Êxodo 24 é um dos capítulos mais marcantes de toda a narrativa do Antigo Testamento. Ele descreve o momento em que a aliança entre Deus e Israel é formalmente ratificada. Ler esse capítulo é como presenciar uma cerimônia sagrada onde o céu e a terra se encontram. Cada detalhe, cada símbolo, cada gesto aponta para algo maior — um Deus que deseja se relacionar com o seu povo de maneira pessoal, santa e permanente.
Qual é o contexto histórico e teológico de Êxodo 24?
O capítulo 24 está situado na conclusão da primeira entrega da Lei no Sinai. Depois de libertar Israel do Egito e conduzi-los até o monte, Deus revela seus mandamentos (Êxodo 20) e estatutos (Êxodo 21–23). Agora, em Êxodo 24, essa aliança é formalizada por meio de uma cerimônia pública, com representantes do povo, sacrifícios, leitura da Lei e aspersão de sangue.
Victor Hamilton destaca que essa cerimônia une elementos típicos de tratados do antigo Oriente Próximo — como leitura do acordo, sacrifícios e um banquete — a práticas únicas do relacionamento de Deus com Israel. O número setenta (v. 1) representa o povo como um todo, enquanto Moisés atua como mediador entre as duas partes: Deus e a nação (HAMILTON, 2017, p. 623–624).
Do ponto de vista teológico, Êxodo 24 é o ápice da revelação mosaica até aqui. É o momento em que Israel declara publicamente sua intenção de obedecer a Deus (“Faremos tudo o que o Senhor ordenou”, v. 3), e o Senhor sela esse compromisso com sangue — um elemento sagrado que representa vida e sacrifício.
Esse capítulo também aponta para a revelação progressiva que culminará na Nova Aliança em Cristo, cuja linguagem e simbologia bebem diretamente dessa cena.
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Como o texto de Êxodo 24 se desenvolve?
1. Quem são os chamados à presença de Deus? (Êxodo 24.1–2)
O capítulo começa com um chamado solene: “Subam o monte para encontrar-se com o Senhor, você e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta autoridades de Israel” (v. 1). Contudo, o versículo seguinte já delimita os papéis: “Somente Moisés se aproximará do Senhor; os outros não” (v. 2). A estrutura é clara: Moisés como mediador exclusivo da revelação, e os demais como testemunhas da aliança.
Gramaticalmente, o verbo hebraico usado para “subir” está no singular, mesmo que se refira a um grupo (HAMILTON, 2017, p. 624). Isso reforça que, embora muitos subam, Moisés lidera e representa todos.
O contraste entre proximidade e distância — Moisés se aproxima, os demais adoram de longe — antecipa o papel de Moisés como aquele que verá a glória de Deus de forma única. Isso nos lembra que a intimidade com Deus, embora acessível, é concedida com responsabilidade e santidade.
2. Como a aliança é confirmada? (Êxodo 24.3–8)
Ao voltar do monte, Moisés transmite ao povo as palavras do Senhor, e o povo responde com unanimidade: “Faremos tudo o que o Senhor ordenou” (v. 3). Essa disposição é importante, ainda que logo se revele frágil (Êxodo 32). A resposta é entusiástica, mas a fidelidade exigirá mais do que emoção — exigirá coração transformado.
Moisés então escreve as palavras de Deus (v. 4), o que marca a importância da preservação escrita da revelação divina. Segundo Walton, Matthews e Chavalas, escrever uma aliança era algo comum no mundo antigo, e significava não apenas registro, mas ativação do acordo (WALTON et al., 2018, p. 132).
Na sequência, Moisés constrói um altar e doze colunas, uma para cada tribo de Israel (v. 4). Os sacrifícios realizados são do tipo sacrifícios de comunhão, dos quais parte era queimada no altar e parte era consumida numa refeição (v. 5). Esses elementos reforçam a mutualidade da aliança: Deus e Israel estão unidos em propósito e comunhão.
A aspersão de sangue é o ponto culminante da cerimônia (vv. 6–8). Metade do sangue é aspergida no altar, representando a parte de Deus. A outra metade é aspergida sobre o povo — ou, mais provavelmente, sobre as doze colunas representativas. Como explica Walton, o sangue, sendo símbolo de vida, sela a aliança e consagra os participantes como propriedade de Deus (WALTON et al., 2018, p. 133).
A frase de Moisés ecoa até o Novo Testamento: “Este é o sangue da aliança” (v. 8), prenunciando as palavras de Jesus na ceia (Mateus 26.28).
3. O que os líderes veem no monte? (Êxodo 24.9–11)
O grupo dos setenta anciãos, junto com Arão, Nadabe e Abiú, sobem com Moisés e testemunham algo extraordinário: “Viram o Deus de Israel” (v. 10). Essa visão não inclui uma descrição direta de Deus, mas do que estava sob os Seus pés: “algo semelhante a um pavimento de safira”. A linguagem aponta para reverência e mistério — há algo ali, mas não se pode explicar totalmente.
Hamilton ressalta que a visão é descrita com verbos diferentes: rāʾâ (ver) e ḥāzâ (contemplar), o que sugere níveis de percepção e de experiência teofânica (HAMILTON, 2017, p. 628). Ainda assim, mesmo com essa visão, ninguém morre. Pelo contrário, eles participam de uma refeição diante de Deus (v. 11). Essa é uma das cenas mais íntimas de toda a Escritura: Deus partilhando uma refeição com homens.
A presença divina, aqui, é consoladora e não ameaçadora. Isso me faz pensar como o coração de Deus não deseja apenas comando, mas comunhão. Ele quer ser visto, conhecido, celebrado.
4. Por que Moisés sobe sozinho ao monte? (Êxodo 24.12–18)
A segunda metade do capítulo mostra Moisés sendo chamado à parte por Deus. Ele deve subir sozinho e receber as “tábuas de pedra, com a lei e os mandamentos” (v. 12). Essas tábuas selarão a aliança e conterão os Dez Mandamentos.
Moisés sobe com Josué até certo ponto (v. 13), mas entra sozinho na nuvem espessa que cobre o monte (v. 15). Por seis dias a glória do Senhor permanece ali, e somente no sétimo Deus fala com Moisés (v. 16). O povo, de longe, vê “um fogo consumidor” no cume (v. 17).
Essa glória, intensa e temível, marca um novo estágio na revelação. Moisés permanece ali por quarenta dias e noites (v. 18), número simbólico de plenitude e transição. A experiência antecipa os encontros que Moisés terá no tabernáculo, mas, como Hamilton observa, em Êxodo 24 ele entra na nuvem, enquanto em Êxodo 40 ele não pode entrar — sugerindo que essa foi uma experiência única e irrepetível (HAMILTON, 2017, p. 630).
Quais conexões proféticas encontramos em Êxodo 24?
O Novo Testamento ecoa Êxodo 24 de maneira clara e direta.
A mais explícita está nas palavras de Jesus na ceia: “Este é o meu sangue da aliança” (Mateus 26.28; Marcos 14.24; Lucas 22.20). Ele toma a expressão usada por Moisés (v. 8) e aplica a si mesmo. O sangue da nova aliança é o sangue de Cristo, que sela definitivamente o pacto entre Deus e os homens.
Hebreus 9.18–22 também faz referência direta a essa cena: “Este é o sangue da aliança que Deus ordenou que vocês obedecessem”. O autor de Hebreus vê em Êxodo 24 a raiz da tipologia da redenção: o sangue que purifica, une e consagra.
Além disso, a refeição no monte antecipa a Ceia do Senhor, e, em sentido mais pleno, o banquete do Reino (Mateus 26.29; Apocalipse 19). Participar da mesa de Deus é sinal de pertencimento, comunhão e promessa de vida eterna.
O que Êxodo 24 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo me ensina que Deus deseja mais do que obediência ritual. Ele quer relacionamento. A aliança é mais do que um contrato — é uma união sagrada entre um Deus santo e um povo imperfeito.
Ao ler Êxodo 24, eu aprendo que a obediência deve ser precedida de revelação. O povo diz: “Faremos tudo o que o Senhor ordenou”, mas só depois de ouvir Suas palavras. Isso me lembra da importância de escutar antes de agir — conhecer antes de obedecer.
Aprendo também que o sangue ainda fala. O sangue derramado no altar e aspergido sobre o povo aponta para o sangue de Cristo, que me purifica e me consagra. Eu sou parte da aliança porque fui comprado por esse sangue.
E me impressiona ver que Deus compartilhou uma refeição com os líderes de Israel. Isso me mostra que a comunhão com Deus não é apenas espiritual, mas também relacional e afetiva. Deus quer se sentar à mesa comigo. Ele quer que eu O conheça, não apenas que O sirva.
Finalmente, Êxodo 24 me desafia a rever meu compromisso com Deus. O povo disse: “Faremos tudo”, mas logo caiu em idolatria (Êxodo 32). Isso me alerta: entusiasmo não é garantia de fidelidade. Preciso de um coração transformado pela graça para permanecer firme na aliança.
Referências
- HAMILTON, Victor P. Êxodo. Tradução: João Artur dos Santos. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.