O Salmo 48 é atribuído aos filhos de Coré, um grupo de levitas que liderava o louvor no templo de Jerusalém. Ele celebra um grande livramento da cidade, provavelmente após uma investida militar frustrada, como nos tempos de Josafá (2Cr 20:1–30) ou de Ezequias, quando Deus derrotou o exército assírio (2Rs 19:35). O texto não menciona explicitamente o evento histórico, mas o tom é de vitória e gratidão.
Mais do que um relato de guerra, este salmo apresenta uma profunda teologia da presença de Deus. Jerusalém é exaltada porque Deus está ali. O monte Sião, centro espiritual da nação, torna-se símbolo da habitação divina entre os homens. Com isso, o salmo aponta para uma realidade escatológica maior: a cidade de Deus como símbolo da igreja e da nova Jerusalém, conforme Hebreus 12:22–24 e Apocalipse 21:2.
João Calvino defende que a cidade era abençoada não por seus méritos, mas porque Deus escolheu habitar ali (CALVINO, 2009, p. 343). Já Hernandes Dias Lopes destaca que “Sião tipifica a igreja, a cidade de Deus” (LOPES, 2022, p. 525), ideia reforçada em passagens como Efésios 2:20–22.
Deus e a cidade do seu povo (Sl 48:1–3)
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“Grande é o Senhor, e digno de todo louvor na cidade do nosso Deus.” (v. 1)
O louvor começa não à cidade, mas ao Senhor. Jerusalém é “do nosso Deus” porque Ele a escolheu. O monte Sião é chamado de “belo e majestoso”, mas sua beleza vem da presença divina. Como mostra Calvino, essa glória espiritual supera qualquer mérito geográfico ou arquitetônico (CALVINO, 2009, p. 344).
No verso 2, o salmista descreve Sião como “alegria de toda a terra”. Essa expressão aponta para sua importância universal. Foi em Jerusalém que o Messias morreu e ressuscitou. Foi ali que o evangelho foi pregado pela primeira vez (Atos 2:1–14). Hoje, Sião representa a igreja — a habitação espiritual de Deus.
O verso 3 afirma que “Deus se revela como proteção”. Isso lembra o que o Salmo 46 já dizia: “Deus está no meio dela, jamais será abalada” (Salmo 46:5).
Deus e os inimigos do seu povo (Sl 48:4–7)
“Os reis somaram forças, e juntos avançaram contra ela.” (v. 4)
Vemos aqui uma coalizão de reis se unindo contra Jerusalém. Porém, bastou verem a cidade para ficarem aterrorizados e fugirem. Calvino interpreta esse terror como uma manifestação direta do poder de Deus, semelhante às dores de parto (CALVINO, 2009, p. 348).
O verso 7 menciona os “navios de Társis” destruídos por vento oriental. Walton explica que esses navios simbolizavam força e comércio internacional; sua destruição representa o juízo divino contra a autoconfiança humana (WALTON et al., 2018, p. 688).
Esse texto tem conexão com Salmo 2, onde os reis se levantam contra o Ungido, mas Deus zomba deles. Como cristão, aprendo aqui que o Senhor sempre protegerá a sua igreja. Nenhuma conspiração humana pode prevalecer contra o plano de Deus.
Deus e a adoração do seu povo (Sl 48:8–11)
“Como já temos ouvido, agora também temos visto na cidade do Senhor dos Exércitos.” (v. 8)
Os adoradores reconhecem que o Deus que agiu no passado continua presente. O verso 9 mostra que eles meditavam em seu amor leal (ḥesed), palavra central na teologia da aliança.
O verso 10 afirma que o louvor de Deus alcança os confins da terra. Essa universalidade antecipa a missão da igreja, como ordenada por Cristo em Mateus 28:19–20. Sua “mão direita cheia de justiça” revela que Ele governa com equidade.
O verso 11 convida ao júbilo: Sião e Judá exultam pelas decisões justas de Deus. Ao ler esse trecho, percebo que a adoração não é apenas uma resposta emocional, mas uma celebração consciente da fidelidade divina.
Deus e o futuro do seu povo (Sl 48:12–14)
“Percorram Sião, contornando-a, contem as suas torres.” (v. 12)
O salmista convida o povo a observar a cidade com atenção. Mas o objetivo não é enaltecer suas muralhas, e sim destacar o cuidado divino. Como observa Calvino, essa contemplação deveria levar o povo a reconhecer a glória de Deus, não a força humana (CALVINO, 2009, p. 353).
O verso 13 ordena que essa memória seja passada à próxima geração. Isso se conecta com Salmo 78:4, onde os feitos do Senhor devem ser ensinados aos filhos. Eu aprendo que, se recebi da geração anterior, agora devo transmitir com fidelidade à seguinte.
O verso 14 fecha com uma confissão poderosa: “Este Deus é o nosso Deus para todo o sempre; ele será o nosso guia até o fim.” Isso ecoa a verdade de que o Senhor não apenas nos salva, mas nos sustenta em cada etapa da vida — até a morte e além (Isaías 46:4).
Cumprimento das profecias
O Salmo 48 antecipa temas que se cumprem plenamente em Cristo e na igreja. A segurança de Sião é refletida nas palavras de Jesus: “as portas do Hades não poderão vencê-la” (Mateus 16:18). A imagem de uma cidade invencível aponta para a nova Jerusalém, descrita em Apocalipse 21, onde Deus habita com os homens e enxuga toda lágrima.
Além disso, a promessa de que Deus guiará seu povo “até o fim” é reforçada em Romanos 8:38–39, onde nada pode nos separar do amor de Deus.
Significado dos nomes e simbolismos
- Sião – Representa a presença de Deus entre seu povo. No Antigo Testamento, é o monte do templo. No Novo Testamento, é símbolo da igreja e da cidade celestial (Hebreus 12:22).
- Cidade do grande Rei – Expressão usada por Jesus em Mateus 5:35. Afirma que Deus reina a partir de Sião, tanto no passado quanto no presente.
- Navios de Társis – Simbolizam força comercial e militar. Sua destruição mostra que nenhum poder humano pode resistir ao juízo divino.
- Torres e muralhas – Elementos que simbolizam segurança. Mas, como ensina o salmo, essa segurança está em Deus, não nas construções humanas.
- Este Deus é o nosso Deus – Expressa aliança, identidade e confiança. Ele não é um Deus distante, mas um Pai presente e fiel.
Lições espirituais e aplicações práticas
- Deus é o verdadeiro protetor do seu povo – Nenhuma estrutura ou sistema é mais seguro que a presença do Senhor.
- A adoração fortalece a fé em meio às lutas – Louvar em tempos de livramento e crise renova nosso espírito e testemunha ao mundo quem Deus é.
- As próximas gerações precisam conhecer o Deus que agiu conosco – A fé não é só pessoal, mas transmissível. Ensinar é parte da fidelidade.
- A igreja é a nova Jerusalém onde Deus habita – Ela pode ser perseguida, mas é indestrutível porque Deus é seu fundamento.
- Nada pode nos separar do cuidado de Deus – Ele é nosso guia até o fim, mesmo quando as circunstâncias parecem incertas.
- A esperança cristã é escatológica – Assim como Sião prefigurava a cidade eterna, nossa esperança está na nova Jerusalém, onde Deus estará conosco para sempre.
Conclusão
O Salmo 48 celebra a cidade de Deus como símbolo da presença, proteção e fidelidade do Senhor. Ele nos convida a louvar, confiar, lembrar e ensinar. Ao ler este salmo, percebo que não estou sozinho. Faço parte de um povo amado, guiado e protegido por um Deus eterno. A Jerusalém do passado aponta para a igreja do presente e a nova cidade que está por vir.
Referências
- CALVINO, João. Salmos. Organização de Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho, e Francisco Wellington Ferreira. Tradução de Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 2.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus. Organização de Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução de Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.