O Salmo 134 é o último dos “Cânticos de Peregrinação” ou “Cânticos de Degraus” (Sl 120–134). Esses salmos eram entoados pelo povo de Israel em suas subidas a Jerusalém para as festas anuais ordenadas por Deus (Dt 16:16). Muitos estudiosos acreditam que eles eram cantados em diferentes momentos da viagem: na partida, durante o percurso e ao chegar à cidade santa. O Salmo 134 encerra esse ciclo com uma nota de bênção e adoração.
Não temos menção direta do autor, mas sua composição é simples e profundamente litúrgica. Ele parece descrever uma cena no templo, possivelmente durante a despedida dos peregrinos. Segundo Hernandes Dias Lopes, “os cânticos de romagem que começaram nos ambientes inóspitos de Meseque e Quedar (Sl 120:5) terminam apropriadamente na nota de servir a Deus de dia e de noite no seu templo” (LOPES, 2022, p. 1441).
Historicamente, o salmo representa o encerramento da jornada espiritual e física do povo até Jerusalém. Teologicamente, ele aponta para a continuidade da adoração mesmo quando os adoradores se dispersam. A adoração noturna mencionada sugere que o serviço a Deus não tem intervalo. Como afirma Walton, “até mesmo uma tarefa tão ‘mundana’ como guardar o templo durante a noite permitia à pessoa a oportunidade de adorar” (WALTON et al., 2018, p. 721).
Além disso, o Salmo 134 marca uma transição: do esforço da caminhada para o repouso da presença de Deus, da subida para a descida, da chegada à bênção do retorno.
1. Convite à adoração contínua (Salmo 134.1)
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“Venham! Bendigam ao Senhor todos vocês, servos do Senhor, vocês, que servem de noite na casa do Senhor” (v. 1)
O versículo abre com um chamado claro: “Venham! Bendigam ao Senhor”. Os destinatários são os servos do Senhor, provavelmente os levitas e sacerdotes que tinham o turno noturno no templo. Em 1 Crônicas 9:33, lemos que alguns deles estavam “de plantão dia e noite”.
Esse chamado à adoração no turno da noite mostra que, para Deus, não há hora imprópria para ser louvado. Hernandes observa: “o culto para eles não terminava, pois assistiam nas horas da noite” (LOPES, 2022, p. 1443).
Ao refletir sobre isso, eu entendo que adorar a Deus não deve ser uma atividade limitada a domingos ou eventos especiais. Assim como vemos em Salmos 34, a adoração é contínua: “Bendirei o Senhor o tempo todo!”. Mesmo nos “turnos noturnos” da nossa vida — momentos de silêncio, incerteza ou dor — Ele continua digno de louvor.
2. Um gesto que expressa entrega (Salmo 134.2)
“Levantem as mãos na direção do santuário e bendigam ao Senhor!” (v. 2)
Erguer as mãos era um gesto frequente na adoração judaica. Simbolizava entrega, súplica, reverência e reconhecimento da majestade de Deus. Em Salmos 141:2, Davi diz: “seja o erguer das minhas mãos como a oferta da tarde”. O gesto, portanto, era mais que tradição; era expressão da alma.
Hernandes comenta que esse ato “indica a expectativa do suplicante de receber bênçãos do Senhor, e também um reconhecimento de que as recebeu” (LOPES, 2022, p. 1444). Para mim, essa atitude me ensina a orar com o coração aberto, não apenas com palavras, mas com postura e reverência, como Paulo orienta em 1 Timóteo 2:8: “quero que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas”.
Erguer as mãos é, portanto, um gesto do corpo que reflete uma alma rendida. Como aprendemos em Romanos 12:1, nosso culto envolve o corpo inteiro, não só palavras ou pensamentos.
3. A bênção que vem de Deus (Salmo 134.3)
“De Sião os abençoe o Senhor, que fez os céus e a terra!” (v. 3)
Neste versículo, temos a resposta dos sacerdotes aos peregrinos. A bênção não é apenas um encerramento formal — é uma invocação real da graça de Deus sobre aqueles que agora voltam para casa.
Essa bênção vem de Sião, o lugar da presença de Deus, e é proferida por aqueles que servem diante Dele. Spurgeon escreve: “retornem, cada um de vocês, com uma bênção que somente Ele pode dar — divina, infinita, efetiva, eterna” (LOPES, 2022, p. 1447).
O Senhor é identificado como o Criador do céu e da terra — o mesmo título usado em Salmos 121:2: “o meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra”. Essa repetição não é à toa. Ela mostra que o Deus que habita em Sião também governa todo o universo. Ele não está limitado ao templo; Ele é o Senhor de tudo.
Como também vemos em Salmo 124:8, “o nosso socorro está no nome do Senhor, que fez os céus e a terra”. Essa verdade fortalece a nossa fé. Se Ele é o Criador, então tem poder para nos abençoar em qualquer área da vida.
Cumprimento das profecias
O Salmo 134, embora breve, aponta profeticamente para Jesus Cristo. Os sacerdotes e levitas que serviam no templo são sombras daquele que viria como o verdadeiro Sumo Sacerdote, como lemos em Hebreus 7:24–25: “porque vive para sempre, Jesus tem um sacerdócio permanente. Por isso, pode salvar definitivamente os que, por meio dele, aproximam-se de Deus”.
A bênção de Sião agora flui da Jerusalém celestial, onde Cristo reina. Como afirma Allan Harman, “o verdadeiro monte Sião é onde Jesus, o Mediador da Nova Aliança, reina no meio do seu povo” (LOPES, 2022, p. 1446). A igreja hoje é o templo, o lugar onde habita o Espírito Santo. Em 1 Pedro 2:9, somos chamados de “sacerdócio real”.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 134
- Servos do Senhor – Aqueles que O adoram continuamente. No contexto do templo, os levitas; hoje, todos os que creem.
- Casa do Senhor – O templo em Jerusalém, símbolo da presença de Deus. No Novo Testamento, representa o povo de Deus.
- Levantar as mãos – Símbolo de adoração, rendição e expectativa. Expressa a atitude interior do adorador.
- Sião – Lugar da habitação divina. Aponta para a igreja e para a Jerusalém celestial.
- Criador dos céus e da terra – Título que destaca o poder soberano de Deus sobre toda a criação.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 134
- A adoração não é limitada ao templo – Deus é digno de louvor em todo lugar e a qualquer hora. Como em Salmos 113:3: “Do nascente ao poente, seja louvado o nome do Senhor”.
- Nosso serviço, mesmo no anonimato, é adoração – Os levitas da noite não eram vistos, mas Deus via. Isso me lembra que até os gestos mais simples de fidelidade são sagrados.
- Erguer as mãos pode ser mais do que tradição – É um gesto que comunica confiança e reverência. Uma forma de dizer: “Senhor, preciso de Ti”.
- A bênção de Deus é real e pessoal – O uso do pronome “te” no original mostra isso. Ele nos abençoa individualmente.
- Jesus é o nosso novo Sião – Nele recebemos todas as bênçãos espirituais (Efésios 1:3). Ele é o lugar onde encontramos o favor de Deus.
- Depois da adoração, vem a missão – Assim como os peregrinos voltavam para casa com a bênção, nós também devemos sair do culto levando a presença de Deus ao mundo.
Conclusão
O Salmo 134 encerra a jornada dos cânticos de romagem com um gesto simples, mas profundo: louvor e bênção. Ele nos lembra que o culto não termina quando saímos do templo. A verdadeira adoração nos acompanha no caminho de volta. Deus deseja que O bendigamos com constância e que levemos Sua bênção onde formos.
Ao final de cada tempo na presença de Deus, seja em comunidade ou a sós, precisamos sair como os peregrinos: cheios da bênção daquele que fez os céus e a terra. A adoração continua. A missão também.
Referências
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1441–1448.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 721–722.