1 Coríntios 5 é um dos capítulos mais duros e ao mesmo tempo necessários do Novo Testamento. Ao ler esse texto, eu percebo como Deus leva a sério a santidade da sua igreja. Mesmo sendo uma comunidade formada por pecadores salvos pela graça, existe um padrão de pureza e compromisso que não pode ser ignorado. Paulo, com a autoridade apostólica e o coração de pastor, confronta um pecado chocante que estava sendo tolerado em Corinto e nos ensina que a disciplina e o arrependimento caminham juntos.
Qual é o contexto histórico e teológico de 1 Coríntios 5?
A carta aos Coríntios foi escrita por Paulo em meados do ano 55 d.C., enquanto ele estava em Éfeso, durante sua terceira viagem missionária (Atos 19) (KEENER, 2017). Corinto era um centro comercial estratégico, mas também uma das cidades mais moralmente decadentes do Império Romano.
Craig Keener destaca que, embora o incesto fosse visto como algo abominável em praticamente todo o mundo greco-romano, havia uma grave exceção no Egito, onde certos graus de incesto eram culturalmente tolerados (KEENER, 2017, p. 558). Em Corinto, essa influência multicultural e o ambiente libertino favoreciam práticas que escandalizavam até mesmo os pagãos.
É nesse cenário que Paulo escreve à igreja, confrontando um caso grave de imoralidade: um homem que estava convivendo com a esposa de seu próprio pai. Simon Kistemaker explica que a expressão “esposa de seu pai” era usada na tradição judaica para se referir à madrasta, mesmo quando não havia laços de sangue direto, o que tornava essa relação incestuosa aos olhos da lei de Deus (KISTEMAKER, 2014, p. 200).
Além da gravidade do ato em si, o problema maior era a postura da igreja: em vez de tristeza e disciplina, havia orgulho e tolerância. Diante disso, Paulo escreve com firmeza, deixando claro que a pureza e o testemunho da igreja estão em jogo.
Como o texto de 1 Coríntios 5 se desenvolve?
1. O escândalo da imoralidade e a omissão da igreja (1 Coríntios 5.1-2)
Paulo inicia o capítulo dizendo: “Por toda parte se ouve que há imoralidade entre vocês, imoralidade que não ocorre nem entre os pagãos, a ponto de alguém de vocês possuir a mulher de seu pai” (5.1).
O apóstolo não está apenas indignado com o pecado em si, mas com o fato de que a notícia correu pela cidade, manchando o testemunho da igreja. Keener ressalta que, na cultura greco-romana, o incesto entre madrasta e enteado era universalmente condenado, o que tornava esse pecado ainda mais escandaloso para os de fora (KEENER, 2017, p. 558).
Pior do que o pecado, era a arrogância dos coríntios: “E vocês estão orgulhosos!” (5.2). Em vez de tristeza e disciplina, eles estavam indiferentes ou até se sentindo superiores, talvez por acharem que a graça os isentava de qualquer padrão moral.
Paulo então dá uma ordem clara: “Expulsem da comunhão aquele que fez isso” (5.2). A igreja deveria agir para preservar sua pureza e seu testemunho.
2. A disciplina e a esperança do arrependimento (1 Coríntios 5.3-5)
Apesar de estar ausente fisicamente, Paulo afirma: “Estou com vocês em espírito. E já condenei aquele que fez isso, como se estivesse presente” (5.3).
Ele orienta que, ao se reunirem em nome de Jesus, deveriam entregar o homem a Satanás, “para que o corpo seja destruído, e seu espírito seja salvo no dia do Senhor” (5.5).
Essa expressão pode soar dura, mas Kistemaker explica que “entregar a Satanás” significava retirar o homem da proteção e comunhão da igreja, expondo-o ao sofrimento, com o propósito de levá-lo ao arrependimento (KISTEMAKER, 2014, p. 206). Não se trata de condenação final, mas de disciplina corretiva.
O objetivo não é a destruição total, mas a salvação do espírito. Assim como o pai do filho pródigo permitiu que ele experimentasse as consequências de suas escolhas para que finalmente se arrependesse, a disciplina aqui visa restaurar o pecador.
3. A ilustração do fermento e a santidade da igreja (1 Coríntios 5.6-8)
Paulo usa uma imagem familiar aos judeus: “Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa ficar fermentada?” (5.6). O fermento representa o pecado, que, se tolerado, contamina toda a igreja.
Ele então ordena: “Livrem-se do fermento velho, para que sejam massa nova, sem fermento, como realmente são. Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado” (5.7).
Essa referência à Páscoa remonta ao Êxodo, quando os israelitas deveriam remover todo o fermento de suas casas antes de celebrar a libertação (Êxodo 12.15). Do mesmo modo, nós, que fomos libertos pelo sacrifício de Cristo, devemos nos purificar de todo o pecado.
Paulo conclui: “Celebremos a festa, não com o fermento da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento da sinceridade e da verdade” (5.8). A vida cristã é uma celebração contínua de pureza, sinceridade e compromisso com a verdade.
4. Separação dos que se dizem irmãos e vivem no pecado (1 Coríntios 5.9-11)
Paulo lembra que já havia escrito para que não se associassem com pessoas imorais (5.9), mas os coríntios interpretaram mal, achando que deveriam se isolar do mundo.
O apóstolo esclarece: “Não me refiro aos imorais deste mundo, nem aos avarentos, aos ladrões ou aos idólatras. Se assim fosse, vocês precisariam sair deste mundo” (5.10).
O ponto central é outro: “Não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês nem devem comer” (5.11).
Aqui Paulo não proíbe a convivência com incrédulos, mas sim com falsos irmãos que, ao permanecerem no pecado sem arrependimento, envergonham a fé.
Keener ressalta que a expressão “nem mesmo comer” indica a exclusão de refeições comunitárias, inclusive a Ceia do Senhor, como sinal de disciplina (KEENER, 2017, p. 560).
5. A igreja deve julgar os de dentro (1 Coríntios 5.12-13)
Paulo encerra com uma distinção importante: “Como haveria eu de julgar os de fora da igreja? Não devem vocês julgar os que estão dentro?” (5.12).
Ele lembra que o julgamento final dos incrédulos cabe a Deus, mas a disciplina dentro da igreja é responsabilidade dos irmãos.
A ordem final é clara e ecoa Deuteronômio: “Expulsem esse perverso do meio de vocês” (5.13, cf. Deuteronômio 17.7).
Que conexões proféticas encontramos em 1 Coríntios 5?
Esse capítulo ecoa a preocupação de Deus, presente desde o Antigo Testamento, com a santidade do seu povo. As leis de Levítico e Deuteronômio sobre pureza, separação e disciplina estão na base do ensino de Paulo aqui (Levítico 18.8; Deuteronômio 17.7).
Além disso, a referência ao Cordeiro pascal aponta para o cumprimento das promessas messiânicas em Jesus. Assim como o sangue do cordeiro livrou Israel da morte no Egito, o sangue de Cristo nos purifica do pecado e nos chama a uma vida santa.
A imagem do fermento remete à Páscoa e ao Êxodo, símbolos de libertação e nova vida, agora aplicados à igreja, o novo povo de Deus.
O que 1 Coríntios 5 me ensina para a vida hoje?
Esse texto me confronta com a seriedade do pecado e o chamado à santidade. A graça de Deus não anula o padrão moral da sua Palavra, pelo contrário, ela me capacita a viver de forma digna do Evangelho.
Aprendo que:
- A imoralidade não pode ser tolerada dentro da igreja. O amor exige confrontação quando há pecado não arrependido.
- A disciplina, embora difícil, tem como objetivo a restauração do pecador e a preservação da pureza da comunidade.
- A igreja deve ser um ambiente de sinceridade e verdade, não de malícia e permissividade.
- Não devemos nos isolar do mundo, mas devemos nos separar daqueles que, dizendo-se cristãos, vivem no pecado de forma deliberada.
- A responsabilidade de julgar, no sentido de aplicar disciplina, pertence à igreja local. Deus cuida do julgamento final dos de fora.
Ao olhar para minha vida, sou chamado a zelar pela minha pureza e pela pureza da igreja à qual pertenço. O amor verdadeiro não ignora o pecado, mas busca o arrependimento e a restauração.
Como 1 Coríntios 5 me conecta ao restante das Escrituras?
Esse capítulo me faz lembrar que, desde o Antigo Testamento, Deus exige que seu povo seja santo porque Ele é santo (Levítico 19.2).
Jesus também ensinou sobre a necessidade de confrontar o pecado dentro da comunidade de fé, como vemos em Mateus 18.15-17, onde o processo de disciplina é descrito.
O apelo de Paulo em 1 Coríntios 5 reflete o zelo de Deus pela sua igreja, a noiva de Cristo, chamada a ser pura e irrepreensível (Efésios 5.25-27).
Por fim, a referência ao Cordeiro pascal conecta esse texto diretamente ao Evangelho. Cristo é o sacrifício perfeito que nos liberta do pecado e nos chama a viver de modo santo e consagrado.
Referências
- KISTEMAKER, Simon. 1 Coríntios. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.