O Salmo 146 inaugura a última sequência do Saltério, composta pelos salmos 146 a 150, conhecidos como os “Salmos de Aleluia”. Cada um deles começa e termina com a expressão hebraica Hallelu-Yah, traduzida como Aleluia ou Louvai ao Senhor. A tradição judaica associa esse grupo de salmos ao louvor pleno e final, como uma resposta da alma ao caráter redentor e soberano de Deus.
Embora o salmo não mencione seu autor, versões antigas, como a Septuaginta e a Vulgata, atribuem sua autoria a Ageu e Zacarias, profetas do período pós-exílio. Se isso for correto, o cenário histórico é o retorno de Judá da Babilônia e a reconstrução do templo em Jerusalém (Ed 1–6). Nesse contexto, o salmo serviria como um chamado à confiança em Deus, e não nos poderes políticos da época.
Teologicamente, o salmo contrasta fortemente a fragilidade humana com a fidelidade eterna de Deus. Ele reforça que o Senhor é digno de confiança porque é Criador, Sustentador e Juiz justo. Como destaca Hernandes Dias Lopes, “o salmo apresenta o evangelho da confiança” (LOPES, 2022, p. 1571), chamando o povo a depender exclusivamente do Deus de Jacó.
João Calvino também observa a profundidade dessa confiança, afirmando que “as esperanças dos homens são estáveis e bem fundadas somente quando repousam inteiramente em Deus” (CALVINO, 2009, p. 567).
1. Convocação pessoal ao louvor (Salmo 146.1–2)
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“Aleluia! Louve, ó minha alma ao Senhor. Louvarei ao Senhor por toda a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus enquanto eu viver” (vv. 1–2)
O salmo começa com uma exortação pessoal. O salmista não apenas convoca outros a louvar, mas chama sua própria alma ao louvor. É uma adoração que nasce do íntimo, não de um formalismo religioso. Como Calvino aponta, “ao empregar o título alma, ele fala mais enfaticamente a seu próprio íntimo” (CALVINO, 2009, p. 565).
Essa prática de conversar com a própria alma aparece em outros salmos, como no Salmo 103, onde lemos: “Bendiga o Senhor a minha alma!”.
O louvor aqui não é passageiro, mas um compromisso vitalício: “enquanto eu viver”. Ao refletir nesse trecho, percebo que Deus não quer apenas momentos esporádicos de adoração, mas um estilo de vida que O glorifique em toda estação da vida, seja de alegria ou dor.
2. Advertência contra a falsa confiança (Salmo 146.3–4)
“Não confiem em príncipes, em meros mortais, incapazes de salvar. Quando o espírito deles se vai, voltam ao pó; naquele mesmo dia acabam-se os seus planos” (vv. 3–4)
O salmista agora faz uma advertência clara: não devemos colocar nossa confiança em líderes humanos. Os príncipes, por mais poderosos que pareçam, são finitos e impotentes diante da morte. A crítica aqui não é ao governo civil em si, mas à tendência humana de buscar segurança onde ela não pode ser garantida.
Como Calvino afirma, “aqueles que depositam sua confiança nos homens passam a depender de um fôlego passageiro” (CALVINO, 2009, p. 566). Hernandes Dias Lopes acrescenta: “confiar nos homens é como edificar uma casa sobre um montão de pó” (LOPES, 2022, p. 1572).
Eu aprendo aqui que, por mais que líderes e governos sejam importantes, minha esperança não pode repousar neles. Nenhum deles é capaz de salvar a alma ou garantir segurança eterna.
3. A verdadeira felicidade no Deus de Jacó (Salmo 146.5–6)
“Como é feliz aquele cujo auxílio é o Deus de Jacó, cuja esperança está no Senhor, no seu Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e que mantém a sua fidelidade para sempre!” (vv. 5–6)
Aqui está o coração do salmo. O salmista declara que feliz é aquele que tem Deus como auxílio. Esse Deus é identificado como o Deus de Jacó, título da aliança. Isso evoca o Deus que guia, transforma e sustenta seu povo, mesmo com suas fraquezas.
Calvino nota que esse título distingue o Senhor dos falsos deuses, pois “é somente por uma fé inabalável na adoção que qualquer um de nós pode descansar em Deus” (CALVINO, 2009, p. 567).
O salmista também ressalta dois atributos divinos: poder criador e fidelidade permanente. Esse Deus que criou tudo do nada é o mesmo que sustenta aqueles que confiam Nele. Não há crise que O limite, nem tempo que O envelheça.
Esse trecho me lembra que minha felicidade não está em circunstâncias, mas em quem Deus é: Criador, fiel e próximo. Como também se vê em Filipenses 4:19, Ele “suprirá todas as nossas necessidades”.
4. O Deus que age a favor dos necessitados (Salmo 146.7–9)
“Ele defende a causa dos oprimidos e dá alimento aos famintos. O Senhor liberta os presos, dá vista aos cegos, levanta os abatidos, ama os justos, protege o estrangeiro, sustém o órfão e a viúva, mas frustra o propósito dos ímpios” (vv. 7–9)
Aqui temos uma das passagens mais poderosas sobre o caráter de Deus no Antigo Testamento. O salmista descreve sete ações divinas em favor dos necessitados:
- Defende os oprimidos
- Alimenta os famintos
- Liberta os presos
- Dá vista aos cegos
- Levanta os abatidos
- Guarda estrangeiros, órfãos e viúvas
- Frustra os planos dos ímpios
Hernandes Dias Lopes explica que essas ações são marcas do Deus de misericórdia. Ele diz: “o Senhor é o provedor daqueles que são vitimados pelo luto” (LOPES, 2022, p. 1575).
O versículo 8 é especialmente tocante: “O Senhor ama os justos”. Deus não é indiferente à integridade. Ele ama aqueles que O seguem com sinceridade. Isso me lembra que a justiça, mesmo em um mundo corrupto, ainda tem valor aos olhos de Deus.
Já o versículo 9 mostra a justiça divina: “frustra o propósito dos ímpios”. Não importa quão bem arquitetados sejam seus planos, Deus os anula.
Esses versículos me ensinam que Deus vê. Ele age em favor dos invisíveis da sociedade. Ele cuida de mim nos meus momentos de opressão, fraqueza e solidão. Seu reino é para os quebrantados.
5. Um reinado eterno e seguro (Salmo 146.10)
“O Senhor reina para sempre! O teu Deus, ó Sião, reina de geração em geração. Aleluia!” (v. 10)
O salmo termina com uma nota triunfante: Deus reina eternamente. Os príncipes morrem, os impérios caem, mas o Senhor permanece. Como afirma Hernandes Dias Lopes, “Ele jamais abdica do trono, jamais morre e jamais é substituído por um sucessor” (LOPES, 2022, p. 1576).
Sião aqui representa o povo de Deus. Ele reina sobre nós, não com tirania, mas com fidelidade e justiça. Essa verdade me dá segurança: pertenço ao reino de um Rei que não falha.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 146 não contenha profecias explícitas sobre o Messias, ele aponta claramente para Jesus Cristo. As ações atribuídas a Deus no salmo — libertar, curar, alimentar — são as mesmas que marcaram o ministério de Jesus.
No evangelho de Lucas 4:18–19, Jesus cita Isaías 61: “O Espírito do Senhor está sobre mim… enviou-me para proclamar libertação aos presos, dar vista aos cegos, libertar os oprimidos”. Ou seja, Jesus encarna o Deus do Salmo 146.
Ele é o Rei eterno, que veio para os fracos, marginalizados e pecadores. Como também afirma João 8:36: “Se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres”.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 146
- Aleluia – Convocação universal ao louvor. Marca o início e o fim do salmo.
- Deus de Jacó – Nome da aliança. Evoca o cuidado pessoal e a fidelidade histórica de Deus com Israel.
- Príncipes – Símbolo da falsa segurança humana.
- Cegos, abatidos, órfãos, viúvas – Representam os necessitados que Deus socorre.
- Sião – Representa o povo de Deus, lugar de Sua presença.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 146
- Adoração começa com a alma – Não adianta cantar se o coração está distante. Eu preciso louvar a Deus com sinceridade e inteireza.
- Falsa confiança é idolatria disfarçada – Confiar em líderes, dinheiro ou posição é construir sobre areia. Só o Senhor é rocha.
- Felicidade vem da dependência de Deus – Quando eu reconheço que minha ajuda está no Deus de Jacó, experimento verdadeira paz.
- Deus age onde ninguém vê – Ele socorre os oprimidos, alimenta os famintos, cura os cegos e guarda os esquecidos.
- Jesus é o cumprimento de todas essas promessas – O que Deus fez no passado e promete fazer, Ele realizou em Cristo.
- O reinado de Deus é eterno – Nada O destrona. Ele continua governando e cuidando do Seu povo em cada geração.
Conclusão
O Salmo 146 é uma bela confissão de fé num mundo onde tudo parece incerto. Ele nos convida a tirar os olhos dos homens e voltar o coração para o Deus eterno, fiel e cheio de compaixão. Ao ler este salmo, eu sou lembrado de que meu socorro não vem da política, nem da estabilidade econômica, nem mesmo das minhas forças, mas do Senhor que fez os céus e a terra.
Ele reina hoje e para sempre, e em Cristo, Ele continua libertando, curando e restaurando. Louvar ao Senhor é mais do que cantar: é confiar.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 564–571.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1569–1577.