Lucas 18 é um dos capítulos mais profundos e desafiadores do Evangelho. Ao ler esse texto, fico impactado com o contraste entre a aparência religiosa e a verdadeira fé que agrada a Deus. Aqui, Jesus nos confronta com verdades duras, mas necessárias, sobre oração, humildade, riquezas e a simplicidade da fé.
Qual é o contexto histórico e teológico de Lucas 18?
O Evangelho de Lucas foi escrito por um médico e historiador detalhista, que tinha como objetivo apresentar um relato confiável da vida e ministério de Jesus, especialmente para um público gentio, como destaca Keener (2017). Esse capítulo faz parte da chamada “Seção Central” de Lucas (9.51–19.27), onde o evangelista narra a longa caminhada de Jesus em direção a Jerusalém.
William Hendriksen (2014) explica que, nesse trecho, o tema do discipulado ganha destaque. Jesus não está apenas caminhando fisicamente, mas conduzindo seus seguidores a entenderem o que significa fazer parte do Reino de Deus. Por isso, as parábolas e ensinamentos desse capítulo tocam pontos práticos e espirituais essenciais para quem deseja segui-lo.
Culturalmente, o contexto envolve uma sociedade onde viúvas eram extremamente vulneráveis, os fariseus eram vistos como exemplos de piedade, os publicanos eram odiados, as crianças eram insignificantes e os ricos eram admirados. Nesse cenário, Jesus inverte expectativas e revela os verdadeiros valores do Reino.
Como o texto de Lucas 18 se desenvolve?
Lucas 18 pode ser dividido em seis momentos que revelam o caráter de Deus, a necessidade da oração perseverante, a verdadeira humildade e o chamado radical ao discipulado.
1. Por que devemos orar sempre e não desanimar? (Lucas 18.1-8)
Jesus conta a parábola da viúva persistente e do juiz injusto para ensinar que a oração perseverante revela nossa confiança no caráter de Deus.
“Acaso Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite?” (Lucas 18.7).
Keener (2017) destaca que, no contexto judaico, a viúva era o símbolo máximo da vulnerabilidade. Ela não tinha meios para subornar o juiz ou se defender. Mesmo assim, sua persistência vence a indiferença do magistrado.
Se até um juiz injusto pode ceder diante da insistência, quanto mais Deus, que é justo e amoroso, responderá às orações do seu povo. Ao meditar nisso, sou confrontado com minha tendência de desistir facilmente diante das dificuldades. Jesus me convida a clamar sem cessar, confiando que Deus fará justiça no tempo certo.
O final da parábola traz uma pergunta inquietante:
“Quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lucas 18.8).
Essa fé perseverante, que não desiste mesmo quando as respostas parecem tardar, é o que Jesus procura em nós.
2. Qual é o perigo da justiça própria? (Lucas 18.9-14)
A segunda parábola é ainda mais desconcertante. Dois homens vão ao templo orar: um fariseu e um publicano. O fariseu, com ar de superioridade, agradece por ser “melhor” que os outros. Já o publicano, humilhado e consciente do próprio pecado, clama por misericórdia.
“Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus.” (Lucas 18.14).
Hendriksen (2014) explica que, na época, os fariseus eram vistos como os mais santos e devotos, enquanto os publicanos eram tidos como traidores e corruptos. Jesus, porém, revela que Deus não se impressiona com aparências religiosas. O que Ele busca é humildade e reconhecimento sincero da nossa miséria espiritual.
Ao ler essa parábola, percebo o quanto o orgulho pode me afastar de Deus. O Reino não é para os que confiam em si mesmos, mas para os que reconhecem que precisam da graça divina.
3. Por que o Reino de Deus pertence às crianças? (Lucas 18.15-17)
Enquanto os discípulos tentavam afastar as crianças, Jesus as acolhe e declara:
“Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas.” (Lucas 18.16).
Na cultura da época, crianças não tinham status ou importância social. Mas Jesus inverte essa lógica, ensinando que só entra no Reino quem se aproxima com a simplicidade, a dependência e a confiança de uma criança.
Keener (2017) aponta que esse ensino reforça o tema central de Lucas: Deus se revela aos humildes e desprezados. Isso me desafia a abandonar a autossuficiência e cultivar um coração simples diante de Deus.
4. O que nos impede de seguir Jesus? (Lucas 18.18-30)
O diálogo entre Jesus e o homem rico revela o preço do discipulado e o perigo das riquezas.
“Falta-lhe ainda uma coisa. Venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois venha e siga-me.” (Lucas 18.22).
O homem havia obedecido os mandamentos, mas seu coração estava preso aos bens materiais. Diante do convite radical de Jesus, ele se entristece e vai embora.
Hendriksen (2014) destaca que, embora o judaísmo valorizasse a caridade, poucos estavam dispostos a abrir mão de tudo. Jesus revela que o apego às riquezas pode ser o maior obstáculo ao Reino.
Essa cena me faz refletir: o que ainda me prende? O que não estou disposto a deixar por amor a Cristo? O chamado de Jesus continua o mesmo: renunciar o que for necessário para segui-lo.
Jesus também tranquiliza os que já fizeram essa escolha:
“Ninguém que tenha deixado casa, mulher, irmãos, pai ou filhos por causa do Reino de Deus deixará de receber, na presente era, muitas vezes mais, e, na era futura, a vida eterna.” (Lucas 18.29-30).
O Reino exige renúncia, mas promete recompensas eternas e bênçãos já nesta vida, especialmente o privilégio de fazer parte da família de Deus.
5. Por que os discípulos não entendem o sofrimento de Jesus? (Lucas 18.31-34)
Jesus anuncia, pela terceira vez, sua paixão e ressurreição. Mesmo assim, os discípulos não compreendem.
“O significado dessas palavras lhes estava oculto, e eles não sabiam do que ele estava falando.” (Lucas 18.34).
Segundo Keener (2017), isso se deve à expectativa messiânica da época. Os judeus aguardavam um Messias triunfante, não um servo sofredor. As palavras de Jesus confrontam esse imaginário, e por isso os discípulos resistem a aceitar a cruz.
Ao ler esse trecho, me dou conta de como, às vezes, também prefiro um evangelho sem dor, sem sofrimento. Mas seguir Jesus é abraçar a cruz, confiando que, além dela, há ressurreição.
6. Como a fé transforma nossa vida? (Lucas 18.35-43)
O capítulo termina com a cura de um cego em Jericó. Ele clama:
“Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” (Lucas 18.38).
Esse título messiânico demonstra a fé do cego, mesmo antes de ver. Enquanto a multidão tenta silenciá-lo, ele insiste, e Jesus o atende:
“Receba a sua visão; a sua fé o curou.” (Lucas 18.42).
Hendriksen (2014) destaca que o cego representa todos os que reconhecem sua miséria e dependência de Deus. Sua fé perseverante, assim como a da viúva no início do capítulo, o conduz à cura e à salvação.
O texto termina com o cego seguindo Jesus, glorificando a Deus, e toda a multidão louvando ao Senhor. Vejo aqui o ciclo da fé: clamar, ser atendido, seguir a Cristo e testemunhar.
Que conexões proféticas encontramos em Lucas 18?
Embora o capítulo não traga citações diretas de profecias, ele se encaixa perfeitamente nas expectativas e ensinamentos do Antigo Testamento:
- A figura do Filho de Davi remete às promessas messiânicas de 2 Samuel 7.
- A compaixão de Deus pelas viúvas ecoa textos como Salmos 68.5, que chama Deus de Pai para os órfãos e defensor das viúvas.
- A promessa de justiça aos escolhidos aponta para o julgamento final e a restauração predita pelos profetas.
- O anúncio do sofrimento, morte e ressurreição de Jesus cumpre o que Isaías já havia revelado em Isaías 53.
Tudo isso mostra que Jesus não está improvisando, mas cumprindo o plano eterno de Deus, revelado desde o Antigo Testamento.
O que Lucas 18 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo é um convite prático e profundo para alinhar minha vida aos valores do Reino. Aprendo que:
- Preciso perseverar em oração, mesmo quando parece que Deus está em silêncio.
- A verdadeira espiritualidade nasce da humildade, não da comparação ou orgulho.
- A simplicidade da fé é essencial. Preciso me aproximar de Deus como uma criança.
- O apego às riquezas ou status pode me impedir de seguir Jesus com integridade.
- O sofrimento faz parte do caminho cristão, mas a cruz não é o fim da história.
- A fé verdadeira clama por misericórdia, insiste e transforma minha vida para que eu siga a Cristo.
Como Lucas 18 me conecta ao restante das Escrituras?
Ref. | Exclusivas de Lucas | As de Lucas etc. | Encontram-se também em |
---|---|---|---|
6.47–49 | Os dois construtores | Mateus 7.24–27 | |
7.31–35 | As crianças assentadas nas praças do mercado | Mateus 11.16–19 | |
7.40–50 | Os dois devedores (cancelamento) | ||
8.4–15 | O semeador ou os quatro tipos de solo | Mateus 13.3–9, 18–23; Marcos 4.3–9, 14–20 | |
10.29–37 | O samaritano que se preocupa | ||
11.5–13 | O anfitrião molestado (ou empertigado) | ||
11.24–26 | A volta do espírito imundo | Mateus 12.43–45 | |
11.33 | O incensanto (ou antotório) | ||
12.35–40 | Os servos vigilantes (o nobre) | ||
12.41–48 | Os servos fiéis versus os servos infiéis | Mateus 24.45–51 | |
13.1–9 | A figueira estéril e o viticultor magnânimo | ||
13.18,19 | A semente de mostarda | Mateus 13.31,32; Marcos 4.30–32 | |
13.20,21 | O fermento | Mateus 13.33 (ou levedo) | |
14.7–11 | Os assentos reservados (ou principais) | ||
14.15–24 | O convite rejeitado (ou desprezado) | ||
14.28–30 | O construtor precipitado | ||
14.31–33 | O rei sensato | ||
15.8–10 | A moeda perdida | A ovelha perdida | Mateus 18.12–14 |
15.11–32 | O filho perdido | ||
16.1–13 | O administrador (ou mordomo) previdente | ||
16.19–31 | O favelor; o rico e o mendigo Lázaro | ||
17.7–10 | O servo insensível (ou inútil) que calcula | ||
18.1–8 | A viúva que persevera (ou persistia) | ||
18.9–14 | O fariseu e o coletor (ou publicano) | ||
19.11–27 | As minas | Os mecires (ou arrendatários) perversos | Mateus 21.33–41; Marcos 12.1–9 |
O capítulo reforça a mensagem unificada da Bíblia:
- A perseverança na oração aparece em 1 Tessalonicenses 5.17.
- A humildade é exaltada em Tiago 4.6.
- O chamado à simplicidade está em Mateus 18.3.
- O risco das riquezas e o preço do discipulado são ensinados em Mateus 6.19-24.
- O anúncio da cruz e da ressurreição cumpre o plano revelado desde o Gênesis.
Jesus, em Lucas 18, nos chama a orar, a confiar, a abandonar o orgulho e a segui-lo, custe o que custar. Essa é a fé que Ele procura encontrar em nós quando vier.
Referências
- HENDRIKSEN, William. Lucas. Tradução: Valter Graciano Martins. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

Sou Diego Nascimento e o Jesus e a Bíblia não é apenas um projeto, é um chamado. Deus deu essa missão a mim e a Carol (esposa) por meio do Espírito Santo. Amamos a Palavra de Deus e acreditamos que ela pode mudar a sua vida, assim como mudou a nossa.