O Salmo 45 é um salmo régio, com forte conotação messiânica. Ele foi escrito pelos filhos de Corá, um grupo de levitas responsáveis pela música e adoração no templo. O título o classifica como um “cântico de amor”, o que é incomum entre os salmos, pois normalmente associamos os salmos ao lamento, à sabedoria ou ao louvor direto a Deus.
Segundo o Comentário Histórico-Cultural da Bíblia, esse salmo se encaixa no contexto cultural do antigo Oriente Próximo, onde cerimônias nupciais reais envolviam canções compostas em honra ao rei. “Assim como a estela egípcia erigida em comemoração ao casamento de Ramsés II, o casamento retratado neste salmo é resultado de força militar — representa uma aliança política almejada em razão das vitórias militares do rei” (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 686).
Entretanto, a tradição cristã, desde Calvino, enxerga neste texto um cântico messiânico, apontando para a união entre Cristo e a Igreja. Spurgeon expressa isso de forma contundente ao afirmar que apenas os olhos espirituais “nitidamente focados veem aqui só Jesus, aquele que é maior do que Salomão” (LOPES, 2022, p. 495).
A beleza do Noivo glorioso (Sl 45:1–2)
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“Com o coração vibrando de boas palavras recito os meus versos em honra do rei; seja a minha língua como a pena de um hábil escritor.” (v. 1)
Ao ler este início, percebo a paixão do salmista. Seu coração “ferve”, como um caldeirão no fogo, pronto para derramar palavras em honra ao Rei. Esse Rei é mais do que um governante comum — é uma figura divina, gloriosa e digna da adoração mais elevada.
No verso 2, o louvor se intensifica: “És dos homens o mais notável; derramou-se graça em teus lábios, visto que Deus te abençoou para sempre.” Essa linguagem transcende qualquer rei terreno. Hernandes afirma que “esse elogio não pode ser adequadamente endereçado a nenhum homem, exceto Jesus Cristo, o Rei dos reis” (LOPES, 2022, p. 496).
O Noivo guerreiro e conquistador (Sl 45:3–5)
O salmo então apresenta o Noivo como um guerreiro poderoso. Com espada à cintura e majestade resplandecente, ele cavalga vitoriosamente “pela verdade, pela misericórdia e pela justiça” (v. 4). Isso me ensina que a batalha de Cristo não é como as dos reis humanos. Ele não veio para destruir, mas para redimir.
As flechas de Jesus são espirituais. Elas penetram corações, vencem resistências e transformam vidas. Ele conquista pela graça. Suas vitórias não são medidas por terras dominadas, mas por almas redimidas.
O trono eterno e justo do Noivo (Sl 45:6–7)
“O teu trono, ó Deus, subsiste para todo o sempre; cetro de justiça é o cetro do teu reino.” (v. 6)
Esse versículo é citado em Hebreus 1:8–9, aplicando diretamente ao Senhor Jesus. Aqui, vemos claramente a natureza divina do Noivo. Ele é chamado de Deus, e seu trono é eterno.
Hernandes observa que “os reinos deste mundo se levantam e caem, mas o reino de Cristo é eterno” (LOPES, 2022, p. 498). Como cristão, eu me alegro por fazer parte de um reino que não será abalado.
O verso 7 destaca a unção com “óleo de alegria”. Segundo o comentário histórico-cultural, essa unção real “representa Deus ungindo o rei e escolhendo-o para ocupar o trono” (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 687). Cristo foi ungido com alegria por ter amado a justiça e odiado a maldade.
As vestes e o palácio do Noivo (Sl 45:8–9)
Todas as imagens aqui são carregadas de simbolismo: mirra, aloés, cássia, marfim e ouro de Ofir. Essas substâncias eram usadas em rituais sagrados e reais. “As roupas do noivo estão cobertas das melhores e mais seletas fragrâncias” (LOPES, 2022, p. 499).
O palácio adornado de marfim aponta para a glória celestial. Segundo o comentário histórico-cultural, “a riqueza de uma nação geralmente era ostentada no palácio do rei — um sinal de poder e prestígio para o Estado” (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 687). Tudo isso aponta para a glória incomparável do Reino de Cristo.
A submissão e a beleza da Noiva (Sl 45:10–13)
A noiva é chamada a esquecer seu povo e sua casa. Isso representa o rompimento com o passado para assumir um novo relacionamento. Como cristão, aprendo aqui que seguir a Cristo exige renúncia. A igreja, resgatada dentre os gentios, é chamada à fidelidade total.
A beleza da noiva está em sua santidade. Cristo se agrada dela. Hernandes afirma que “sua santidade é sua formosura, e o Rei desejará a sua formosura” (LOPES, 2022, p. 501). Essa beleza não é superficial, mas espiritual.
A honra da Noiva diante das nações (Sl 45:12–13)
O salmo mostra que os povos trazem presentes à noiva. Isso indica a honra que a igreja passa a receber. Quando a igreja vive em santidade, ela atrai, ensina e influencia. Como diz Spurgeon, “uma igreja santa será uma igreja poderosa” (LOPES, 2022, p. 502).
O cortejo nupcial e a glória final (Sl 45:14–15)
O clímax é um cortejo alegre. A noiva é conduzida ao Rei, com vestes bordadas — símbolo da justiça de Cristo imputada a ela. É um momento de celebração, como o casamento do Cordeiro descrito em Apocalipse 19:6–9.
Derek Kidner observa que “o escoltar da noiva perante o Rei ressalta a ênfase do primeiro casamento, quando Deus ‘trouxe’ a mulher ao homem” (apud LOPES, 2022, p. 503). Tudo isso aponta para a consumação gloriosa da união entre Cristo e sua igreja.
Os herdeiros do trono (Sl 45:16)
A linhagem do Rei continua por meio dos filhos. Hernandes destaca que “nunca faltou ao Senhor um remanescente fiel, um luzeiro a brilhar, uma descendência santa” (LOPES, 2022, p. 503). Esses herdeiros somos nós, que fomos feitos reis e sacerdotes com Ele.
Essa promessa é reafirmada em Apocalipse 3:21: “ao que vencer, darei o direito de sentar-se comigo em meu trono”.
A glória eterna do Noivo (Sl 45:17)
O salmo termina com a exaltação do nome do Noivo por todas as gerações. A fama de Cristo não depende de propaganda humana. Spurgeon afirma: “É o Eterno que a garante, pois a sua promessa nunca falha” (LOPES, 2022, p. 504).
Cristo é o prazer do Pai, o tema da igreja e a glória do céu. Seu nome será celebrado para sempre.
Cumprimento das profecias
O Salmo 45 tem profundo valor messiânico. O autor de Hebreus, ao citar os versículos 6 e 7, confirma que o salmo fala de Cristo como o Rei eterno (Hb 1:8–9). Além disso, o casamento real é usado como símbolo da união de Cristo com a igreja, como em Efésios 5:25–27.
A linguagem usada — trono eterno, cetro de justiça, unção com alegria — é completamente aplicada a Jesus. O Apocalipse também confirma essa união em Apocalipse 21:1–2, ao apresentar a igreja como a noiva adornada para seu esposo.
Significado dos nomes e simbolismos
- Rei/Noivo – Figura de Cristo, o Messias. Ele é justo, eterno, glorioso, guerreiro e terno.
- Noiva – Representa a igreja, chamada à santidade e relacionamento exclusivo com o Rei.
- Mirra, aloés, cássia – Elementos usados em rituais sagrados, simbolizando a dignidade e santidade do Messias.
- Palácio de marfim – Representa a glória e nobreza do Reino celestial.
- Vestes de ouro – Simbolizam a justiça de Cristo imputada à igreja (cf. Is 61:10).
- Cortejo nupcial – Refere-se à consumação final da união entre Cristo e a igreja (2Co 11:2).
Lições espirituais e aplicações práticas
- Cristo é digno de louvor apaixonado – O salmista nos inspira a exaltar o Rei com todo o coração.
- Nosso Rei é justo, gracioso e eterno – Isso nos dá segurança para confiar e obedecer.
- A igreja é chamada à santidade e submissão – O relacionamento com Cristo exige ruptura com o mundo.
- A beleza espiritual atrai o Rei – Deus se agrada de uma vida pura e consagrada.
- A igreja será exaltada com Cristo – Seremos conduzidos à glória, como herdeiros do Reino.
- O nome de Jesus será exaltado para sempre – Nossa missão é proclamá-lo entre as nações.
Conclusão
O Salmo 45 é uma das expressões mais belas da esperança messiânica no Antigo Testamento. Ao falar de um Rei glorioso e uma noiva formosa, ele aponta diretamente para Cristo e sua igreja. A linguagem poética e os elementos culturais antigos ganham vida à luz do Novo Testamento.
Ao meditar neste salmo, eu compreendo o privilégio de pertencer ao Reino eterno de Jesus. Ele é formoso, justo e poderoso. Ele me resgatou, me vestiu com vestes de glória e me conduzirá, com alegria, à eternidade em seu palácio.
Referências
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 495–504.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução de Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018. p. 686–687.