Ezequiel 10 me mostra que a glória de Deus se move antes do juízo. Antes que Jerusalém fosse destruída, a glória do Senhor saiu do templo, revelando que a presença de Deus não pode habitar onde reina o pecado. A visão é intensa, cheia de imagens sobrenaturais, mas também profundamente reveladora: Deus não é ausente, Ele é justo — e quando parte, é porque seu povo o rejeitou primeiro.
Qual é o contexto histórico e teológico de Ezequiel 10?
Ezequiel 10 se passa no mesmo cenário do capítulo anterior: a Babilônia, durante o exílio do povo de Judá. O ano é cerca de 592 a.C., pouco tempo depois da primeira visão de Ezequiel à beira do rio Quebar. Ele vive entre os exilados, levado com o rei Joaquim em 597 a.C., e recebe essa revelação enquanto Jerusalém ainda está de pé, mas próxima da destruição definitiva.
Historicamente, o povo judeu estava dividido. Muitos ainda acreditavam que Deus jamais permitiria a destruição de Jerusalém e do templo. A presença de Deus era vista como algo fixo, quase imóvel, e o templo como garantia da proteção divina. Mas essa teologia seria radicalmente desafiada.
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Daniel I. Block observa que Ezequiel 10 é parte de uma narrativa mais ampla que começa no capítulo 8, onde o profeta é transportado em espírito para Jerusalém e vê as abominações sendo praticadas dentro do templo (BLOCK, 2012, p. 301). Agora, ele testemunha o que acontece quando a glória de Deus não encontra mais espaço ali: ela parte.
Segundo Walton, Matthews e Chavalas, o capítulo apresenta uma sobreposição de imagens que misturam julgamento e presença divina: o trono, as brasas, os querubins e as rodas não são apenas símbolos — são veículos do juízo divino que vai se cumprir (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 903).
Como o texto de Ezequiel 10 se desenvolve?
1. O que representa o trono de safira? (Ezequiel 10.1)
Ezequiel volta a ver a plataforma com a figura semelhante a um trono de safira sobre os querubins, retomando a imagem de Ezequiel 1.26. O trono é sinal da soberania de Deus. Aqui, a palavra safira refere-se ao lápis-lazúli, uma pedra azul profunda, muito valorizada na Antiguidade como símbolo de divindade e realeza.
Essa imagem reafirma que Deus ainda reina — mesmo quando sua glória se afasta do templo. Ele não está sendo derrotado. Ele está agindo.
2. Por que o homem de linho recolhe brasas? (Ezequiel 10.2–8)
O homem vestido de linho, já conhecido do capítulo 9, é instruído a recolher brasas vivas do meio dos querubins e espalhá-las sobre Jerusalém. Block observa que essas brasas não são para purificação, mas para julgamento. O mesmo fogo que representa a presença divina agora trará destruição (BLOCK, 2012, p. 304).
O querubim pega o fogo e o entrega ao homem. A presença de mãos humanas sob as asas mostra que esses seres têm função ativa, como “braços de Deus” na execução de seu plano.
O fato de que a nuvem enche o pátio (v. 3) lembra a glória que encheu o templo na inauguração por Salomão (1 Reis 8.10–11). Mas agora, a mesma glória que entrou com festa sairá com tristeza.
3. Qual é o significado da partida da glória? (Ezequiel 10.4–5, 18–19)
A glória de Deus — kabod — levanta-se de cima dos querubins e vai até a entrada do templo (v. 4), e depois até o portão leste (v. 19). Isso representa sua retirada gradual do local que simbolizava sua presença entre o povo.
Segundo Block, essa saída acontece em fases e carrega um peso teológico profundo: o templo, profanado pela idolatria, não pode mais manter a presença de Deus (BLOCK, 2012, p. 311). Quando o Senhor sai, é porque já não é bem-vindo.
Essa partida ecoa um alerta para mim também: quando escolhemos o pecado em vez da santidade, podemos continuar com a “estrutura” da fé, mas a presença real de Deus já pode ter partido.
4. Como são as rodas e os querubins? (Ezequiel 10.9–17)
Ezequiel vê quatro rodas, uma junto a cada querubim, com aparência de berilo — uma pedra preciosa translúcida. Cada roda tem o formato de roda dentro de roda e está cheia de olhos.
Essas imagens reaparecem do capítulo 1, mas agora com mais clareza. Os seres que antes Ezequiel chamou de criaturas vivas (ḥayyôt) agora são identificados como querubins. Isso mostra o crescimento do entendimento espiritual do profeta.
Walton e sua equipe explicam que as rodas cheias de olhos remetem à vigilância total de Deus — nada passa despercebido (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 903). O Espírito de Deus está nessas rodas, movendo-se com liberdade e poder. A direção delas revela que Deus se desloca para julgar, mas também está pronto para intervir em qualquer lugar da criação.
O versículo 14 apresenta uma mudança significativa. Em vez do boi, o primeiro rosto agora é de um querubim. Uma tradição rabínica, citada por Block, sugere que o boi foi removido por estar associado ao pecado do bezerro de ouro (BLOCK, 2012, p. 308). A substituição por “querubim” realça a santidade dos portadores do trono.
5. Como se encerra a partida da glória? (Ezequiel 10.18–22)
A glória de Deus se move da entrada do templo e repousa sobre os querubins (v. 18). Depois, eles levantam voo com as rodas e se posicionam no portão leste (v. 19). Ezequiel confirma que são os mesmos seres que viu no rio Quebar. Agora ele entende: o trono de Deus veio para levar sua glória embora.
A presença do Senhor está deixando o templo. Isso marca o fim de um relacionamento de séculos com Jerusalém. O bêt-Yahweh, a casa de Deus, já não é mais sua morada. Block destaca que o uso desse termo no v. 19 é significativo: o templo volta a ser chamado de “casa de Yahweh” no momento de sua despedida (BLOCK, 2012, p. 312).
Essa cena é profundamente triste. O abandono do templo por Yahweh é a consequência do abandono anterior de Israel ao seu Deus.
Como Ezequiel 10 se cumpre no Novo Testamento?
O abandono do templo em Ezequiel 10 prepara o caminho para algo novo. No Novo Testamento, a presença de Deus não está mais limitada ao templo físico, mas é transferida para o corpo de Cristo e para sua Igreja.
Jesus anunciou que o templo seria destruído e que Ele o reconstruiria em três dias — referindo-se ao seu corpo (João 2.19–21). Em outras palavras, Ele é o novo lugar de encontro entre Deus e os homens.
Além disso, o Espírito Santo é derramado sobre os crentes, tornando-os templos vivos de Deus (1 Coríntios 6.19). A glória que uma vez habitou o Santo dos Santos agora habita em mim.
Em Apocalipse 21, João vê uma nova Jerusalém, e declara: “Não vi templo algum na cidade, pois o Senhor Deus Todo-poderoso e o Cordeiro são o seu templo”. O fim da presença de Deus no templo de Jerusalém não é o fim da sua presença entre nós — é o começo de algo maior.
O que Ezequiel 10 me ensina para a vida hoje?
Ao ler Ezequiel 10, eu aprendo que a presença de Deus não pode habitar onde há idolatria. A glória de Deus não é um troféu que posso guardar em minha “vitrine religiosa”, mas uma presença santa que exige obediência.
Também percebo que Deus avisa antes de julgar. A saída gradual da glória do templo mostra paciência. Deus dá tempo ao arrependimento. Mas quando o coração do povo se endurece, Ele parte — não porque perdeu o controle, mas porque foi rejeitado.
O Espírito que move as rodas e os querubins continua atuando hoje. Ele não está preso a estruturas. Ele guia, consola, exorta. Quando estou sensível à sua presença, percebo para onde Ele está me levando.
Por fim, esse capítulo me leva a perguntar: estou vivendo como um templo onde a glória de Deus habita? Ou mantenho as aparências enquanto a presença já se retirou?
Que eu nunca me acostume com um culto sem glória. Que eu não aceite uma vida sem a presença de Deus. Se a glória partir, tudo perde o sentido.
Referências
- BLOCK, Daniel I. O livro de Ezequiel. Tradução: Déborah Agria Melo da Silva et al. 1. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.