavam promovendo:
- Lendas judaicas.
- Mandamentos de homens.
- Legalismo vazio.
- Corrupção moral (Tt 1.14-15).
Paulo conclui afirmando que eles “afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam”. São “detestáveis, desobedientes e desqualificados para qualquer boa obra” (Tt 1.16).
Eu fico pensando como essa realidade ainda se repete. Não basta professar fé com os lábios; é o comportamento, as atitudes diárias e o caráter que comprovam se alguém realmente conhece a Deus.
Que conexões proféticas encontramos em Tito 1?
Embora o texto tenha um tom pastoral e muito prático, ele ecoa várias promessas e verdades proféticas das Escrituras.
Primeiro, Paulo menciona que a vida eterna foi prometida “antes dos tempos eternos” (Tt 1.2). Isso nos remete ao plano redentor de Deus desde antes da fundação do mundo, como lemos em Efésios 1.4-5.
Além disso, o chamado para ser um “povo todo seu” (Tt 2.14, relacionado ao capítulo seguinte) lembra a promessa feita a Israel em Êxodo 19.5-6, de ser uma nação santa e separada para Deus. Agora, essa promessa se estende à igreja.
A referência ao conhecimento da verdade que conduz à piedade também se conecta ao propósito de Deus revelado nas Escrituras: que o Seu povo não apenas conheça, mas viva de forma santa e irrepreensível, como está em Levítico 11.44.
Por fim, o alerta contra falsos mestres e enganadores reflete as advertências de Jesus em Mateus 7.15-20, mostrando que, desde o início, a igreja precisaria discernir e confrontar o erro.
O que Tito 1 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo fala diretamente ao meu coração e, acredito, ao seu também. Ele me mostra que o evangelho não é apenas uma mensagem bonita, mas uma verdade que transforma o caráter e estrutura a vida da igreja.
Eu aprendo que:
- O evangelho precisa ser vivido com coerência. Conhecimento sem piedade é vazio.
- A liderança na igreja deve ser baseada em caráter, não em carisma ou status.
- A família é um termômetro importante da maturidade cristã.
- Falsos ensinos são perigosos e precisam ser confrontados com firmeza e amor.
- O testemunho pessoal tem impacto na igreja e na sociedade.
- Deus nos chamou para viver com pureza, integridade e zelo pela verdade.
Além disso, vejo que, em um mundo onde o engano e a corrupção são comuns, assim como em Creta, nossa vida precisa ser um contraste que glorifica a Deus.
Como Paulo, eu também quero me apegar à “mensagem fiel”, não apenas para encorajar outros, mas para me manter firme e proteger meu coração das mentiras e dos atalhos fáceis.
Tito 1 me lembra que santidade, liderança saudável e fidelidade ao evangelho andam juntos. Quando a igreja vive dessa forma, ela impacta o mundo e reflete a graça de Deus.
Referências
- HENDRIKSEN, William. 1 e 2 Timóteo e Tito. Tradução: Valter Graciano Martins. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

Sou Diego Nascimento e o Jesus e a Bíblia não é apenas um projeto, é um chamado. Deus deu essa missão a mim e a Carol (esposa) por meio do Espírito Santo. Amamos a Palavra de Deus e acreditamos que ela pode mudar a sua vida, assim como mudou a nossa.