Ezequiel 35 me ensina que Deus não ignora o orgulho nem a crueldade daqueles que se levantam contra o seu povo. Mesmo quando Israel parecia derrotado e abandonado, o Senhor via tudo e guardava cada palavra, cada gesto, cada intenção. Esse capítulo me mostra que a justiça de Deus não falha e que Ele é o verdadeiro dono da história — inclusive da terra.
Qual é o contexto histórico e teológico de Ezequiel 35?
O capítulo 35 se insere no período do exílio babilônico, especificamente depois da queda de Jerusalém em 586 a.C. Ezequiel, já no meio dos exilados, recebe uma palavra contra Edom — uma nação vizinha e historicamente inimiga de Israel.
O oráculo se dirige ao monte Seir (versículo 2), uma referência geográfica e simbólica a Edom, região montanhosa ao sul do Mar Morto. Segundo Deuteronômio 2.12, os horeus habitavam Seir antes dos edomitas, descendentes de Esaú, tomarem posse do lugar. Os profetas viam Edom como símbolo de inimizade contra o povo de Deus, não apenas por rivalidade territorial, mas por um desprezo profundo pela aliança divina com Israel.
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De acordo com Walton, Matthews e Chavalas (2018), os edomitas se alegraram com a destruição de Jerusalém e, embora esse seja o único texto que sugira uma participação ativa, outras passagens como Obadias 1.10-14 e Salmos 137.7 apontam para sua atitude hostil. Para os judeus exilados, isso não foi esquecido.
Block (2012) mostra que Ezequiel 35 não é um oráculo isolado, mas parte de um díptico literário (35.1–36.15). Primeiro, Deus julga Edom por sua arrogância e violência. Em seguida, promete restaurar os montes de Israel. A restauração da terra começa, simbolicamente, com a remoção dos inimigos.
Esse contexto é importante: Ezequiel 35 não trata apenas de vingança divina, mas da fidelidade de Deus em restaurar o que parecia perdido — começando pelo fim do orgulho alheio.
Como o texto de Ezequiel 35 se desenvolve?
1. O julgamento contra o monte Seir (Ezequiel 35.1–4)
O texto começa com uma declaração contundente: “Estou contra você, monte Seir” (v. 3). A linguagem é direta, pessoal e cheia de tensão. Yahweh declara que vai transformar aquele território em deserto arrasado.
A raiz šmm, traduzida como “desolação”, aparece dez vezes no capítulo, reforçando o tom de devastação. Como aponta Block (2012), essa repetição constrói uma imagem literária poderosa: o lugar que se alegrou com a ruína de Israel, agora provará da mesma ruína.
A acusação é clara: Edom zombou da queda de Judá. Mas o erro mais grave foi não reconhecer que Deus ainda estava ali (v. 10). Ao ignorar a presença de Yahweh, os edomitas zombaram do próprio Senhor da terra.
2. A velha inimizade e a participação na tragédia (Ezequiel 35.5–9)
O segundo trecho expõe a motivação do juízo: “Você guardou uma velha hostilidade” (v. 5). A expressão remete à rivalidade entre Esaú e Jacó, iniciada já no ventre de Rebeca (Gênesis 25.22-23). Com o passar dos séculos, essa tensão virou ódio nacional.
Ezequiel acusa Edom de entregar os israelitas à espada “na hora da desgraça”. Mesmo que não haja registro detalhado da participação edomita na invasão babilônica, o profeta vê esse gesto como traição — como se Caim repetisse seu crime contra Abel.
A resposta divina é dura: “O espírito sanguinário o perseguirá” (v. 6). Não é apenas vingança. É justiça proporcional. Quem não detestou o sangue, será perseguido por ele.
Block observa que há uma inversão clara das maldições proferidas contra Israel no capítulo 6. Agora, são lançadas contra Edom. O monte Seir será cheio de cadáveres. Suas cidades ficarão em ruínas, sem ninguém para transitar. É a mesma imagem que Edom celebrou em relação a Judá.
3. A cobiça pelas terras de Israel (Ezequiel 35.10–12a)
No terceiro trecho, Deus responde diretamente à arrogância edomita: “Estas duas nações e povos serão nossos” (v. 10). Edom olhava para Judá e Israel como presas fáceis. As terras devastadas pareciam prontas para serem anexadas.
Mas Ezequiel revela o erro teológico dessa ambição: “sendo que eu, o Senhor, estava ali”. A terra não estava vazia espiritualmente. Yahweh não havia abandonado sua herança. Tomar posse dela era, na verdade, se levantar contra o verdadeiro dono.
Block ressalta que a frase “eu me farei conhecido entre eles” (v. 11) indica que o julgamento de Edom servirá como revelação da glória de Deus — não apenas para Israel, mas para os próprios edomitas.
4. A afronta contra os montes de Israel (Ezequiel 35.12b–15)
A última seção retoma a acusação, agora com ênfase na linguagem: “Você falou contra mim sem se conter, e eu o ouvi” (v. 13). Isso me impressiona profundamente. Às vezes pensamos que Deus ignora as palavras dos ímpios. Mas Ele ouve. Cada insulto. Cada zombaria. Cada expressão de desprezo contra seu povo.
O versículo 14 aponta o contraste: “Enquanto a terra toda se regozija, eu o arrasarei”. Edom se alegrou com a queda de Israel. Agora, o mundo se alegrará com a queda de Edom. A justiça de Deus é exata.
O último versículo revela o princípio teológico: “Como você se regozijou quando a herança da nação de Israel foi arrasada, é assim que eu a tratarei” (v. 15). A palavra herança aqui é naḥalâ, termo usado para descrever a terra prometida como feudo divino confiado a Israel. Edom não tinha direito sobre ela.
Block (2012) explica que essa palavra carrega a ideia de uma concessão dada por um rei ao seu vassalo, com base em fidelidade. Deus não abandonou sua terra. Ele apenas a esvaziou por um tempo. E qualquer nação que tentar tomá-la por força será tratada como inimiga do próprio Yahweh.
Como Ezequiel 35 se cumpre no Novo Testamento?
Embora o capítulo não contenha uma profecia messiânica explícita, ele aponta para princípios que se cumprem plenamente em Jesus. Primeiro, a soberania de Deus sobre a terra, os povos e a história é reafirmada ao longo de todo o Novo Testamento.
Em Atos 17.26, Paulo declara que Deus “determinou os tempos previamente estabelecidos e os lugares exatos onde cada povo deve habitar”. Ou seja, a terra pertence a Ele, e é Ele quem distribui as heranças.
A figura de Edom também é usada simbolicamente em Romanos 9.13, quando Paulo cita Malaquias: “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú”. A escolha de Israel não foi por mérito, mas por graça soberana. E o juízo contra Edom se torna um lembrete de que resistir à vontade de Deus traz consequências.
Além disso, Jesus inverte o espírito de ódio e revanche com sua mensagem de perdão e reconciliação. Onde Edom odiava e celebrava a queda, Cristo chama à compaixão, até pelos inimigos (Mateus 5.43-45).
O que Ezequiel 35 me ensina para a vida hoje?
Ao ler Ezequiel 35, sou lembrado de que Deus vê tudo. Ele ouve o que é dito contra mim, mas também o que eu digo contra os outros. A arrogância, o orgulho e o prazer na queda alheia são profundamente ofensivos ao Senhor.
Aprendo que não posso me alegrar com a derrota de ninguém. A justiça pertence a Deus. Quando alguém cai, por mais que mereça, minha postura deve ser de temor, não de escárnio.
Esse texto também me ensina que Deus não abandonou o seu povo. Mesmo quando parece que tudo foi perdido, Ele continua sendo o dono da terra, da promessa e do futuro. O silêncio de Deus não é ausência. É preparo para o agir.
Além disso, vejo que a justiça divina não é apenas restaurativa, mas pedagógica. Deus julga Edom para mostrar a todos que Ele é Senhor — não só de Israel, mas de todas as nações. Isso me lembra que nenhuma injustiça passará despercebida.
Por fim, sou convidado a confiar na soberania de Deus. Ele governa sobre reis, fronteiras e nações. Mas também governa sobre minha vida. Quando passo por humilhações, perseguições ou injustiças, posso descansar sabendo que Ele ouve, vê e agirá — no tempo certo, da maneira certa.
Referências
- BLOCK, Daniel I. O livro de Ezequiel. Tradução: Déborah Agria Melo da Silva et al. 1. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.