O Salmo 66 é um hino de adoração que celebra o poder de Deus em livrar seu povo da aflição. Embora o autor não seja identificado, estudiosos como Hernandes Dias Lopes sugerem que os versos finais (vv. 13–20) podem ter sido escritos pelo rei Ezequias, após a resposta à sua oração durante a ameaça da Assíria (Is 37:14–20) (LOPES, 2022, p. 701).
João Calvino entende que, embora um livramento específico possa estar no pano de fundo, o salmo celebra as misericórdias contínuas de Deus ao longo da história de Israel, com ênfase no seu propósito santificador através da provação (CALVINO, 2009, p. 602).
Do ponto de vista teológico, o salmo mostra um Deus soberano sobre todas as nações, atento às ações humanas, que disciplina, purifica e salva. Ele começa com um chamado global ao louvor, passa por reflexões sobre os feitos de Deus na história de Israel e termina com um testemunho pessoal de resposta à oração. Esse movimento do coletivo para o individual é típico da espiritualidade hebraica e também da vida cristã, onde Deus age entre os povos e no coração de cada crente.
1. Louvor universal a Deus (Salmo 66:1–4)
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“Aclamem a Deus, povos de toda a terra!” (v. 1)
O salmista inicia com um apelo global: todos os povos são convocados a reconhecer a grandeza de Deus. Essa abertura universal indica que Deus não pertence apenas a Israel, mas é o Senhor de todas as nações. Para Calvino, trata-se de uma profecia da futura expansão do Reino de Deus, quando “todas as nações seriam mantidas sob seu governo” (CALVINO, 2009, p. 604). Isso ecoa o mesmo espírito de Salmo 100, também missionário e abrangente.
A exortação a cantar “louvores ao seu glorioso nome” (v. 2) sugere que o louvor deve ser majestoso, à altura da glória divina. O verso 3 reforça: “Quão temíveis são os teus feitos!” — a palavra “temíveis” aqui indica reverência diante do poder que até mesmo os inimigos reconhecem. Calvino observa que essa submissão dos inimigos é forçada e não voluntária, diferentemente dos filhos de Deus que o servem por amor (CALVINO, 2009, p. 604).
Por fim, o versículo 4 afirma: “Toda a terra te adora e canta louvores a ti” (v. 4). Lopes interpreta essa declaração como uma antecipação do dia em que todas as nações se curvarão diante do Senhor (LOPES, 2022, p. 703), como lemos também em Apocalipse 15:4.
2. As obras redentoras de Deus (Salmo 66:5–9)
“Venham e vejam o que Deus tem feito; como são impressionantes as suas obras em favor dos homens!” (v. 5)
Agora o salmista volta o olhar para a história. Ele convida os ouvintes a observarem os feitos de Deus, em especial a travessia do mar Vermelho e do rio Jordão (v. 6). Lopes observa que “o Êxodo se tornou para Israel o evento central da fé” (LOPES, 2022, p. 704), e aqui ele reaparece como memória fundadora.
Calvino interpreta essas ações como sinais de uma providência contínua: “Deus mostrou ser o eterno Salvador de seu povo” (CALVINO, 2009, p. 606). Essa lembrança deve mover os justos ao louvor, como também lemos em Salmo 105:1–5.
O versículo 7 afirma: “Ele governa para sempre com o seu poder; seus olhos vigiam as nações” (v. 7). Mesmo diante da rebeldia das nações, Deus mantém vigilância constante. Lopes destaca que se levantar contra Deus é “laborar em causa perdida” (LOPES, 2022, p. 705).
Nos versículos 8–9, o salmista convida os povos a bendizerem o Senhor, “foi ele quem preservou as nossas vidas” (v. 9). Como cristão, eu aprendo que minha vida e estabilidade não são fruto da sorte, mas do cuidado de um Deus atento, como também é ensinado em Salmo 121.
3. A purificação pela provação (Salmo 66:10–12)
“Pois tu, ó Deus, nos submeteste à prova e nos refinaste como a prata” (v. 10)
Neste trecho, o salmista reconhece que o sofrimento veio da parte de Deus. A imagem da prata sendo refinada indica um processo doloroso, mas necessário. Calvino explica que “a provação resultara em paciência, sendo o povo preservado sem ser destruído” (CALVINO, 2009, p. 607).
Lopes enfatiza que “o fogo de Deus só queima as impurezas e as amarras”, tornando-nos mais úteis (LOPES, 2022, p. 705). A linguagem do versículo 12 é marcante: “passamos pelo fogo e pela água, mas a um lugar de fartura nos trouxeste” (v. 12). Isso mostra que, mesmo sob intensa disciplina, Deus conduz seu povo à abundância.
A palavra hebraica para “fartura”, revayah, pode ser traduzida como “terra bem regada”, ou seja, um lugar de refrigério e prosperidade (CALVINO, 2009, p. 609). Como cristão, eu aprendo que os períodos de provação não são o fim da jornada, mas o caminho para algo melhor — uma verdade também presente em Romanos 5:3–5.
4. Fidelidade nos votos (Salmo 66:13–15)
“Para o teu templo virei com holocaustos e cumprirei os meus votos para contigo” (v. 13)
Neste ponto, o salmista deixa de falar em nome do povo e assume sua voz pessoal. Ele se compromete a cumprir os votos que fez em meio à aflição (v. 14). Calvino destaca que “a melhor evidência da genuína piedade é quando mostramos, mediante nossas orações, uma santa perseverança na fé e na paciência” (CALVINO, 2009, p. 610).
Lopes observa que os votos são voluntários, mas devem ser cumpridos com seriedade, pois Deus não se agrada de promessas quebradas (LOPES, 2022, p. 706; cf. Eclesiastes 5:4–5).
O salmista não entrega ofertas quaisquer, mas o melhor: “animais gordos… carneiros… novilhos e cabritos” (v. 15). Como cristão, eu aprendo que a gratidão a Deus deve ser proporcional à graça recebida.
5. Testemunho da oração respondida (Salmo 66:16–20)
“Venham e ouçam, todos vocês que temem a Deus; vou contar-lhes o que ele fez por mim” (v. 16)
O salmo termina com um testemunho pessoal de resposta à oração. O salmista clama, e Deus responde (v. 17). Porém, ele reconhece: “Se eu acalentasse o pecado no coração, o Senhor não me ouviria” (v. 18). Lopes é direto: “oração e pecado não coabitam o mesmo coração” (LOPES, 2022, p. 707).
Calvino ressalta que não se trata de estar consciente do pecado, mas de se apegar a ele com intenção, ocultando-o no coração (CALVINO, 2009, p. 614). Isso se alinha com 1 João 1:9, que nos chama à confissão sincera.
O salmista encerra com adoração: “Louvado seja Deus, que não rejeitou a minha oração nem afastou de mim o seu amor!” (v. 20). A experiência pessoal de resposta à oração torna-se motivo de ensino e encorajamento a todos os que temem ao Senhor.
Cumprimento das profecias
O Salmo 66 aponta para um futuro onde todos os povos louvarão a Deus — um tema que se cumpre em Filipenses 2:10–11, onde Paulo afirma que todo joelho se dobrará diante de Jesus.
Além disso, a trajetória de sofrimento, prova e posterior exaltação (vv. 10–12) é vivida plenamente em Cristo, que passou pelo “fogo e água” da cruz antes de ser entronizado em glória. O salmo, portanto, ecoa o padrão messiânico que se cumpre no Evangelho.
Significado dos nomes e simbolismos
- Refinar como a prata (v. 10) – processo de purificação por meio da aflição, que remove impurezas espirituais.
- Fogo e água (v. 12) – extremos de sofrimento, simbolizando provações severas e variadas.
- Revayah – Lugar de fartura (v. 12) – terra bem regada; símbolo de refrigério e restauração.
- Votos e holocaustos (vv. 13–15) – expressões de gratidão e consagração, que apontam para a entrega voluntária.
- Ouvir oração (vv. 18–20) – prova da comunhão com Deus; confirmação da integridade do adorador.
Lições espirituais e aplicações práticas
- O louvor a Deus deve ser universal, vibrante e missionário.
- Deus continua realizando feitos extraordinários em favor dos seus.
- As provações são instrumentos de purificação e amadurecimento.
- A fidelidade nos votos revela a autenticidade da fé.
- A oração eficaz nasce de um coração limpo e sincero.
- O testemunho pessoal edifica outros e glorifica a Deus.
- Mesmo sob disciplina, Deus conduz à fartura e restauração.
Conclusão
O Salmo 66 é um convite à adoração coletiva, uma reflexão sobre a fidelidade de Deus no meio da provação e uma declaração pessoal de gratidão. Ele mostra que Deus prova, disciplina, responde e restaura. Como cristão, eu aprendo que o sofrimento não anula a bondade divina. Pelo contrário, ele a revela com mais clareza. E quando somos sinceros, Deus não apenas nos ouve — Ele age.
Referências
- CALVINO, João. Salmos. Organização de Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira. Tradução de Valter Graciano Martins. 1. ed. Vol. 2. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus. Organização de Aldo Menezes. 1. ed. Vol. 1 e 2. São Paulo: Hagnos, 2022.