O Salmo 64 é atribuído a Davi e pertence à categoria dos salmos de lamento individual. A tradição judaica e cristã vê nesse salmo uma expressão de angústia diante de inimigos que conspiram em segredo para destruir a reputação e a vida do salmista.
Embora não haja uma identificação precisa do contexto histórico imediato, estudiosos como Hernandes Dias Lopes associam esse salmo aos dias de perseguição sofridos por Davi durante o reinado de Saul, quando era alvo de complôs e difamações (LOPES, 2022, p. 683).
A estrutura do salmo segue o padrão clássico de muitos lamentos: clamor, descrição da situação, petição, resposta esperada e louvor. Segundo Purkiser, o salmo segue o “padrão costumeiro de clamor, situação difícil, petição e promessa” (apud LOPES, 2022, p. 683).
Um aspecto teológico central deste salmo é a confiança na justiça de Deus. Davi reconhece que há forças ocultas tentando destruí-lo, mas reafirma sua certeza de que o Senhor reverterá a situação. Derek Kidner observa que o contraste entre o Salmo 63 e o 64 é marcante: no primeiro, o foco está em Deus, enquanto no segundo, o foco recai sobre os inimigos (apud LOPES, 2022, p. 683). Ainda assim, a ação divina não tarda.
O Salmo 64 é, portanto, uma oração por proteção e justiça, mas também um testemunho da ação retributiva de Deus na história. Ele apresenta o conflito entre o justo e os ímpios, não como uma luta de forças humanas, mas como um campo onde Deus manifesta sua fidelidade àqueles que o temem.
O clamor do justo (Sl 64:1-2)
>>> Inscreva-se em nosso Canal no YouTube
“Ouve-me, ó Deus, quando faço a minha queixa; protege a minha vida do inimigo ameaçador” (v. 1).
Davi inicia com um clamor urgente. Ele não está apenas lamentando, mas suplicando proteção. Sua oração é pessoal, direta e confiante. Como cristão, eu aprendo que, diante da injustiça, nossa primeira reação deve ser buscar refúgio em Deus, não em estratégias humanas.
Ele pede para ser escondido da “conspiração dos ímpios” e da “ruidosa multidão de malfeitores” (v. 2). Essas expressões revelam um complô ativo contra sua vida, tanto em ações secretas quanto em vozes que clamam por sua destruição. Warren Wiersbe observa que Davi enfrentava dois perigos: o plano secreto de Saul e seus oficiais e o clamor público daqueles que desejavam agradar ao rei (apud LOPES, 2022, p. 684).
Essa tensão também aparece em outros salmos de lamento, como no Salmo 13, onde Davi clama por resposta diante do silêncio divino.
A trama do inimigo (Sl 64:3–6)
“Eles afiam a língua como espada e apontam como flechas, palavras envenenadas” (v. 3).
Os ataques não são físicos, mas verbais. O texto apresenta uma metáfora poderosa: a língua é espada, e as palavras são flechas. Allan Harman observa que a batalha não é travada com armas tradicionais, mas com palavras afiadas que ferem profundamente (apud LOPES, 2022, p. 684). É um atentado à reputação, uma desconstrução do caráter do justo.
O verso 4 mostra que os inimigos agem “às ocultas”, com covardia. São emboscadas verbais, planejadas para destruir o íntegro sem aviso. Eles atacam “de surpresa, sem qualquer temor”. Isso revela frieza, planejamento e insensibilidade.
No verso 5, Davi expõe a ousadia dos conspiradores. Eles não apenas tramam o mal, mas se encorajam mutuamente em seus planos perversos. “Quem as verá?” – essa pergunta irônica mostra a arrogância dos que acham que Deus não vê nem julga. Como cristão, isso me lembra que nenhuma maldade passa despercebida ao olhar do Senhor.
O verso 6 revela o nível de profundidade da maldade: “a mente e o coração de cada um deles o encobrem”. Trata-se de uma corrupção total. Hernandes Dias Lopes afirma que “cada um dos inimigos era um poço de escuridão” (LOPES, 2022, p. 686). É a depravação interior que sustenta a injustiça exterior.
Essa realidade também aparece no Salmo 52, onde o ímpio confia em sua língua destruidora, mas Deus o derruba.
O julgamento divino (Sl 64:7–9)
“Mas Deus atirará neles suas flechas; repentinamente serão atingidos” (v. 7).
Aqui ocorre uma reviravolta. O Senhor não apenas responde à oração do salmista, mas age com justiça precisa. A mesma linguagem usada para descrever os ataques dos inimigos é agora aplicada a Deus: Ele também possui flechas, mas as usa com justiça.
Derek Kidner observa que os conspiradores são destruídos pelas próprias armas (apud LOPES, 2022, p. 687). Wiersbe reforça que “Deus derrota nossos inimigos com as mesmas armas que usam contra nós” (apud LOPES, 2022, p. 687).
Spurgeon diz: “Já que dispararam, então serão alvos de disparo. Um arqueiro melhor do que eles fixará o alvo certo no coração deles. O Senhor vira o jogo” (apud LOPES, 2022, p. 688).
O verso 8 mostra que a derrota será pública. “Todos os que veem meneiam a cabeça”. Segundo Kidner, isso pode indicar escárnio ou choque (apud LOPES, 2022, p. 688). Aquilo que era escondido se torna motivo de vergonha pública.
No verso 9, a ação divina provoca temor e testemunho: “Todos os homens temerão, proclamarão as obras de Deus, refletindo no que ele fez”. O julgamento serve de lição para os justos e para os ímpios. Spurgeon afirma que “pecaram secretamente, mas o castigo será dado sob a face do sol” (apud LOPES, 2022, p. 689).
Essa mesma justiça que ensina é celebrada também no Salmo 58, onde o salmista declara que “há recompensa para os justos”.
A alegria do justo (Sl 64:10)
“Alegrem-se os justos no Senhor e nele busquem refúgio; congratulem-se todos os retos de coração!” (v. 10).
O salmo começa com clamor e termina com alegria. A resposta de Deus gera louvor e segurança. O justo não se vinga, mas confia no livramento divino. Como cristão, eu aprendo que devo esperar no Senhor e me alegrar em sua fidelidade.
Davi afirma que os retos de coração se gloriarão, não pela derrota dos inimigos, mas pela manifestação da justiça de Deus. Spurgeon explica: “Aquilo que alarma o mal, alegra o bem” (apud LOPES, 2022, p. 690).
Essa alegria no livramento também é tema no Salmo 40, onde Davi declara: “Esperei confiantemente pelo Senhor, e ele se inclinou para mim e ouviu o meu clamor”.
Cumprimento das profecias
Embora o Salmo 64 não seja diretamente citado no Novo Testamento como profecia messiânica, seus princípios se alinham com temas amplamente cumpridos em Cristo. A linguagem sobre perseguição injusta, conspiração oculta e vindicação divina encontra eco na paixão de Jesus.
Jesus foi alvo de acusações falsas, armadilhas verbais e julgamento injusto. Assim como Davi foi perseguido por sua integridade, Cristo foi odiado não por seus erros, mas por sua justiça. O princípio de que Deus julga os ímpios e exalta os justos é reafirmado em textos como Filipenses 2:8–11, onde Jesus, após ser humilhado, é exaltado soberanamente por Deus.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 64
- Flechas e espadas – São figuras da linguagem destrutiva. Representam os ataques verbais que visam ferir profundamente. A espada fere de perto; a flecha, de longe.
- Esconderijo/Emboscada – Simbolizam a ação sorrateira dos inimigos. As conspirações são tramadas no segredo, o que revela covardia e deslealdade.
- Justo – Aquele que, mesmo perseguido, permanece confiante em Deus. Davi é o modelo do justo que sofre injustamente, mas não revida com as mesmas armas.
- Cabeça meneada – Gesto simbólico que representa escárnio ou assombro. A vergonha dos ímpios será pública.
- Alegria no Senhor – Um contentamento baseado na fidelidade de Deus, não em circunstâncias.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 64
- A oração é o refúgio do justo – Devemos recorrer a Deus antes de qualquer outra ação.
- Palavras podem ser armas destrutivas – Que nossas palavras edifiquem, não destruam.
- A integridade provoca oposição – Ser fiel a Deus atrai perseguição, mas também o favor divino.
- Deus age com justiça e precisão – Ele reverte estratégias ímpias e honra quem confia nEle.
- A alegria no Senhor é fruto da confiança – Mesmo na aflição, podemos nos alegrar na fidelidade de Deus.
Conclusão
O Salmo 64 nos ensina a lidar com inimigos ocultos, críticas injustas e conspirações silenciosas. Davi mostra que, ao invés de revidar, devemos nos voltar a Deus em oração e confiança. Como cristão, eu aprendo que a justiça de Deus nunca falha. E quando ela chega, o justo se alegra, o ímpio é envergonhado, e todos reconhecem as obras do Senhor.
Referência
LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2.