O Salmo 22 é um dos textos mais profundos do Antigo Testamento, combinando lamento e esperança. Escrito por Davi, descreve o sofrimento intenso de um justo que se sente abandonado por Deus. Suas palavras, citadas por Jesus na cruz (Mateus 27:46), apontam para o cumprimento profético da paixão do Messias.
O salmo divide-se em duas partes principais. A primeira (versículos 1-21) expressa angústia, rejeição e perseguição. A segunda (versículos 22-31) anuncia a restauração e a adoração universal ao Senhor. Ross destaca que esse salmo transcende a experiência pessoal de Davi, revelando aspectos essenciais da redenção messiânica (ROSS, 1985, p. 794).
Este estudo analisa o contexto histórico do Salmo 22, sua estrutura literária e suas conexões com o Novo Testamento, além de explorar suas aplicações espirituais para os dias atuais.
Esboço de Salmos 22 (Sl 22)
I. O Clamor de Desamparo (Sl 22:1-5)
A. O grito de abandono (Sl 22:1-2)
B. A confiança dos antepassados em Deus (Sl 22:3-5)
II. A Humilhação e o Sofrimento do Justo (Sl 22:6-13)
A. O desprezo e a zombaria do povo (Sl 22:6-8)
B. A lembrança da proteção divina desde o nascimento (Sl 22:9-10)
C. A solidão diante da aflição (Sl 22:11-13)
III. A Agonia Física e a Oposição dos Ímpios (Sl 22:14-21)
A. O sofrimento físico e emocional (Sl 22:14-15)
B. O cerco dos inimigos e a profecia messiânica (Sl 22:16-18)
C. O apelo urgente por livramento (Sl 22:19-21)
IV. A Resposta de Deus e a Vitória da Fé (Sl 22:22-26)
A. O louvor diante da congregação (Sl 22:22-23)
B. O cuidado de Deus pelos aflitos (Sl 22:24-25)
C. A provisão e a adoração dos que buscam ao Senhor (Sl 22:26)
V. O Reconhecimento do Senhor entre as Nações (Sl 22:27-31)
A. A adoração universal ao Senhor (Sl 22:27-28)
B. A submissão de todas as gerações ao domínio de Deus (Sl 22:29-31)
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Contexto histórico e teológico do Salmo 22
O Salmo 22, escrito por Davi, é um dos textos mais notáveis do Antigo Testamento devido ao seu caráter profundamente messiânico. A tradição judaica e cristã reconhecem que, embora expresse as aflições do próprio salmista, sua mensagem transcende sua experiência pessoal, apontando para o sofrimento de Cristo na cruz.
John H. Walton destaca que esse salmo reflete a estrutura de uma lamentação individual, um gênero literário frequente nos Salmos, no qual o autor expõe sua dor e angústia, buscando socorro divino (WALTON, 2018, p. 682).
O cenário histórico do Salmo 22 permanece incerto, mas é possível que tenha sido escrito durante um período de intensa perseguição na vida de Davi, seja na fuga de Saul ou em meio às conspirações de seus inimigos. No entanto, a precisão com que descreve os eventos da crucificação de Jesus, ocorrida cerca de mil anos depois, aponta para sua inspiração profética.
Hernandes Dias Lopes observa que este salmo faz parte de uma trilogia messiânica, sendo o primeiro a apresentar Cristo como Salvador, seguido pelo Salmo 23, que o descreve como o Bom Pastor, e pelo Salmo 24, que o exalta como Rei Soberano (LOPES, 2022, p. 249).
I. O clamor do justo abandonado (Sl 22:1-5)
O salmo começa com um grito angustiante:
“Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Sl 22:1).
Essas palavras foram proferidas por Jesus na cruz (Mt 27:46), revelando o profundo senso de abandono experimentado pelo Messias ao carregar sobre si o pecado da humanidade. Charles Spurgeon enfatiza que esse desamparo não se trata de uma perda de fé, mas da realidade do juízo divino sendo derramado sobre Cristo como nosso substituto (SPURGEON, 2006, p. 214).
O salmista prossegue relatando sua oração incessante e a aparente ausência de resposta divina:
“Meu Deus! Eu clamo de dia, mas não respondes; de noite, e não recebo alívio!” (Sl 22:2).
Entretanto, ele reafirma a santidade de Deus e sua fidelidade aos antigos:
“Em ti os nossos antepassados puseram a sua confiança; confiaram, e os livraste” (Sl 22:4).
Derek Kidner observa que essa tensão entre o desespero inicial e a confiança na fidelidade de Deus marca a estrutura do salmo, refletindo a oscilação entre dor e esperança (KIDNER, 1981, p. 105).
II. O sofrimento e a zombaria do Messias (Sl 22:6-18)
O tom de sofrimento se intensifica quando Davi se descreve como um verme, rejeitado pelos homens:
“Mas eu sou verme, e não homem, motivo de zombaria e objeto de desprezo do povo” (Sl 22:6).
A zombaria daqueles que presenciam seu sofrimento é registrada nos versículos 7 e 8, cumprindo-se exatamente na cena da crucificação (Mt 27:39-43).
A descrição de sua dor física torna-se ainda mais gráfica:
“Perfuraram minhas mãos e meus pés” (Sl 22:16).
Essa frase é uma das evidências mais claras da antecipação profética da crucificação, um método de execução desconhecido na época de Davi. Hernandes Dias Lopes destaca que Davi nunca passou por esse tipo de sofrimento, indicando que o salmo aponta exclusivamente para Cristo (LOPES, 2022, p. 253).
O salmo também menciona o sorteio de suas vestes:
“Dividiram as minhas roupas entre si, e tiraram sortes pelas minhas vestes” (Sl 22:18).
Esse detalhe é registrado em João 19:23-24, mostrando o cumprimento exato da profecia.
III. O clamor por livramento e a resposta divina (Sl 22:19-21)
No ponto mais profundo de sua aflição, o salmista clama por livramento:
“Tu, porém, Senhor, não fiques distante! Ó minha força, vem logo em meu socorro!” (Sl 22:19).
Aqui, há um apelo direto à proximidade de Deus, contrastando com o abandono descrito no início do salmo. O pedido para ser salvo dos “cães”, “leões” e “touros selvagens” reforça a ideia de inimigos impiedosos que o cercam, representando a violência contra o justo.
Esse clamor se cumpre na ressurreição de Cristo, quando Deus reverte sua aparente derrota em triunfo. Hernandes Dias Lopes observa que essa súplica marca uma transição essencial: do sofrimento extremo para a certeza da vitória divina, apontando para a glorificação do Messias e o impacto redentor de sua obra (LOPES, 2022, p. 255).
A resposta divina a essa oração não acontece de forma imediata, mas traz um desfecho glorioso. No contexto da cruz, Jesus também clamou ao Pai, e sua ressurreição prova que Deus não o desamparou. Esse trecho ensina que, mesmo no sofrimento, a fidelidade de Deus prevalece.
IV. A exaltação do Messias e o impacto universal (Sl 22:22-31)
Após a intensa descrição de sofrimento, o salmo assume um tom triunfante. O salmista declara:
“Proclamarei o teu nome a meus irmãos; na assembleia te louvarei” (Sl 22:22).
Essa mudança de perspectiva indica que Deus ouviu sua oração e trouxe libertação. No Novo Testamento, esse versículo é citado em Hebreus 2:12, conectando-o à obra redentora de Cristo e à comunhão entre Ele e os que foram salvos.
A mensagem do salmo não se limita a Israel. A promessa se estende a todas as nações:
“Todos os confins da terra se lembrarão e se voltarão para o Senhor, e todas as famílias das nações se prostrarão diante dele” (Sl 22:27).
Essa passagem antecipa o alcance universal da salvação, cumprido na Grande Comissão (Mateus 28:19). Derek Kidner observa que essa transformação do sofrimento para a exaltação aponta para o Reino Messiânico, onde Cristo será reconhecido por todas as gerações (KIDNER, 1981, p. 108).
Além da ressurreição, o salmo encerra-se com a certeza de que a obra de Deus será anunciada ao longo das eras. O versículo 31 enfatiza que um povo ainda não nascido ouvirá sobre a justiça do Senhor. Essa profecia se cumpre na expansão do cristianismo, que atravessa os séculos proclamando a vitória do Messias.
Cumprimento das profecias
O Salmo 22 é um dos textos mais citados no Novo Testamento em relação à paixão de Cristo. João Calvino enfatiza que Davi, inspirado pelo Espírito Santo, descreve os sofrimentos de Cristo como se os estivesse vivenciando pessoalmente, antecipando a crucificação com detalhes impressionantes (CALVINO, 2009, p. 95).
Dentre os cumprimentos mais evidentes, podemos destacar:
- O clamor de abandono (Mt 27:46).
- A zombaria dos inimigos (Mt 27:39-43).
- A perfuração das mãos e pés (Jo 20:25-27).
- O sorteio das vestes (Jo 19:23-24).
- A proclamação do nome de Deus aos irmãos (Hb 2:12).
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 22
- “Verme” (Sl 22:6) – Representa a extrema humilhação de Cristo, que se esvaziou completamente (Fp 2:7-8).
- “Cães” (Sl 22:16,20) – Simbolizam os gentios e seus algozes.
- “Leão” (Sl 22:13,21) – Representa o poder destruidor dos inimigos do Messias.
- “Dividiram minhas roupas” (Sl 22:18) – Um ato de desprezo que simboliza o total despojamento de Cristo na cruz.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 22
- A dor do abandono é real, mas Deus está presente – Cristo experimentou o abandono para que jamais fôssemos separados de Deus.
- O sofrimento pode nos aproximar de Deus – Assim como o Messias clamou ao Pai, devemos buscar o Senhor nos momentos difíceis.
- Deus transforma dor em glória – A cruz precede a ressurreição. Nossos sofrimentos podem ser o caminho para uma vitória maior.
- O Evangelho é para todas as nações – O Salmo 22 aponta para a expansão do Reino de Deus a todos os povos.
- Jesus cumpriu cada detalhe da profecia – Isso fortalece nossa fé na veracidade das Escrituras e na soberania de Deus.
Conclusão
O Salmo 22 é um dos textos mais impactantes do Antigo Testamento, pois apresenta uma descrição vívida do sofrimento e da vitória do Messias. Ele revela não apenas o abandono e dor de Cristo na cruz, mas também sua exaltação e o alcance universal de sua obra redentora.
Como afirmou Charles Spurgeon, “este é o salmo da cruz”, e nele encontramos não apenas o sofrimento de Cristo, mas também a esperança da redenção para todos os que confiam nele (SPURGEON, 2006, p. 215).