1 Coríntios 4 é um daqueles capítulos que nos confrontam profundamente. Quando leio esse texto, percebo como o ser humano tem facilidade de se iludir com poder, aparência e reconhecimento, inclusive dentro da igreja. Mas Paulo, com autoridade pastoral e amor firme, nos chama de volta à realidade. Ele mostra que, no Reino de Deus, o que realmente importa não é status ou palavras bonitas, mas fidelidade, humildade e o poder transformador do evangelho.
Qual é o contexto histórico e teológico de 1 Coríntios 4?
A primeira carta aos Coríntios foi escrita por Paulo por volta do ano 55 d.C., enquanto ele estava em Éfeso, durante sua terceira viagem missionária (Atos 19). Corinto era uma cidade estratégica, rica e cosmopolita. Situada entre o Peloponeso e a Grécia continental, a cidade florescia no comércio e no trânsito de ideias, mas também era marcada pela idolatria e imoralidade (KEENER, 2017).
Na igreja que Paulo plantou ali, conviviam pessoas de origens muito diferentes. A maioria era de condição simples, mas havia também alguns socialmente influentes. Esse contraste acabou gerando orgulho, partidarismo e disputas dentro da comunidade.
O capítulo 4 faz parte de uma seção em que Paulo combate o orgulho espiritual e as divisões na igreja. Após exortar os coríntios a não formarem grupos em torno de líderes como ele mesmo, Apolo ou Cefas, o apóstolo deixa claro que todos os líderes são apenas servos de Cristo, responsáveis por administrar aquilo que receberam de Deus.
Simon Kistemaker destaca que os cristãos de Corinto estavam sendo seduzidos pelo orgulho, pelo desejo de status e pelo pensamento mundano de superioridade. Eles se esqueciam de que a liderança cristã se baseia no serviço humilde e na fidelidade, não em prestígio humano (KISTEMAKER, 2014, p. 163-165).
Além disso, Paulo usa ironia e confronto amoroso para realinhar o pensamento da igreja com os valores do Reino de Deus.
Como o texto de 1 Coríntios 4 se desenvolve?
1. Servos e administradores dos mistérios de Deus (1 Coríntios 4.1-5)
Paulo começa dizendo: “Portanto, que todos nos considerem como servos de Cristo e encarregados dos mistérios de Deus” (4.1). A palavra usada aqui para “servos” não é diakonos, mas hypēretai, que originalmente descrevia os escravos que remavam nos navios. Ou seja, ele está falando de servos subordinados, sem status, que executam ordens (KEENER, 2017).
Além disso, Paulo se identifica como despenseiro ou administrador dos “mistérios de Deus”, uma expressão que aponta para as verdades do evangelho, antes ocultas, agora reveladas por Cristo.
O requisito fundamental para esses administradores não é carisma ou popularidade, mas fidelidade (4.2). E, de forma surpreendente, Paulo declara que não se preocupa com o julgamento humano, nem mesmo com o autojulgamento: “O Senhor é quem me julga” (4.4).
Isso não significa que ele se ache perfeito, mas que sabe que só Deus vê as intenções do coração. Por isso, ele conclui: “Portanto, não julguem nada antes da hora devida; esperem até que o Senhor venha” (4.5).
Aqui, Paulo está ensinando que só no juízo final as intenções reais de cada pessoa serão plenamente reveladas. Jesus trará à luz o que está oculto e manifestará os desígnios dos corações.
Simon Kistemaker explica que, naquele contexto, era comum as pessoas julgarem os líderes pela aparência, eloquência ou influência social. Mas Paulo aponta para o julgamento divino, que considera o que está no interior e recompensa a fidelidade (KISTEMAKER, 2014, p. 166-168).
2. Um alerta contra o orgulho e o partidarismo (1 Coríntios 4.6-8)
Paulo continua exortando os coríntios: “Apliquei essas coisas a mim e a Apolo por amor a vocês, para que aprendam de nós o que significa: ‘Não ultrapassem o que está escrito’” (4.6).
A expressão “não ultrapassem o que está escrito” provavelmente se refere às Escrituras do Antigo Testamento, que Paulo já havia citado anteriormente, mostrando que o orgulho humano é contrário à vontade de Deus.
Ele denuncia o orgulho dos coríntios com três perguntas retóricas:
“Pois, quem torna você diferente de qualquer outra pessoa? O que você tem que não tenha recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?” (4.7).
Essa série de perguntas revela uma verdade profunda: tudo o que temos, seja dons, recursos ou conhecimento, vem de Deus. Não há espaço para vanglória.
Depois, Paulo usa ironia para expor o engano deles: “Vocês já têm tudo o que querem! Já se tornaram ricos! Chegaram a ser reis — e sem nós!” (4.8). Com isso, ele mostra que os coríntios agiam como se já estivessem reinando no Reino de Deus, enquanto os apóstolos ainda sofriam e enfrentavam perseguição.
Keener destaca que, naquela cultura, muitos filósofos usavam a ironia para provocar reflexão, e Paulo faz exatamente isso, expondo o contraste entre a vida humilde e sacrificada dos apóstolos e a arrogância dos coríntios (KEENER, 2017).
3. O verdadeiro retrato dos apóstolos (1 Coríntios 4.9-13)
Paulo então descreve a realidade dos apóstolos:
“Porque me parece que Deus nos colocou a nós, os apóstolos, em último lugar, como condenados à morte. Temo-nos tornado um espetáculo para o mundo, tanto diante de anjos como de homens” (4.9).
A imagem aqui é forte. Ele se refere à prática romana de exibir os condenados por último nas procissões triunfais, antes de serem executados. Assim, os apóstolos eram vistos como o “lixo do mundo”, os mais desprezados.
Ele prossegue com o contraste: “Nós somos loucos por causa de Cristo, mas vocês são sensatos em Cristo! Nós somos fracos, mas vocês são fortes! Vocês são respeitados, mas nós somos desprezados!” (4.10).
Paulo relata as dificuldades concretas que enfrentavam: fome, sede, maus-tratos, falta de moradia e o desprezo social (4.11).
Mas a atitude dos apóstolos diante do sofrimento é um grande exemplo: “Quando somos amaldiçoados, abençoamos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, respondemos amavelmente” (4.12-13).
Kistemaker comenta que Paulo está ensinando aqui o padrão de Jesus: responder ao mal com o bem, suportar com paciência e permanecer firme na missão, mesmo sendo rejeitado pelo mundo (KISTEMAKER, 2014, p. 176-180).
4. Uma advertência paternal (1 Coríntios 4.14-21)
Paulo finaliza o capítulo com um tom pastoral e firme:
“Não estou tentando envergonhá-los ao escrever estas coisas, mas procuro adverti-los, como a meus filhos amados” (4.14).
Ele se coloca como um pai espiritual, pois foi ele quem lhes pregou o evangelho e os conduziu à fé: “Embora possam ter dez mil tutores em Cristo, vocês não têm muitos pais” (4.15).
Por isso, Paulo os convida a serem seus imitadores (4.16), assim como ele próprio imita a Cristo. E, para reforçar esse ensino, ele envia Timóteo, seu “filho amado e fiel no Senhor”, para lembrá-los de seu exemplo de vida (4.17).
Em seguida, Paulo confronta a arrogância de alguns que achavam que ele não voltaria a Corinto. Mas ele afirma: “Irei muito em breve, se o Senhor permitir; então saberei não apenas o que estão falando esses arrogantes, mas que poder eles têm” (4.19).
Ele conclui com um princípio poderoso: “Pois o Reino de Deus não consiste de palavras, mas de poder” (4.20). Ou seja, o que importa não são discursos bonitos ou debates, mas o poder transformador do evangelho, que se revela em vidas humildes e fiéis.
Por fim, ele deixa uma escolha aos coríntios: “Que é que vocês querem? Devo ir a vocês com vara, ou com amor e espírito de mansidão?” (4.21). Paulo prefere ir com amor e brandura, mas, se necessário, exercerá sua autoridade apostólica para corrigir a igreja.
Esse capítulo cumpre alguma profecia?
Em certo sentido, sim. A humilhação dos apóstolos e o desprezo do mundo pelos servos de Deus ecoam as palavras de Jesus, que disse que seus seguidores seriam odiados e perseguidos (João 15.18-20).
Além disso, a inversão de valores — onde o humilde é exaltado e o orgulhoso é humilhado — está em plena harmonia com as profecias do Antigo Testamento, especialmente no cântico de Maria (Lucas 1.51-53).
O sofrimento dos apóstolos também aponta para o padrão profético do Servo Sofredor descrito em Isaías 53, e que se cumpre em Jesus e, de certa forma, nos que o seguem.
O que 1 Coríntios 4 me ensina para a vida hoje?
Esse texto me lembra que o Reino de Deus não é sobre aparências ou status. Deus vê o coração, conhece as intenções e valoriza a fidelidade mais do que qualquer discurso bonito.
Aprendo que:
- Preciso lutar contra o orgulho, lembrando que tudo o que tenho foi Deus quem me deu.
- Não devo me deixar levar por julgamentos precipitados ou pela busca de reconhecimento humano.
- O sofrimento por causa de Cristo faz parte da caminhada, e a forma como reajo revela meu caráter.
- Líderes espirituais devem ser servos, não celebridades.
- A igreja precisa de unidade, humildade e fidelidade ao evangelho, não de disputas ou partidarismos.
Esse capítulo também me desafia a imitar os bons exemplos, como Paulo fez ao imitar Cristo. Preciso olhar para líderes que vivem o evangelho com integridade e aprender com eles.
Como 1 Coríntios 4 se conecta ao restante das Escrituras?
1 Coríntios 4 está totalmente alinhado com o ensino bíblico sobre humildade, serviço e o verdadeiro significado do Reino de Deus.
Ele ecoa o ensino de Jesus sobre liderança servil (Marcos 10.42-45), a exortação de Tiago contra o orgulho (Tiago 4.6-10) e a instrução de Pedro para que os líderes sejam exemplos para o rebanho (1 Pedro 5.1-4).
Além disso, a ênfase no julgamento final e na revelação das intenções dos corações aponta para o ensino escatológico de Jesus e dos apóstolos.
1 Coríntios 4 me faz lembrar que o evangelho não é sobre poder humano, mas sobre o poder de Deus que transforma o coração e forma uma comunidade marcada pela humildade, amor e verdade.
Referências
- KISTEMAKER, Simon. 1 Coríntios. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

Sou Diego Nascimento e o Jesus e a Bíblia não é apenas um projeto, é um chamado. Deus deu essa missão a mim e a Carol (esposa) por meio do Espírito Santo. Amamos a Palavra de Deus e acreditamos que ela pode mudar a sua vida, assim como mudou a nossa.