2 Reis 6 é um dos capítulos mais marcantes da trajetória profética de Eliseu. Ele nos leva da rotina simples dos discípulos dos profetas até o cerco de uma cidade, passando por milagres inesperados, batalhas invisíveis e uma das cenas mais trágicas da Bíblia: mães forçadas a cozinhar seus próprios filhos.
Ao meditar nesse texto, percebo como Deus age tanto nos detalhes como nas crises. O mesmo Deus que faz um machado flutuar também envia um exército celestial. Ele cuida de cada um de nós — mesmo quando tudo parece perdido.
Qual era o cenário histórico e espiritual de Israel neste momento?
Israel estava em crise. Politicamente enfraquecido e espiritualmente afastado de Deus, o Reino do Norte seguia em queda. Embora o rei Jorão fosse menos perverso que Acabe, ainda andava nos caminhos de Jeroboão, mantendo a idolatria viva (2 Rs 3.2–3).
Segundo Thomas Constable (1985), “os conflitos entre Israel e a Síria alternavam entre ataques e tréguas, mas o pano de fundo constante era a rebeldia do povo contra o Senhor” (CONSTABLE, 1985, p. 549).
O interessante é que, apesar do pecado do povo, Deus continuava se revelando por meio dos profetas. Eliseu, sucessor de Elias, liderava um movimento espiritual forte, com escolas de profetas espalhadas por várias cidades. A presença deles é visível, por exemplo, em 2 Reis 2 e também neste capítulo.
Ao observar esse cenário, vejo que a graça de Deus é persistente. Mesmo diante de um povo que o rejeita, Ele continua falando, ensinando e agindo.
Por que Eliseu faz um machado de ferro flutuar? (2 Reis 6:1–7)
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“Quando ele lhe mostrou o lugar, Eliseu cortou um galho e o jogou ali, fazendo o ferro flutuar” (2 Rs 6.6)
O trecho começa com uma cena cotidiana: os discípulos dos profetas queriam ampliar seu espaço de reuniões. O local estava pequeno demais. Eliseu aprova a ideia e acompanha o grupo até o Jordão. Lá, enquanto cortavam madeira, um machado emprestado cai na água. O ferro, peça cara na época, se perde.
O homem se desespera. E Eliseu, com um simples gesto, faz o machado flutuar. Ele corta um galho, joga no rio e o ferro aparece. Milagre.
Segundo o Comentário Histórico-Cultural, esse gesto poderia ser interpretado por muitos como um ritual mágico, mas o texto deixa claro que “a ação milagrosa parte de Yahweh, não de práticas supersticiosas” (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 509).
O que me toca aqui é o cuidado de Deus com algo tão simples. Ele é o mesmo Deus que se importa com viúvas, como vimos em 2 Reis 4, e que também age em situações práticas e pessoais.
Como Deus protege Israel do exército sírio? (2 Reis 6:8–23)
“Aqueles que estão conosco são mais numerosos do que eles” (2 Rs 6.16)
O texto dá um salto e nos leva ao campo militar. O rei da Síria, Ben-Hadade II, planejava ataques contra Israel, mas seus planos eram frustrados repetidamente. Por quê? Porque Deus revelava tudo a Eliseu, e este avisava ao rei de Israel.
Incomodado, o rei sírio manda um exército cercar Eliseu em Dotã. Quando o servo do profeta vê os soldados, entra em pânico. Mas Eliseu, tranquilo, ora: “Senhor, abre os olhos dele para que veja” (v. 17). E então o servo vê cavalos e carros de fogo ao redor do profeta.
Thomas Constable comenta que “a visão da cavalaria celestial serviu para afirmar que o verdadeiro poder vinha do Senhor, não das armas humanas” (CONSTABLE, 1985, p. 550).
A seguir, Eliseu ora e Deus cega os inimigos. O profeta os conduz até Samaria. Lá, o rei quer matá-los, mas Eliseu propõe o oposto: um banquete. Após comerem, são libertos. As invasões cessam por um tempo.
Essa é uma das cenas mais lindas da Bíblia. Em vez de vingança, hospitalidade. Em vez de espada, paz. Me lembra a proposta de Jesus em Mateus 5: “Amai os vossos inimigos”. Aqui, vemos a antecipação desse princípio.
Como a fome se tornou uma maldição em Samaria? (2 Reis 6:24–31)
“O cerco durou tanto e causou tamanha fome que uma cabeça de jumento chegou a valer oitenta peças de prata” (2 Rs 6.25)
Mas a paz não durou muito. Ben-Hadade volta à cena com todo o seu exército e cerca Samaria. O objetivo era simples: sufocar a cidade até a rendição. A fome chegou a níveis extremos.
O texto relata que mulheres cozinharam os próprios filhos (v. 29). É uma das passagens mais chocantes do Antigo Testamento. Mas não foi surpresa: isso havia sido previsto em Deuteronômio 28:53 como consequência da idolatria.
O Comentário Histórico-Cultural explica que “o canibalismo era previsto como parte das maldições de tratados antigos e, infelizmente, acontecia durante cercos prolongados, como esse” (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 511).
O rei, ao ouvir o relato de uma mulher, rasga suas vestes. Usa pano de saco por baixo — sinal de aflição. Mas sua dor não o leva ao arrependimento. Pelo contrário, ele jura matar Eliseu, como se o profeta fosse o culpado.
Essa reação me faz pensar em quantas vezes transferimos nossa frustração a Deus quando, na verdade, colhemos os frutos de nossas próprias escolhas.
A profecia de Eliseu se cumpriu?
O capítulo termina em suspense. Eliseu, já avisado do plano do rei, manda trancar a porta e espera. Quando o rei chega, desesperado, diz: “Esta desgraça vem do Senhor. Por que devo ainda ter esperança no Senhor?” (v. 33)
Essa pergunta carrega dor, mas também incredulidade. O rei se esquece de quem é Deus. De Sua misericórdia. Mas Eliseu não se cala. Ele anuncia que, no dia seguinte, haveria fartura (2 Rs 7.1).
O cumprimento dessa profecia será visto em 2 Reis 7, quando quatro leprosos descobrem que o exército sírio havia fugido, deixando tudo para trás. Deus, mais uma vez, age sem espadas nem escudos. Sua Palavra se cumpre.
Isso me ensina a não duvidar, mesmo quando tudo parece escuro. Porque a última palavra sempre é de Deus.
Existe conexão com o Novo Testamento?
Sim. Este capítulo antecipa várias verdades reveladas em Jesus:
- A graça diante do inimigo aparece claramente em Lucas 6:27–36, quando Cristo ensina a amar quem nos persegue.
- A visão espiritual do servo de Eliseu se conecta com Efésios 1:18, onde Paulo ora para que os olhos do nosso coração sejam iluminados.
- O banquete dado aos inimigos lembra a parábola da grande ceia em Lucas 14, onde Deus convida até os desprezados para sua mesa.
Mais do que isso, vemos um paralelo entre Eliseu e Jesus: ambos são rejeitados, perseguidos e ainda assim respondem com misericórdia.
Quais aplicações práticas tiramos de 2 Reis 6 para hoje?
- Deus se importa com o que é pequeno – Se Ele fez um machado flutuar, Ele cuida da sua dor e das suas finanças.
- O inimigo pode cercar, mas Deus sempre cerca mais – Como em Dotã, Deus nos protege com forças que nem sempre vemos.
- As armas espirituais são mais poderosas – Oração, revelação e compaixão são ferramentas mais eficazes do que espadas.
- A fome pode ser espiritual – Hoje, muitas pessoas vivem cercadas por crises internas. Precisam do pão da vida, como Jesus ensina em João 6:35.
- A incredulidade fecha portas – O rei não reconhece Deus na crise. E quase elimina a única esperança que tinha: a Palavra profética.
- A fidelidade de Deus não falha – Mesmo diante da fome e do caos, Sua palavra se cumpre. Sempre.
- A idolatria custa caro – Como vimos em 2 Reis 1, quando o povo rejeita Deus, as consequências vêm.
Conclusão
2 Reis 6 nos desafia a enxergar com os olhos da fé. Cercados por crises, pressões e inimigos, podemos lembrar que “os que estão conosco são mais numerosos do que os que estão com eles” (v. 16).
Esse capítulo me ensina que a fé não depende das circunstâncias. Ela depende de quem é o nosso Deus.
Referências
- CONSTABLE, Thomas L. 2 Kings. In: WALVOORD, J. F.; ZUCK, R. B. (Orgs.). The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the Scriptures. Vol. 1. Wheaton, IL: Victor Books, 1985. p. 549–551.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018. p. 509–511.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

Sou Diego Nascimento e o Jesus e a Bíblia não é apenas um projeto, é um chamado. Deus deu essa missão a mim e a Carol (esposa) por meio do Espírito Santo. Amamos a Palavra de Deus e acreditamos que ela pode mudar a sua vida, assim como mudou a nossa.