O Salmo 81 é atribuído a Asafe, um dos principais líderes musicais da época de Davi, citado em 1 Crônicas 15:17-19. Ele atuava com os levitas na condução da adoração no tabernáculo, compondo salmos com forte ênfase teológica e exortativa. Neste salmo, Asafe convida o povo à adoração, mas também os exorta a lembrar da fidelidade de Deus e da responsabilidade da aliança.
O pano de fundo provável é a Festa das Trombetas, mencionada em Levítico 23:23-25, que ocorria no primeiro dia do sétimo mês, abrindo o ciclo das festas de outono. Essa festividade apontava para o juízo e arrependimento, culminando no Dia da Expiação e, em seguida, na Festa dos Tabernáculos.
Segundo Hernandes Dias Lopes, “esse salmo interpreta para o povo o significado das lições práticas das observâncias cerimoniais” (LOPES, 2022, p. 881). Ele alerta contra o formalismo religioso vazio, que pode substituir a essência da adoração. Calvino, por sua vez, destaca que “as assembleias são sem proveito se a voz de Deus não for ouvida” (CALVINO, 2009, p. 298).
O Salmo 81 reflete essa tensão entre celebração e apatia espiritual. Começa com música e alegria, mas logo se transforma num apelo à obediência e num lamento pela rebeldia do povo.
1. Celebração festiva e ordenada (Sl 81:1–5)
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“Cantem de alegria a Deus, nossa força; aclamem o Deus de Jacó!” (v. 1)
O salmo começa com um convite vibrante ao louvor. O uso de instrumentos como tamborim, lira, harpa e trombetas mostra que o culto deveria ser alegre, solene e coletivo. O versículo 3 menciona a lua nova e a lua cheia, indicando a conexão com o calendário litúrgico de Israel. Segundo John H. Walton, essas expressões remetem ao ciclo da Festa dos Tabernáculos, uma das mais importantes celebrações do povo (WALTON et al., 2018, p. 704).
Ao ler esse trecho, eu me lembro que a adoração verdadeira é mais do que música: é memória e resposta. O culto nos convida a lembrar o que Deus fez e a renovar nosso compromisso com Ele. Como vimos também em Salmo 95, o louvor deve sempre vir acompanhado da escuta atenta da voz de Deus.
Calvino afirma que “não podiam ficar mudos no tabernáculo, visto que o serviço divino não consistia em cerimônias frias e vazias” (CALVINO, 2009, p. 298). A intenção de Deus sempre foi que o povo adorasse com coração sincero, e não apenas com gestos exteriores.
2. O livramento divino no passado (Sl 81:6–7)
“Tirei o peso dos seus ombros; suas mãos ficaram livres dos cestos de cargas.” (v. 6)
Nesta seção, Deus relembra a libertação do Egito. Ele tirou Israel da opressão, ouviu seu clamor e respondeu com poder. A expressão “do esconderijo dos trovões” remete à manifestação divina no Sinai, onde Deus falou em meio ao trovão (Êx 19:16-19). Segundo Walton, o trovão aqui simboliza o “arsenal do Guerreiro Divino” (WALTON et al., 2018, p. 705).
Calvino observa que “Deus não era visível face a face, mas o trovão era uma clara indicação de sua secreta presença” (CALVINO, 2009, p. 298). A menção a Meribá também é significativa. Ali, Israel murmurou por água, mesmo após tantos sinais da presença de Deus (Êxodo 17).
Essa lembrança histórica me desafia. Como cristão, eu aprendo que não devo esquecer do que Deus já fez por mim. A memória da graça passada é combustível para a obediência no presente.
3. Exortação e desobediência (Sl 81:8–12)
“Ouça, meu povo, as minhas advertências; se tão-somente você me escutasse, ó Israel!” (v. 8)
Aqui o tom do salmo muda. O Senhor apela diretamente ao povo, pedindo que ouçam sua voz e rejeitem os deuses estrangeiros (v. 9). Este mandamento ecoa o primeiro da aliança em Êxodo 20:3: “Não terás outros deuses além de mim”.
Infelizmente, o povo não quis obedecer. Como resultado, Deus os entregou à teimosia do próprio coração (v. 12). Essa é uma das formas mais graves de juízo divino. Calvino escreve: “não existe praga mais mortífera do que os homens serem deixados ao comando de seus próprios conselhos” (CALVINO, 2009, p. 299).
Esse trecho me leva a refletir sobre quantas vezes também resisti à voz de Deus. Rejeitar a Palavra é sempre o primeiro passo para o desastre espiritual, como também se vê em Salmo 106, onde a infidelidade de Israel é relatada em detalhes.
4. A promessa que não se cumpriu (Sl 81:13–16)
“Se o meu povo apenas me ouvisse…” (v. 13)
O salmo termina com um lamento carregado de ternura. Deus revela o que teria feito se Israel o tivesse obedecido: abateria seus inimigos (v. 14), traria paz e respeito entre as nações (v. 15), e os sustentaria com o melhor trigo e o mel da rocha (v. 16).
Segundo Hernandes Dias Lopes, essa seção mostra o contraste entre o que foi e o que poderia ter sido. Ele diz: “a diferença estava toda na questão da obediência” (LOPES, 2022, p. 881). Calvino reforça: “o povo deliberadamente renunciou de vez todo seu estado de felicidade” (CALVINO, 2009, p. 299).
O “mel da rocha” é uma figura belíssima da provisão divina. Walton explica que esse mel se refere ao encontrado em colmeias formadas em fendas das rochas, simbolizando abundância vinda de onde não se espera (WALTON et al., 2018, p. 705). Como também ocorre em Deuteronômio 32:13, Deus quer alimentar seu povo com o melhor — basta que o obedeçam.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 81 não traga uma profecia messiânica direta, ele ecoa temas centrais que se cumprem plenamente em Cristo. A libertação do Egito aponta para a redenção em Jesus. Ele é o verdadeiro Libertador, que nos tirou da escravidão do pecado (João 8:36).
O chamado à obediência lembra o que é dito em Hebreus 3:15: “Hoje, se ouvirem a sua voz, não endureçam o coração”. Cristo também é a Rocha da qual fluem as águas vivas (1Co 10:4), e seu evangelho é o verdadeiro mel — doce, abundante, salvador.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 81
- Deus de Jacó – Título da aliança. Mostra que Deus é fiel, mesmo quando o povo falha.
- Trombeta – Símbolo de anúncio, chamado ao arrependimento e à renovação da aliança.
- Meribá – Lugar de prova e murmuração. Símbolo da incredulidade do povo.
- Mel da rocha – Provisão extraordinária. Doçura espiritual que vem da graça.
- Coração obstinado – Expressão da rebelião interna que impede a obediência.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 81
- A adoração verdadeira começa com a memória da redenção – Não podemos louvar a Deus sem lembrar do que Ele fez por nós.
- Ouvir a voz de Deus é mais importante que cantar – A adoração que agrada ao Senhor começa pela obediência.
- A incredulidade fecha portas que a obediência abriria – Há bênçãos que Deus deseja dar, mas que são impedidas por nossa teimosia.
- O maior juízo de Deus é deixar-nos seguir nosso próprio caminho – A disciplina é graça; a permissividade é juízo.
- Deus continua oferecendo trigo e mel – Em Cristo, temos acesso à plenitude da provisão divina, como se lê em Filipenses 4:19.
- O lamento de Deus é real – Ele deseja o nosso bem mais do que nós mesmos.
Conclusão
O Salmo 81 começa com festa e termina com um lamento divino. Ele nos ensina que adoração verdadeira não se resume a som e instrumentos, mas exige escuta, obediência e resposta. Deus ainda chama seu povo a abrir a boca para ser cheio do trigo e do mel. A história de Israel serve como espelho para a Igreja hoje. A escolha continua: resistir ou obedecer. Como cristão, eu aprendo que viver de forma obediente é o caminho para experimentar o melhor de Deus.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 298–299.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 881.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 704–705.