O Salmo 120 inicia a coletânea dos Cânticos de Romagem (ou Cânticos dos Degraus), que vai do Salmo 120 ao 134. Esses salmos eram entoados pelos israelitas durante as peregrinações religiosas rumo a Jerusalém nas principais festas judaicas — a Páscoa, o Pentecostes e os Tabernáculos. A subida à cidade santa era geográfica, mas também espiritual. Subia-se não apenas em altitude, mas em devoção, arrependimento e expectativa pela presença de Deus.
Embora o autor não seja identificado no texto, há fortes indícios de que tenha sido Davi. João Calvino afirma: “o seu estilo coloca Davi diante de nossos olhos” (CALVINO, 2009, p. 95). A tradição judaica também costuma atribuir a Davi a autoria dos salmos desta seção, ainda que alguns possam ter sido escritos posteriormente.
O pano de fundo do salmo sugere um cenário de opressão moral, em que o justo sofre calúnias e vive em meio a um povo hostil. Hernandes Dias Lopes observa: “o salmista se assemelha a uma ovelha entre lobos em seu próprio país” (LOPES, 2022, p. 1317). Assim, o salmo é ao mesmo tempo um clamor por justiça, um desabafo de alma e um apelo por intervenção divina.
Segundo John H. Walton, os nomes “Meseque” e “Quedar” não se referem a locais onde o salmista realmente habitava, mas funcionam como símbolos de nações bárbaras e distantes, ilustrando o sentimento de isolamento espiritual (WALTON et al., 2018, p. 720). Em outras palavras, o salmista está dizendo: “mesmo entre meu próprio povo, me sinto como um exilado entre inimigos”.
1. Clamor na angústia (Salmo 120:1)
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“Eu clamo pelo Senhor na minha angústia, e ele me responde.” (v. 1)
O salmo começa com um testemunho pessoal de socorro divino. O verbo “clamar” indica desespero e urgência. O salmista está angustiado, mas sabe a quem recorrer. Ele não murmura nem recorre a soluções humanas — sua reação imediata é a oração.
João Calvino destaca: “embora Davi, ao afirmar que o Senhor o ouvira, lhe renda graças, seu propósito primordial era apresentar, na forma de lamento, quão perversamente os bajuladores de Saul empregaram todo seu engenho e poder para sua destruição” (CALVINO, 2009, p. 95). Ainda assim, ele não se entrega à amargura. Ao contrário, registra que Deus respondeu à sua súplica.
Ao ler esse verso, eu aprendo que a oração é o primeiro passo quando a angústia bate à porta. Ela não é apenas um pedido, mas um ato de fé. O mesmo princípio está em Salmo 34:6: “Este pobre homem clamou, e o Senhor o ouviu; e o livrou de todas as suas tribulações.”
2. Pedido de livramento da mentira (Salmo 120:2)
“Senhor, livra-me dos lábios mentirosos e da língua traiçoeira!” (v. 2)
Aqui o salmista revela a causa da sua aflição: a falsidade. Ele está sendo caluniado por pessoas que distorcem a verdade. Não se trata apenas de maledicência ocasional, mas de uma campanha ativa de difamação.
Hernandes Dias Lopes comenta: “o salmista está enfrentando uma campanha de difamação… Seus inimigos estão espalhando mentiras para arruinar sua reputação” (LOPES, 2022, p. 1319). A linguagem mostra que ele se vê encurralado pelas palavras, como quem sofre um assassinato de reputação.
Diante disso, ele clama por livramento. O salmista reconhece que só Deus pode fazer justiça. Como cristão, eu aprendo que não há arma mais poderosa contra a mentira do que a verdade de Deus, e que nossa defesa deve vir do Senhor, como ensina Salmo 37:6: “Ele deixará claro como a alvorada que você é justo, e como o sol do meio-dia que você é inocente.”
3. A advertência à língua enganadora (Salmo 120:3)
“O que ele lhe dará? Como lhe retribuirá, ó língua enganadora?” (v. 3)
O salmista muda o tom e passa a se dirigir à língua mentirosa, questionando sua recompensa. A pergunta é retórica e tem um tom profético: quem mente não escapará impune. Embora não aponte diretamente o castigo, o verso seguinte revela o juízo de Deus.
João Calvino interpreta esse verso como um chamado à reflexão: “parece sugerir que, depois de haverem derramado todo o veneno de suas calúnias, suas tentativas foram vãs e ineficazes” (CALVINO, 2009, p. 96). Ou seja, a mentira pode ser poderosa por um tempo, mas não prevalecerá.
Essa verdade me consola. A justiça humana pode falhar, mas Deus conhece o coração e julgará cada palavra. Isso se alinha a Mateus 12:36: “De todo o palavreado inútil que os homens disserem, hão de dar conta no dia do juízo.”
4. Retribuição divina (Salmo 120:4)
“Ele a castigará com flechas afiadas de guerreiro, com brasas incandescentes de sândalo.” (v. 4)
Aqui temos a resposta à pergunta do verso anterior. O castigo vem da parte de Deus e é descrito com duas imagens fortes: flechas e brasas. As flechas representam precisão e poder; as brasas, dor intensa e prolongada.
Segundo Walton, “o tronco do sândalo produzia madeira dura que servia como excelente carvão” (WALTON et al., 2018, p. 720). Isso reforça a ideia de que a punição será duradoura e severa. Hernandes Dias Lopes diz: “o sofrimento dos lábios mentirosos e da língua enganadora é intenso e prolongado” (LOPES, 2022, p. 1321).
Eu aprendo que Deus não ignora a mentira. Ele pode demorar, mas quando age, o faz com justiça. Não cabe a mim retaliar, mas confiar que o Senhor fará com que a verdade prevaleça.
5. O exílio espiritual do justo (Salmo 120:5–7)
“Ai de mim que vivo como estrangeiro em Meseque, que habito entre as tendas de Quedar! Tenho vivido tempo demais entre os que odeiam a paz.Sou um homem de paz; mas, ainda que eu fale de paz, eles só falam de guerra.” (v.5-7)
O salmista expressa sua dor em viver entre pessoas hostis. Meseque e Quedar representam povos bárbaros — um ao norte (na Anatólia), outro ao sul (na Arábia). Segundo Walton, essas regiões “se encontram em direções opostas a Israel, e provavelmente são citadas como referentes a lugares remotos e bárbaros” (WALTON et al., 2018, p. 720).
Calvino interpreta essa expressão como metáfora para os judeus corruptos da época: “ele fala metaforicamente de seus próprios concidadãos, assim como em outra passagem ele aplica a designação gentios aos judeus degenerados” (CALVINO, 2009, p. 97). Ou seja, mesmo entre o povo de Deus, o justo pode se sentir estrangeiro.
O salmista é pela paz, mas vive entre os que preferem a guerra. Ele não apenas evita o conflito, mas o combate com palavras de reconciliação. No entanto, é ignorado. Eu aprendo que viver pela paz é um chamado difícil. Ainda assim, é o caminho de Cristo, que também foi rejeitado por ser pacificador.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 120 não traga uma profecia messiânica explícita, ele antecipa a experiência de Cristo. Jesus foi caluniado, rejeitado, acusado injustamente e morto por um povo que preferiu a guerra à paz.
Hernandes Dias Lopes afirma: “esse salmo pode ser considerado messiânico, pois o Senhor Jesus passou como ninguém pelas mesmas circunstâncias do escritor” (LOPES, 2022, p. 1318). Ele também “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (João 1:11).
Além disso, o apelo por justiça aponta para o juízo final, quando toda mentira será desmascarada e a verdade prevalecerá — como afirma Apocalipse 21:8: “os mentirosos terão sua parte no lago que arde com fogo e enxofre.”
Significado dos nomes e simbolismos
- Meseque – Região da Anatólia, símbolo de povo bárbaro e distante.
- Quedar – Tribo ismaelita associada à violência e à vida nômade.
- Língua enganadora – Símbolo da falsidade destrutiva.
- Flechas do guerreiro – Julgamento certeiro de Deus.
- Brasas de sândalo – Julgamento ardente e duradouro.
- Homem de paz – Retrato do justo que sofre por fazer o bem.
Lições espirituais e aplicações práticas
- A oração é a primeira resposta à angústia — não o desespero.
- A calúnia fere mais do que espadas, mas Deus é o nosso defensor.
- Viver entre os ímpios pode ser como habitar em Meseque e Quedar.
- O justo é chamado à paz, mesmo cercado por guerra.
- A justiça divina pode demorar, mas é certa e completa.
- Jesus sofreu tudo isso antes de nós — e nos deixou o exemplo.
Conclusão
O Salmo 120 é um grito de dor de quem escolheu a paz e recebeu guerra. É o lamento do justo em um mundo corrompido pela mentira. Mas também é um salmo de esperança — porque Deus ouve, responde e julga com retidão. Ao ler esse texto, eu sou lembrado de que a fidelidade tem um preço, mas também tem recompensa. E que mesmo quando nos sentimos exilados, Deus nos acompanha na jornada.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 95–98.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1317–1324.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento, trad. Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 720.