Tito 3 é um daqueles textos que me fazem lembrar que o evangelho transforma não só a nossa vida particular, mas também o modo como nos relacionamos com a sociedade. Paulo não está preocupado apenas com doutrina ou com a vida da igreja dentro das quatro paredes. Ele quer que o impacto do evangelho seja visível na vida pública, na forma como lidamos com o governo, com as pessoas e com os conflitos.
É interessante perceber que, enquanto no capítulo 1 Paulo se concentra na liderança da igreja e no combate aos falsos mestres, e no capítulo 2 fala da vida familiar e comunitária, aqui em Tito 3 ele amplia o foco para o testemunho cristão no mundo e o chamado à prática constante de boas obras.
Qual é o contexto histórico e teológico de Tito 3?
A carta a Tito foi escrita por Paulo entre 63 e 65 d.C., provavelmente após sua libertação da primeira prisão em Roma. Tito estava em Creta, uma ilha do Mediterrâneo conhecida por sua má fama moral e social. Craig Keener lembra que os próprios escritores gregos chamavam os cretenses de “mentirosos, feras malignas e glutões preguiçosos” (Tito 1.12) (KEENER, 2017).
Além disso, o Império Romano via com suspeita qualquer grupo religioso que soasse subversivo ou que colocasse em risco a ordem pública. Para os romanos, estabilidade social era fundamental, e religiões que incentivassem desobediência ao Estado eram mal vistas. Por isso, Paulo orienta os cristãos a demonstrarem respeito e boa conduta diante das autoridades.
Teologicamente, Tito 3 traz um resumo claro da salvação pela graça. O texto destaca o antes e o depois da vida cristã: o contraste entre a vida dominada pelo pecado e a transformação operada pela benignidade de Deus, por meio da obra do Espírito Santo e da graça de Jesus Cristo.
William Hendriksen explica que esse capítulo mostra como o evangelho não apenas salva, mas também gera um estilo de vida coerente com a fé professada (HENDRIKSEN, 2011). A obediência civil, as boas obras e a rejeição dos falsos ensinos são consequências práticas da nova vida em Cristo.
Como o texto de Tito 3 se desenvolve?
1. Boas obras e submissão às autoridades (Tito 3.1-2)
Paulo começa lembrando Tito da necessidade de instruir os crentes sobre o comportamento público:
“Lembre a todos que se sujeitem aos governantes e às autoridades, sejam obedientes, estejam sempre prontos a fazer tudo o que é bom, não caluniem a ninguém, sejam pacíficos e amáveis e mostrem sempre verdadeira mansidão para com todos os homens” (Tt 3.1-2).
Aqui, Paulo não está defendendo submissão cega ou apoio irrestrito a governos injustos. Ele está falando de uma postura responsável, pacífica e respeitosa, que evita escândalos desnecessários e mostra o evangelho em ação.
Outros textos como Romanos 13.1-7 e 1 Pedro 2.13-17 reforçam esse ensino. A exceção, como sempre, está em Atos 5.29: se as autoridades exigirem algo que contrarie a vontade de Deus, a obediência a Ele vem em primeiro lugar.
Além disso, Paulo chama atenção para o comportamento interpessoal: nada de calúnias, brigas ou atitudes ásperas. Em vez disso, os cristãos devem ser gentis e demonstrar mansidão com todas as pessoas, inclusive aquelas difíceis de lidar. Confesso que esse ponto me confronta muito. É fácil ser gentil com quem é gentil conosco, mas mostrar mansidão a todos, inclusive aos hostis, só com a graça de Deus.
2. Quem éramos e quem somos agora (Tito 3.3-7)
Paulo segue com um contraste profundo entre a velha vida e a nova realidade dos salvos:
“Houve tempo em que nós também éramos insensatos e desobedientes, vivíamos enganados e escravizados por toda espécie de paixões e prazeres. Vivíamos na maldade e na inveja, sendo detestáveis e odiando-nos uns aos outros. Mas, quando se manifestaram a bondade e o amor pelos homens da parte de Deus, nosso Salvador, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.3-5).
Eu gosto muito dessa parte porque ela traz à memória de forma humilde que todos nós, antes da graça de Deus, estávamos perdidos. Não éramos melhores que ninguém. Vivíamos guiados por paixões, ódio e egoísmo. Mas Deus, em sua bondade, nos salvou.
Hendriksen explica que o termo “lavar regenerador e renovador” faz referência à obra do Espírito Santo, que purifica e dá nova vida ao crente, simbolizada também pelo batismo (HENDRIKSEN, 2011).
O texto segue:
“Que ele derramou sobre nós generosamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador. Ele o fez a fim de que, justificados por sua graça, nos tornemos herdeiros, tendo a esperança da vida eterna” (Tt 3.6-7).
Aqui, Paulo reforça que a salvação é completamente resultado da graça, não das obras humanas. Somos justificados (declarados justos) pela fé e, como herdeiros de Deus, temos esperança segura da vida eterna.
Keener observa que o conceito de “vida eterna” era associado, tanto no judaísmo quanto no cristianismo primitivo, não apenas a algo futuro, mas a uma realidade inaugurada na ressurreição de Cristo e vivida, em parte, já neste mundo (KEENER, 2017).
3. A importância das boas obras e o perigo das divisões (Tito 3.8-11)
Paulo então incentiva Tito a reafirmar essas verdades com convicção:
“Essa afirmação é digna de confiança. E quero que você afirme categoricamente essas coisas, para que os que creem em Deus se empenhem na prática de boas obras. Estas são excelentes e úteis aos homens” (Tt 3.8).
Note que Paulo não vê oposição entre graça e boas obras. As obras não salvam, mas são o fruto natural da salvação. Eu aprendo aqui que o evangelho deve me levar à prática concreta do bem, dentro e fora da igreja.
Por outro lado, Paulo alerta contra disputas inúteis:
“Evite controvérsias tolas, genealogias, discussões e debates acerca da lei, pois são inúteis e sem valor. Quanto àquele que provoca divisões, advirta-o uma primeira e uma segunda vez. Depois disso, rejeite-o” (Tt 3.9-10).
Keener explica que essas “genealogias e discussões” faziam parte de debates judaicos estéreis, que não contribuíam para a piedade e apenas geravam divisões (KEENER, 2017).
O ponto aqui é claro: devemos evitar polêmicas inúteis e lidar com pessoas facciosas de forma séria. Se alguém insiste em provocar divisões mesmo após advertências, deve ser afastado da comunhão, visando proteger a igreja.
4. Instruções finais e exemplo de generosidade (Tito 3.12-15)
Nos versos finais, Paulo dá instruções práticas:
“Assim que eu lhe enviar Ártemas ou Tíquico, faça o possível para vir ao meu encontro em Nicópolis, pois decidi passar o inverno ali. Providencie tudo o que for necessário para Zenas, o intérprete da lei, e Apolo, para que nada lhes falte na viagem” (Tt 3.12-13).
Além de mostrar o cuidado de Paulo com a liderança e o avanço da missão, o texto revela o espírito de cooperação que deve existir entre os cristãos.
Paulo conclui:
“Os nossos devem aprender a dedicar-se à prática de boas obras, a fim de suprirem as necessidades diárias e não viverem uma vida inútil. Todos os que estão comigo lhe enviam saudações. Saudações àqueles que nos amam na fé. A graça seja com todos vocês” (Tt 3.14-15).
Hendriksen destaca que as “boas obras” mencionadas aqui incluem, entre outras coisas, o cuidado prático com irmãos necessitados e o apoio à obra missionária (HENDRIKSEN, 2011).
Que conexões proféticas encontramos em Tito 3?
O capítulo 3 ecoa várias verdades proféticas do Antigo e do Novo Testamento. A referência ao “lavar regenerador” aponta para a promessa de Deus em Ezequiel 36.25-27, onde Ele promete purificar e dar um novo coração ao Seu povo, por meio do Espírito.
Além disso, a “vida eterna” prometida aos crentes conecta-se diretamente às palavras de Jesus em João 3.16 e João 17.3, revelando que conhecer a Deus e a Cristo é, em si, o início dessa vida eterna.
O chamado para boas obras como fruto da salvação também cumpre o propósito de Deus revelado em Efésios 2.10, onde somos criados em Cristo para realizar as boas obras que Deus preparou de antemão.
O que Tito 3 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo fala diretamente comigo. Ele me lembra que o evangelho precisa ser vivido de forma prática e visível. Não adianta apenas dizer que sou salvo; minha submissão às autoridades, minha mansidão no trato com as pessoas e minha disposição para as boas obras são evidências concretas dessa salvação.
Aprendo também que:
- Não posso esquecer quem eu era antes da graça. Isso gera humildade.
- A salvação não vem das minhas obras, mas da misericórdia de Deus.
- O Espírito Santo continua me renovando e me capacitando a viver de forma santa.
- As boas obras devem ser uma prioridade diária, como expressão da fé.
- Preciso evitar debates tolos e divisões, focando no que edifica.
- O cuidado com outros irmãos, especialmente aqueles envolvidos na obra do Senhor, faz parte do meu chamado.
Tito 3 fecha a carta com um chamado prático e profundo: viver de forma que o evangelho fique evidente na minha vida pública e pessoal. Assim, a mensagem de Cristo brilha, e a igreja se torna uma comunidade que impacta o mundo com amor, humildade e boas obras.
Referências
- HENDRIKSEN, William. 1 e 2 Timóteo e Tito. Tradução: Valter Graciano Martins. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

Sou Diego Nascimento e o Jesus e a Bíblia não é apenas um projeto, é um chamado. Deus deu essa missão a mim e a Carol (esposa) por meio do Espírito Santo. Amamos a Palavra de Deus e acreditamos que ela pode mudar a sua vida, assim como mudou a nossa.