O Salmo 68 é um dos hinos mais majestosos e teologicamente densos do Saltério. A autoria é atribuída a Davi, conforme o título hebraico. Embora não haja um episódio exato que o situe, o conteúdo sugere uma celebração da presença de Deus com Israel ao longo de sua história, desde o Êxodo até a instalação da arca em Jerusalém.
Alguns estudiosos associam esse salmo à ocasião em que Davi trouxe a arca da aliança para o monte Sião, conforme registrado em 2 Samuel 6.
O salmo possui elementos de triunfo, guerra, libertação, adoração e vitória. Ele mescla linguagem poética com imagens poderosas da caminhada de Israel desde o deserto até o estabelecimento de Deus em Sião. Teologicamente, o texto exalta a soberania de Deus sobre as nações e sua fidelidade para com o povo oprimido. Ele mostra Deus como um guerreiro divino, defensor dos fracos, e Rei entronizado entre seu povo.
João Calvino resume bem a grandeza desse salmo ao afirmar que “ele celebra a gloriosa libertação de Israel por Deus e seu domínio soberano estabelecido em Jerusalém” (CALVINO, 2009, p. 234). Hernandes Dias Lopes destaca que “este é um salmo de vitória, no qual Davi celebra o Deus que guia, protege e governa o seu povo” (LOPES, 2022, p. 498).
Deus se levanta para julgar e salvar (Sl 68:1–6)
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“Que Deus se levante! Sejam espalhados os seus inimigos, fujam dele os seus adversários.” (v. 1)
Davi começa com um apelo à ação divina, evocando as palavras de Moisés em Números 10:35. Esse clamor é um pedido para que Deus intervenha, julgando os ímpios e exaltando os justos. A imagem da fumaça que se dissipa (v. 2) e da cera que derrete reforça a fragilidade dos inimigos diante da presença santa de Deus.
Em contraste, os justos se alegram (v. 3). A alegria deles não vem de circunstâncias favoráveis, mas da certeza da presença de Deus. Ele é exaltado como aquele que cavalga sobre as nuvens (v. 4), imagem típica de realeza divina.
Nos versículos 5 e 6, Davi descreve Deus como Pai dos órfãos, defensor das viúvas e libertador dos cativos. A menção de que os rebeldes vivem em terra árida reforça o juízo sobre os que rejeitam o Senhor.
A marcha triunfal pelo deserto (Sl 68:7–10)
“Quando saíste à frente do teu povo, ó Deus, quando marchaste pelo ermo…” (v. 7)
O salmista revisita o Êxodo. Deus marcha com seu povo pelo deserto, e sua presença faz a terra tremer e os céus derramarem chuva (v. 8). A referência ao Sinai aponta para o pacto divino. Deus provê chuvas generosas e sustento para os pobres (v. 9–10), mostrando seu cuidado durante a jornada.
Como cristão, eu aprendo que Deus não apenas guia, mas também provê. Mesmo no deserto, Ele supre.
O anúncio da vitória e a partilha dos despojos (Sl 68:11–14)
“O Senhor anunciou a palavra, e muitos mensageiros a proclamavam.” (v. 11)
O anúncio divino desencadeia ação. As mulheres que proclamam a vitória fazem parte do coro da celebração (v. 11), indicando que a vitória de Deus envolve todo o povo. Os reis fogem e os despojos são repartidos (v. 12).
A imagem da pomba recoberta de prata (v. 13) sugere beleza, riqueza e paz após a batalha. Já o monte Zalmom (v. 14), coberto de neve, aponta para a grandeza da vitória divina.
O monte escolhido por Deus (Sl 68:15–18)
“Por que, ó montes escarpados, estão com inveja do monte que Deus escolheu para sua habitação?” (v. 16)
Davi destaca que, entre todos os montes majestosos, Deus escolheu Sião para habitar. Os montes de Basã, altos e imponentes, ficam em contraste com o monte Sião, menor em altura, mas exaltado pela escolha divina.
No verso 17, Davi contempla os carros de Deus, milhares de milhares, uma imagem do poder celestial que acompanha o povo. O verso 18, citado por Paulo em Efésios 4:8, destaca a ascensão de Deus às alturas, levando cativos e recebendo dádivas.
Deus é Salvador diário (Sl 68:19–23)
“Bendito seja o Senhor, Deus, nosso Salvador, que cada dia suporta as nossas cargas.” (v. 19)
O salmista louva a Deus por seu cuidado contínuo. Ele não é apenas Salvador em tempos de crise, mas todos os dias. Deus salva da morte (v. 20) e derrota os inimigos (v. 21).
Nos versículos 22 e 23, imagens fortes surgem: Deus trará seu povo até mesmo do fundo do mar para participar da vitória. O sangue dos inimigos será evidência da justiça divina.
A procissão santa (Sl 68:24–27)
“Já se vê a tua marcha triunfal, ó Deus…” (v. 24)
Aqui Davi celebra uma procissão litúrgica, provavelmente a entrada da arca em Jerusalém. Músicos, cantores e jovens com tamborins lideram o cortejo. Há uma atmosfera de adoração e unidade.
Benjamim, Judá, Zebulom e Naftali são mencionadas (v. 27), representando a união do povo. A adoração não é apenas espiritual, mas nacional e histórica.
Chamado à adoração universal (Sl 68:28–31)
“Cantem a Deus, reinos da terra, louvem o Senhor…” (v. 32)
Davi ora para que Deus manifeste seu poder e repreenda as nações beligerantes (v. 30). Egito e Etiópia são mencionados como representantes da conversão dos gentios (v. 31), uma antecipação da missão universal de Deus.
Louvor final ao Deus soberano (Sl 68:32–35)
“Proclamem o poder de Deus!” (v. 34)
O salmo se encerra com um clamor para que toda a terra louve o Deus que cavalga os céus antigos e troveja com voz poderosa. Deus é temível no santuário (v. 35), mas também dá força e poder ao seu povo.
Cumprimento das profecias
O Salmo 68 possui pelo menos uma referência direta ao Novo Testamento. Em Efésios 4:8, Paulo cita o versículo 18 para explicar a ascensão de Cristo: “Quando ele subiu em triunfo às alturas, levou cativos muitos prisioneiros e deu dons aos homens”. No contexto paulino, a ascensão de Jesus representa sua vitória sobre a morte, o pecado e Satanás, distribuindo dons espirituais à igreja.
Além disso, o chamado para que as nações adorem a Deus (v. 32–33) antecipa o cumprimento da Grande Comissão, registrada em Mateus 28:19–20, onde Cristo envia seus discípulos a todas as nações. A menção da Etiópia e Egito entregando tesouros (v. 31) ecoa visões proféticas como as de Isaías 19, que retratam a conversão dos gentios.
Significado dos nomes e simbolismos
- Monte Sião – Local da habitação de Deus, símbolo de eleição divina. Não pela sua altura, mas pelo favor de Deus.
- Carros de Deus – Representam o exército celestial, indicando poder ilimitado e proteção divina.
- Ascensão às alturas – Simboliza o triunfo sobre os inimigos. Em Efésios, é aplicada à ascensão de Cristo.
- Pomba com asas de prata – Imagem de paz, riqueza e glória após a vitória.
- Rebeldes em terra árida – Representam os que rejeitam a Deus e vivem sem vida espiritual.
- Fera entre os juncos – Símbolo de nações hostis, que devem ser dominadas pela soberania divina.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 68
- Deus se levanta em favor do seu povo – Ele julga os ímpios e protege os justos, como fez no Êxodo.
- A presença de Deus transforma o deserto – Mesmo nas jornadas áridas da vida, Ele provê sustento e direção.
- A adoração envolve todo o povo – Homens, mulheres, jovens e anciãos participam da procissão de louvor.
- Deus é Salvador diário – Ele não salva apenas no passado, mas continua a carregar nossas cargas hoje.
- Cristo é o cumprimento da vitória divina – Sua ascensão é o ápice do movimento de Deus descrito por Davi.
- As nações pertencem a Deus – A missão de Deus é global. Todas as culturas devem ser alcançadas.
- A habitação de Deus está entre nós – Hoje, Ele habita na igreja, por meio do Espírito Santo.
Conclusão
O Salmo 68 é um hino triunfal que celebra a fidelidade de Deus ao seu povo em todas as épocas. Desde o deserto até Jerusalém, do Êxodo à entronização, Davi nos mostra que Deus guia, protege, salva e reina. Ele não é apenas um Deus do passado, mas o Salvador presente, que continua se manifestando na história.
Ao ler este salmo, eu sou lembrado de que a minha vida é parte de uma marcha santa. Deus ainda cavalga sobre as nuvens, ainda salva, ainda sustenta. E um dia, toda a terra se curvará diante dele.
Referências
- CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1.