Êxodo 36 é um dos capítulos mais surpreendentes de todo o Antigo Testamento. Não apenas pela riqueza de detalhes técnicos da construção do tabernáculo, mas principalmente por revelar um povo tão tomado de zelo e generosidade que precisa ser impedido de continuar doando. É um retrato vívido do que acontece quando o coração é movido por Deus.
Qual é o contexto histórico e teológico de Êxodo 36?
O livro de Êxodo é parte fundamental da Torá e relata a formação de Israel como povo da aliança. O contexto imediato deste capítulo é posterior à renovação da aliança entre Deus e Israel após o pecado do bezerro de ouro (Êxodo 32–34). Após esse momento crítico, Deus reafirma Sua presença e retoma o plano de habitar no meio do povo — o que se concretiza com a construção do tabernáculo.
Victor P. Hamilton explica que estamos diante da execução prática daquilo que foi instruído nos capítulos anteriores. Bezalel, Aoliabe e outros artesãos, cheios do Espírito de Deus, conduzem a construção com exatidão, conforme o modelo celestial revelado a Moisés (HAMILTON, 2017).
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Do ponto de vista teológico, o tabernáculo representa o lugar da habitação divina. Não é apenas um espaço físico, mas uma representação visível de que o Deus santo e transcendente decidiu morar no meio do Seu povo. É um símbolo da aliança, da mediação sacerdotal e do desejo de Deus por comunhão com o ser humano.
Como o texto de Êxodo 36 se desenvolve?
1. O povo doa mais do que o necessário? (Êxodo 36.1–7)
Logo no início do capítulo, vemos Bezalel, Aoliabe e os demais homens habilidosos iniciando os trabalhos conforme a ordem do Senhor. A habilidade deles é descrita como um dom de Deus (“a quem o Senhor concedeu destreza e habilidade” – v.1). Isso mostra que, em projetos santos, não basta a força de vontade: é necessária capacitação divina.
O povo, por sua vez, traz ofertas “manhã após manhã” (v.3). A generosidade era tão intensa que os próprios artesãos interrompem o trabalho para informar Moisés: “O povo está trazendo mais do que o suficiente” (v.5). É então que Moisés ordena parar as contribuições (v.6). Eles tinham mais do que o necessário.
Segundo Walton, isso é raro em qualquer sociedade: uma comunidade movida pela gratidão e pela reverência, não pela obrigação. A liberdade da oferta voluntária tornou o povo ainda mais generoso (WALTON et al., 2018).
A expressão hebraica “elevar o coração” (v.2, cf. 35.21) aparece aqui para indicar disposição espiritual. Esse mesmo termo é usado de forma negativa em 2 Reis 14.10 para expressar orgulho, mas em Êxodo transmite um impulso sincero vindo do coração para servir a Deus.
O princípio é claro: onde há disposição verdadeira e visão espiritual, há abundância. A provisão para a obra de Deus nunca é problema quando os corações estão voltados para Ele.
2. Como foi feita a estrutura do tabernáculo? (Êxodo 36.8–38)
O restante do capítulo é dedicado à construção do próprio tabernáculo. E o que impressiona é a fidelidade às instruções recebidas anteriormente em Êxodo 25–31. Nada é feito de maneira criativa ou improvisada. Cada detalhe segue o padrão divino.
As cortinas internas (vv.8–13) são feitas com linho fino, fios de tecido azul, roxo e vermelho, com querubins bordados. O comprimento, a largura, o número de laçadas e ganchos — tudo é meticulosamente executado.
Depois vêm as cortinas de pelos de cabra (vv.14–19), que formam a cobertura da tenda. Em seguida, as armações de madeira de acácia (vv.20–30), as travessas (vv.31–34) e, por fim, o véu e o anteparo da entrada (vv.35–38).
Cada peça aponta para algo maior. O linho e os fios coloridos expressam beleza e santidade. Os querubins bordados remetem à guarda angelical da presença de Deus, como no Éden (cf. Gênesis 3.24). O véu separa o Santo do Santíssimo — mostrando que o acesso direto à presença divina ainda não havia sido plenamente aberto.
Hamilton destaca que a linguagem aqui não é apenas técnica. Ela expressa reverência, obediência e fidelidade a um Deus que exige santidade e ordem no culto (HAMILTON, 2017).
Onde encontramos o cumprimento profético de Êxodo 36?
Cada detalhe do tabernáculo encontra cumprimento no Novo Testamento, especialmente em Cristo.
- O tabernáculo, com sua beleza e funcionalidade, aponta para Jesus, que “tabernaculou” entre nós (João 1.14). Ele é o verdadeiro lugar da habitação divina entre os homens.
- O véu do tabernáculo, que separava o povo da presença de Deus, foi rasgado de alto a baixo quando Cristo morreu na cruz, simbolizando o livre acesso ao Pai (Mateus 27.51).
- Os materiais preciosos usados revelam a glória de Deus e o valor da redenção. O apóstolo Paulo afirma que fomos comprados por alto preço (1 Coríntios 6.20).
- Os querubins que cobriam o Santo dos Santos prefiguram a adoração celestial em Apocalipse 4–5, onde seres viventes e anjos cercam o trono.
Tudo isso mostra que Êxodo 36 não é apenas sobre construção. É sobre preparação para a habitação de Deus no meio do Seu povo — algo que seria plenamente cumprido em Cristo e que se consumará em Apocalipse 21.
Quais lições espirituais e aplicações práticas podemos tirar de Êxodo 36?
Ao ler Êxodo 36, aprendo que o mover do Espírito de Deus pode transformar um povo comum em uma comunidade generosa, voluntária e comprometida com a obra do Senhor. Isso me desafia a avaliar a motivação por trás do que eu dou e do que eu faço para Deus.
Também vejo que o zelo com os detalhes da construção do tabernáculo nos ensina sobre reverência. Deus se importa com a forma como O adoramos. A beleza, a ordem e a excelência não são secundárias. Quando adoramos de forma displicente ou desleixada, desonramos a santidade de Deus.
Outro ponto que me impacta é a obediência exata de Bezalel e Aoliabe. Eles não improvisaram nem tentaram melhorar o que Deus havia dito. Eles apenas obedeceram. E isso me lembra que a obediência é melhor do que o sacrifício. Deus valoriza quando seguimos a Sua vontade, mesmo que ela pareça repetitiva ou técnica.
E, por fim, o fato de que o povo teve que ser impedido de doar me confronta com a minha própria generosidade. Será que estou tão movido pela glória de Deus que dou mais do que me pedem? Ou só dou quando sou pressionado?
Walton afirma que o povo não apenas respondeu com generosidade, mas com visão: eles sabiam que estavam participando de algo muito maior do que eles mesmos (WALTON et al., 2018). Isso é fundamental. A verdadeira adoração é a que envolve todo o nosso ser — dons, talentos, recursos e tempo.
Referências
- HAMILTON, Victor P. Êxodo. Tradução: João Artur dos Santos. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.