O Salmo 67, ainda que anônimo, carrega profundas marcas do espírito missionário da fé israelita. Seu contexto aponta para um período de bênçãos espirituais e materiais sobre Israel, que provocava um anseio legítimo de ver as nações ao redor também participando da salvação divina.
É possível que este salmo fosse cantado durante uma das festas das colheitas, como a Festa das Semanas (Pentecostes) ou a Festa dos Tabernáculos, onde o povo reconhecia a bondade de Deus pela provisão da terra e orava para que as bênçãos alcançassem todas as nações (LOPES, 2022, p. 711).
Sua estrutura remete à bênção sacerdotal de Números 6:24-26 e ecoa as promessas feitas a Abraão em Gênesis 12:1-3. O tema central do salmo é o desejo de que a misericórdia de Deus sobre Israel seja uma ponte para a salvação das demais nações. Ele apresenta, em forma de oração e louvor, o ideal teológico da missão: Deus abençoa seu povo para que, por meio dele, todas as famílias da terra o conheçam e o temam.
Essa perspectiva encontra paralelo na expectativa messiânica que se desenvolveria no Antigo Testamento, culminando na inclusão dos gentios no plano de redenção. O salmo antecipa o reino universal de Deus e serve como ponte entre a teologia do Antigo e do Novo Testamento.
Pedido por misericórdia e bênção (Sl 67:1)
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“Que Deus tenha misericórdia de nós e nos abençoe, e faça resplandecer o seu rosto sobre nós. Pausa”
O salmo se inicia com uma súplica que ecoa diretamente a bênção de Números 6. O povo pede graça, bênção e a presença manifesta de Deus. Walton observa que o resplendor do rosto divino é, em várias tradições antigas, algo perigoso, mas aqui é sinal de favor e consolo (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 698).
Ao ler este verso, percebo que a comunidade de fé não busca apenas proteção ou prosperidade, mas deseja experimentar a face sorridente de Deus, seu favor visível, seu cuidado íntimo. A “Pausa” sugere meditação e reverência — é como se o salmista dissesse: não prossiga antes de contemplar a profundidade desse pedido.
Propósito missionário da bênção (Sl 67:2)
“para que sejam conhecidos na terra os teus caminhos, a tua salvação entre todas as nações.”
O versículo mostra o propósito claro da bênção: alcançar os povos. A graça recebida não pode ser retida. Israel entende que foi escolhido não para exclusividade, mas para serviço. A salvação que experimenta deve ser proclamada.
Ao refletir nesse verso, vejo o chamado missionário da Igreja: ser bênção e tornar os caminhos de Deus conhecidos em todos os lugares. A salvação não pode ser um tesouro escondido. Assim como Israel, eu, como cristão, sou chamado a irradiar a bondade de Deus por onde passo.
Convocação ao louvor universal (Sl 67:3,5)
“Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te todos os povos.”
Essa repetição, nos versos 3 e 5, funciona como estribilho. Um convite insistente e esperançoso. Calvino observa que a duplicação e repetição expressam algo novo e extraordinário: a convocação de todos os povos para louvar a Deus (CALVINO, 2009, p. 617).
Esse chamado universal reforça que a adoração não pertence apenas a Israel, mas deve alcançar os confins da terra. Ao ler, percebo que a verdadeira espiritualidade deseja multiplicar-se. Quem foi alcançado pela graça quer ver outros também alcançados.
Alegria e reconhecimento do governo divino (Sl 67:4)
“Exultem e cantem de alegria as nações, pois governas os povos com justiça e guias as nações na terra. Pausa”
Este verso é central no salmo. Ele explica por que as nações devem se alegrar: Deus governa com justiça. Seu governo não é opressivo, mas reto e cheio de sabedoria. Hernandes Dias Lopes destaca que essa justiça é a base do louvor e da confiança dos povos (LOPES, 2022, p. 715).
Spurgeon ilustra que Deus guia as nações como um pastor conduz seu rebanho, trazendo paz e prosperidade (LOPES, 2022, p. 716). Ao ler este verso, sou confrontado com o tipo de alegria que vem não da política, mas da presença do Rei justo. A alegria verdadeira nasce da justiça de Deus.
Provisão divina e bênção futura (Sl 67:6–7)
“Que a terra dê a sua colheita, e Deus, o nosso Deus, nos abençoe! Que Deus nos abençoe, e o temam todos os confins da terra.”
Esses últimos versos concluem com esperança e visão profética. A colheita representa bênção material, e é usada como símbolo da bênção espiritual que se estende às nações.
Calvino observa que a prosperidade de Israel era uma “luz diante dos olhos do mundo”, atraindo os gentios ao temor do Senhor (CALVINO, 2009, p. 619). Aqui, a colheita não é o fim, mas o início do testemunho global. Eu aprendo que, quando Deus abençoa seu povo, Ele deseja que essa bênção reverbere até alcançar os povos distantes. A prosperidade tem uma finalidade missionária.
Cumprimento das profecias
O Salmo 67 antecipa a missão universal da Igreja. Sua linguagem aponta diretamente para o cumprimento da promessa feita a Abraão: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3). Ele encontra eco em passagens como Mateus 28:19-20, quando Jesus envia seus discípulos a todas as nações.
A ideia de todas as nações louvarem a Deus aparece em Apocalipse 7:9-10, onde uma multidão de todas as tribos, línguas, povos e nações louvam diante do trono. Assim, o salmo não apenas profetiza, mas antecipa a realidade plena do Reino de Deus em Cristo.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 67
- “Fazer resplandecer o rosto” – É uma figura que aponta para o favor e o prazer de Deus. Walton comenta que essa imagem era usada em culturas antigas como expressão de aceitação e poder (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 698).
- “A terra deu seu fruto” – Representa não apenas provisão agrícola, mas o favor completo de Deus sobre seu povo. No contexto da aliança, era sinal de bênção espiritual (LOPES, 2022, p. 717).
- “Confins da terra” – Expressão que remete à abrangência universal do Reino de Deus. Aparece diversas vezes nos Salmos (65:5; 66:4; 67:7) como reforço ao propósito missionário.
- “Governas os povos com justiça” – Uma referência ao reinado de Deus que julga com retidão. Não é um governo político humano, mas espiritual, baseado na verdade de sua Palavra (CALVINO, 2009, p. 618).
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 67
- Deus nos abençoa para que sejamos bênção – A bênção nunca tem fim em si mesma. Ela sempre aponta para uma responsabilidade maior. Quando sou abençoado, devo pensar em quem será alcançado por meio de mim.
- A missão é uma consequência natural da graça recebida – Assim como Israel foi chamado para testemunhar às nações, nós, como cristãos, somos chamados a proclamar a salvação com nossas palavras e atitudes.
- O mundo só encontrará verdadeira alegria debaixo do governo de Deus – Mudanças políticas não garantem paz. A verdadeira justiça e alegria vêm quando as nações se curvam ao Rei justo.
- A adoração deve ser universal e pública – O desejo do salmista é que todos os povos louvem a Deus. Isso reforça nosso chamado missionário e a centralidade da adoração na vida cristã.
- A presença de Deus é a maior bênção – Ter o rosto de Deus resplandecendo sobre mim é maior do que qualquer bênção material. A busca por sua presença deve ser contínua.
- As bênçãos espirituais e materiais andam juntas na aliança – A colheita farta é símbolo da fidelidade de Deus, mas também do nosso chamado à obediência e ao testemunho entre as nações.
Conclusão
O Salmo 67 é uma joia missionária entre os salmos. Curto em extensão, mas profundo em alcance, ele nos desafia a pensar além de nós mesmos. Ao ler este salmo, eu percebo que a graça de Deus recebida em minha vida deve gerar um movimento para fora, um clamor para que todos conheçam o Senhor.
Ele começa com um pedido de misericórdia e termina com uma visão gloriosa: todos os confins da terra temendo ao Deus de Israel. O salmo nos convida a viver com propósito, a adorar com visão e a evangelizar com esperança. Que Deus nos abençoe — e que, por meio de nós, todos os povos louvem o seu nome.
Referências
- CALVINO, João. Salmos. Org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho, e Francisco Wellington Ferreira. Trad. Valter Graciano Martins. Primeira Edição. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 2, p. 616–619.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus. Org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 711–719.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 698.