O Salmo 92 é o único em todo o Saltério designado explicitamente como “um cântico para o dia de sábado”. Essa atribuição litúrgica o torna singular. Embora o Antigo Testamento apresente poucas instruções sobre o culto sabático público (cf. Levítico 23:3), o salmo sugere que ele era entoado no contexto das ofertas diárias realizadas aos sábados no templo (WALTON et al., 2018, p. 710).
Seu autor é anônimo, e embora o estilo lembre outros salmos sapiencais, como os de Davi ou Asafe, sua composição parece ter como foco a celebração litúrgica da soberania divina e da justiça eterna de Deus. A linguagem remete a temas clássicos da sabedoria bíblica, como a destruição dos ímpios e o florescer dos justos — temas também abordados em Salmos 1, 37 e 73.
Segundo Hernandes Dias Lopes, “o sábado do Antigo Testamento era um dia não somente para o descanso, mas também para o culto público, que visava ser um deleite, e não um fardo” (LOPES, 2022, p. 993). O Salmo 92, portanto, oferece ao povo um roteiro de louvor e reflexão, reforçando que a adoração a Deus está conectada à compreensão de seu caráter justo e soberano.
João Calvino destaca que “a observância correta do sábado não implica ócio, como alguns absurdamente imaginam, mas a celebração do nome divino” (CALVINO, 2009, p. 476). Ou seja, o propósito do sábado era conduzir o povo a uma consciência renovada das obras de Deus e de sua fidelidade.
1. A beleza da adoração (Sl 92:1–5)
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“Como é bom render graças ao Senhor e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo” (v. 1)
O salmo inicia com uma declaração simples e poderosa: adorar a Deus é bom. Essa bondade é ética (é o que se deve fazer), emocional (traz alegria) e espiritual (exalta o Senhor). O título “Altíssimo” aqui indica soberania — Deus está acima de tudo e de todos.
No versículo 2, o salmista destaca a continuidade do louvor: “de manhã… de noite”. Calvino observa que “se começarmos celebrando sua bondade, temos que, em seguida, prosseguir celebrando sua fidelidade” (CALVINO, 2009, p. 477). A adoração deve ser constante, acompanhando o ritmo da vida.
O versículo 3 menciona instrumentos musicais. Para Calvino, seu uso era pedagógico, servindo como “um auxílio elementar ao povo de Deus nos tempos antigos” (CALVINO, 2009, p. 478). Isso nos mostra que a forma da adoração deve servir ao seu propósito: facilitar o louvor do coração.
Nos versos 4 e 5, o salmista expressa alegria pelos feitos de Deus e maravilhamento diante de seus propósitos. Ao ler essa parte, eu me lembro de como a criação e a providência divina despertam em mim um senso de reverência. O louvor nasce quando percebemos que as mãos de Deus estão por trás de tudo.
2. A limitação do ímpio e a grandeza de Deus (Sl 92:6–9)
“O insensato não entende, o tolo não vê…” (v. 6)
Aqui, o salmo introduz o contraste entre o justo e o ímpio, uma marca da literatura sapiencial. O ímpio floresce por um tempo, como a erva (v. 7), mas sua destruição é certa. Spurgeon afirma que “a glória dos ímpios é apenas o prelúdio da sua destruição” (apud LOPES, 2022, p. 996).
O versículo 8 é o centro do salmo: “Tu, porém, Senhor, és exaltado para sempre”. Enquanto os ímpios desaparecem, Deus permanece. Calvino escreve: “Deus imperturbavelmente olha para baixo, lá das alturas celestiais, para todo o cenário terreno das coisas mutáveis” (CALVINO, 2009, p. 481).
No verso 9, o salmista reafirma a derrota dos inimigos de Deus. Essa confiança não vem de otimismo vazio, mas de fé enraizada na justiça divina. Ao ler isso, eu me sinto lembrado de que o mal não tem a palavra final. Deus reina soberanamente, mesmo quando tudo parece fora de controle.
3. A exaltação do justo (Sl 92:10–11)
“Tu aumentaste a minha força como a do boi selvagem; derramaste sobre mim óleo novo” (v. 10)
A imagem do boi selvagem (ou “unicórnio”, em outras traduções antigas) comunica vigor e autoridade. O “óleo novo” indica unção e renovação. Para Calvino, trata-se de uma metáfora da bênção divina: “o salmista promete a si mesmo a proteção divina sob toda e qualquer perseguição” (CALVINO, 2009, p. 483).
O versículo 11 reforça o tema da vitória sobre os inimigos. Essa vitória é contemplada com os olhos e ouvidos — é uma experiência pessoal, não apenas uma expectativa. Como cristão, eu aprendo que confiar em Deus hoje me prepara para ver sua fidelidade se cumprir no amanhã.
4. O florescer do justo (Sl 92:12–15)
“Os justos florescerão como a palmeira, crescerão como o cedro do Líbano” (v. 12)
O salmista agora usa metáforas da natureza. A palmeira e o cedro simbolizam crescimento, firmeza e longevidade. Segundo Hernandes Dias Lopes, “a tamareira cresce em ambientes hostis e produz frutos doces; assim é o justo” (LOPES, 2022, p. 998).
A ideia de “plantados na casa do Senhor” (v. 13) aponta para estabilidade espiritual. Não é apenas proximidade com Deus, mas enraizamento. Eu aprendo aqui que uma vida frutífera não vem do esforço próprio, mas do fato de estar ligado à presença de Deus, como Jesus ensina em João 15.
O versículo 14 é uma promessa inspiradora: mesmo na velhice, o justo dará frutos. Lopes cita Billy Graham, que afirmou: “a velhice não é para os fracos” (LOPES, 2022, p. 1000). Paulo também é um exemplo disso: mesmo velho e preso, ainda produzia frutos eternos (cf. Filemom 1:9).
O salmo termina com um propósito claro: “para proclamar que o Senhor é justo” (v. 15). A vida do justo é um testemunho da retidão de Deus. Calvino comenta: “quando Deus exibe sua justiça… ver-se-á imediatamente que qualquer prosperidade dos ímpios era o prenúncio de sua destruição” (CALVINO, 2009, p. 489).
Cumprimento das profecias
O Salmo 92, embora não contenha uma profecia direta sobre o Messias, aponta para realidades que se cumprem em Cristo. O florescer do justo, a destruição dos ímpios e a fidelidade de Deus são temas centrais do evangelho.
Jesus é o Justo por excelência, plantado na vontade do Pai e cheio do Espírito (Isaías 11:1-2). Ele é o “óleo fresco” derramado (Lucas 4:18), e é por meio dele que os justos florescem. Em Cristo, somos plantados nos átrios do Senhor e produzimos frutos que permanecem (João 15:5).
A vitória sobre os inimigos, descrita no salmo, é cumprida na cruz e será consumada na volta de Cristo, como lemos em Apocalipse 21, onde não haverá mais maldade nem injustiça.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 92
- Altíssimo (Elyon) – Título que exalta a soberania de Deus sobre todos os poderes.
- Óleo novo – Símbolo de renovação, consagração e favor divino.
- Boi selvagem – Representa força bruta e autoridade.
- Palmeira e Cedro do Líbano – Metáforas da vida do justo: resistente, frutífera, estável e útil.
- Átrios do Senhor – Lugar de comunhão e presença divina.
- Rocha – Simboliza a firmeza e justiça de Deus, inabalável e confiável.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 92
- Adorar a Deus é bom em todas as dimensões – É agradável, correto e necessário.
- A fidelidade de Deus deve ser lembrada de manhã e à noite – A adoração constante molda nossa percepção da realidade.
- A justiça divina nem sempre é imediata, mas é certa – O ímpio pode florescer por um tempo, mas Deus reina para sempre.
- O justo pode envelhecer, mas nunca será estéreo – Em Deus, a velhice é frutífera e inspiradora.
- O sábado aponta para descanso e contemplação em Deus – Assim como o salmo celebra o sábado, nossa vida precisa incluir momentos de parar para louvar.
- Viver plantado na casa do Senhor é a chave para uma vida que floresce – Raízes profundas em Deus geram frutos duradouros.
Conclusão
O Salmo 92 nos conduz por um caminho de adoração, sabedoria e confiança. Ele nos lembra que a beleza da vida do justo não depende das circunstâncias externas, mas da firmeza que vem de estar plantado em Deus. Ao contemplarmos as obras do Senhor, somos levados a louvar, confiar e florescer — mesmo em tempos áridos.
Ao ler este salmo, eu aprendo que a adoração não é apenas um momento litúrgico, mas um estilo de vida. O justo floresce porque está enraizado na fidelidade de Deus. Que a nossa vida também proclame, até a velhice, que o Senhor é justo e que nele não há injustiça.
Referências
- CALVINO, João. Salmos. Org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 3, p. 476–489.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus. Org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 993–1002.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 710.