O Salmo 96 pertence ao grupo de cânticos entronizantes, ou seja, salmos que proclamam a soberania de Deus sobre toda a criação. Ele aparece quase integralmente em 1 Crônicas 16:23–33, dentro do contexto da celebração da arca do Senhor sendo levada por Davi ao tabernáculo em Jerusalém.
Isso nos dá uma forte pista sobre sua origem: foi provavelmente composto para essa ocasião festiva, ainda que adaptado posteriormente para o uso litúrgico no templo.
O pano de fundo do salmo é a convicção de que Deus é o Rei não apenas de Israel, mas de todas as nações. Isso é revolucionário se considerarmos o contexto do Antigo Testamento, em que o culto era centralizado em Jerusalém e os outros povos adoravam deuses falsos. Contudo, o salmista antevê um tempo em que o nome de Deus será conhecido em toda a terra — uma profecia que se cumpre com a vinda do Messias.
Segundo Hernandes Dias Lopes, “todo o teor do salmo aponta para o reinado final do Senhor como Rei e Juiz” (LOPES, 2022, p. 1035). Já João Calvino comenta que “o salmista está exortando o mundo inteiro, e não apenas os israelitas, ao exercício da devoção” (CALVINO, 2009, p. 536). Ou seja, mesmo antes da vinda de Cristo, já havia no coração dos salmistas uma esperança escatológica e missionária.
Este salmo mostra que a adoração verdadeira sempre esteve ligada à proclamação, à justiça e ao reconhecimento universal do senhorio de Deus.
1. O cântico missionário ao grande Deus (Sl 96:1–6)
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“Cantem ao Senhor um novo cântico; cantem ao Senhor, todos os habitantes da terra!” (v. 1)
A primeira parte do salmo é um convite expansivo ao louvor. A ordem é clara: todos devem cantar, e o cântico deve ser novo. Como Calvino observa, esse “novo cântico” aponta para uma “exibição inusitada e extraordinária da bondade divina” (CALVINO, 2009, p. 536). Eu entendo aqui uma antecipação do evangelho, pois só com Cristo a salvação se tornou global.
Nos versículos seguintes, o salmista repete a ordem: cantar, bendizer o nome do Senhor, proclamar a sua salvação. A repetição dá ritmo ao salmo e intensifica a urgência do chamado. Hernandes Dias Lopes destaca que “o cântico novo é uma resposta que será à altura do frescor das misericórdias, que são novas cada manhã” (LOPES, 2022, p. 1036). Ao cantar, nós testemunhamos. Cada nota, cada palavra, carrega a glória de Deus aos ouvidos do mundo.
No versículo 3, o louvor se torna proclamação: “Anunciem a sua glória entre as nações, seus feitos maravilhosos entre todos os povos!”. Aqui está o tom missionário do salmo. Como cristão, eu entendo que o louvor que Deus deseja não é passivo, mas ativo — uma adoração que evangeliza.
O contraste aparece nos versículos 4 e 5: “Porque o Senhor é grande e digno de todo louvor, mais temível do que todos os deuses!”. Os ídolos não são nada; apenas o Senhor criou os céus. Calvino explica que os deuses das nações são “vaidades, vacuidade, e não passam de ilusão grosseira” (CALVINO, 2009, p. 538). Esse contraste entre o Criador e os ídolos ainda fala alto nos nossos dias, quando tantos se curvam diante de riquezas, poder e fama.
O versículo 6 resume tudo: “Majestade e esplendor estão diante dele, poder e dignidade, no seu santuário”. Deus é glorioso em essência. Não depende de adereços externos. Seu santuário manifesta tanto força quanto formosura, e ambas estão perfeitamente equilibradas (LOPES, 2022, p. 1038).
2. O tributo reverente ao santo Deus (Sl 96:7–9)
“Dêem ao Senhor, ó famílias das nações, dêem ao Senhor glória e força” (v. 7)
O salmista repete o verbo “dar”, não porque Deus precise de algo, mas porque o homem precisa reconhecer a glória que é devida ao Criador. Como diz Calvino, “ele convoca as nações gentílicas… para que rendam a Deus o mesmo culto que os judeus prestavam” (CALVINO, 2009, p. 542). É um chamado à conversão global.
No versículo 8, vemos a concretização desse tributo: “tragam ofertas e entrem nos seus átrios”. O gesto de entrar no templo com ofertas aponta para reverência e reconhecimento. Allan Harman, citado por Lopes, lembra que “hoje Deus requer a oferenda do nosso corpo como sacrifício vivo” (LOPES, 2022, p. 1039; cf. Rm 12:1).
O ápice é o versículo 9: “Adorem ao Senhor no esplendor da sua santidade; tremam diante dele todos os habitantes da terra”. A santidade de Deus desperta temor reverente. Segundo Calvino, “devemos prostrar-nos diante dele como humildes suplicantes sempre que atentarmos para sua majestade” (CALVINO, 2009, p. 544). Como cristão, eu me lembro aqui que a adoração não é espetáculo, mas encontro com o Deus santo, que exige reverência.
3. O reinado poderoso do Deus Criador e Juiz (Sl 96:10–13)
“Digam entre as nações: ‘O Senhor reina!’” (v. 10)
A terceira seção do salmo celebra o reinado do Senhor. Ele não é apenas digno de louvor, Ele reina. Calvino explica que isso “implica que somente onde Deus governa é que pode ser adorado” (CALVINO, 2009, p. 545). Seu governo é firme e justo, e sua justiça é o alicerce de sua autoridade.
Os versículos 11 e 12 são poéticos e hiperbólicos: “Regozijem-se os céus e exulte a terra!” A criação inteira entra em cena para louvar. Como Paulo ensina, “a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus” (Romanos 8:19). A linguagem de celebração cósmica antecipa o tempo em que toda a criação será renovada.
O versículo final traz uma profecia clara: “Cantem diante do Senhor, porque ele vem… julgará o mundo com justiça e os povos, com a sua fidelidade!”. É a segunda vinda de Cristo, o justo Juiz (cf. Mateus 25:31–46; Atos 17:31). Hernandes Dias Lopes afirma que “essa doutrina é o pináculo da esperança do povo de Deus” (LOPES, 2022, p. 1042).
Cumprimento das profecias
O Salmo 96 antecipa várias verdades que se cumprem no Novo Testamento:
- A universalização do culto – O chamado às nações se realiza em Jesus, que envia os discípulos a pregar a todos os povos (Mateus 28:18–20).
- A encarnação do Rei – O Senhor que reina é Jesus, o Verbo que se fez carne (João 1:14).
- A segunda vinda – O versículo 13 aponta claramente para a volta de Cristo como Juiz. Apocalipse ecoa isso: “Ele vem com as nuvens, e todo olho o verá” (Apocalipse 1:7).
Significado dos nomes e simbolismos
- Novo cântico – Expressão de um novo ato redentor. Simboliza o evangelho que se manifesta com poder no mundo.
- Senhor (YHWH) – Nome da aliança, usado de forma reiterada para mostrar que é o Deus de Israel quem reina sobre as nações.
- Ídolos (elilim) – Palavra hebraica usada com desprezo, significando “nada”, “vazio”, “sem valor” (CALVINO, 2009, p. 538).
- Santuário – Pode se referir tanto ao templo terrestre quanto à habitação celestial de Deus. É símbolo da sua presença e glória.
- Tremor – Indica reverência diante da santidade divina, não medo servil, mas temor reverente.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 96
- Louvar é proclamar – Adoração verdadeira envolve testemunhar. O louvor que agrada a Deus anuncia a sua salvação entre as nações.
- Missões e louvor caminham juntos – O salmo nos mostra que missões não são um apêndice da fé cristã, mas parte essencial do culto.
- A glória de Deus é intransferível – Quando glorificamos qualquer coisa que não seja o Senhor, criamos ídolos inúteis.
- A adoração deve ser reverente – O esplendor da santidade de Deus exige posturas de humildade, pureza e entrega.
- O Senhor reina e voltará – Essa é a mensagem que sustenta a fé cristã. Ele governa hoje, e voltará para julgar com justiça.
- A criação participa da redenção – Toda a terra exulta, pois o plano de Deus inclui não apenas pessoas, mas a renovação do cosmos.
- Prepare-se para encontrar o Rei – O salmo termina com um anúncio: Ele vem. Isso muda a maneira como vivemos agora.
Conclusão
O Salmo 96 é uma canção missionária, profética e escatológica. Ele nos lembra que o louvor não se limita aos muros da igreja, mas deve alcançar as nações. Como cristão, eu aprendo que minha adoração precisa ser pública, reverente, proclamadora e cheia de esperança na volta de Cristo.
Deus não é um ídolo inerte. Ele é o Criador, o Redentor e o Juiz que vem. Cantar ao Senhor um novo cântico é alinhar nossa vida com essa realidade eterna. E enquanto esperamos sua vinda, continuamos a proclamar sua glória, até que toda a terra cante com uma só voz: O Senhor reina!
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 536–547.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1035–1042.