Números 15 é um chamado à fidelidade, mesmo no deserto da disciplina. Após a rebelião descrita em Números 14, o povo está condenado a vagar por quarenta anos até que a geração incrédula morra. No entanto, Deus não se afasta. Pelo contrário, reafirma seu compromisso e ensina uma nova geração a viver em aliança. Ele não os abandona — Ele os prepara.
Qual é o contexto histórico e teológico de Números 15?
O capítulo ocorre logo após a recusa do povo em entrar na Terra Prometida. A incredulidade de Israel havia provocado um dos momentos mais tristes da jornada: a sentença de morte no deserto. Mas Números 15 nos surpreende com graça. O Senhor começa o capítulo com uma promessa: “Quando entrarem na terra que lhes dou para sua habitação” (Nm 15.2). Ele continua crendo no futuro do povo, mesmo quando eles falham no presente.
Segundo Eugene Merrill, como a geração adulta havia sido sentenciada à morte no deserto, tornou-se necessário ensinar os mais jovens sobre os requisitos da aliança (MERRILL, 1985, p. 232). Deus ainda espera ser honrado por meio dos sacrifícios e ordenanças que regem a vida de Seu povo.
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Como explicam Walton, Matthews e Chavalas, os sacrifícios de Israel, ao contrário das práticas pagãs, não tinham o propósito de alimentar o deus, mas de demonstrar gratidão, purificação e lealdade à aliança (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 195). Esse padrão de relacionamento ainda é relevante para mim hoje. Deus quer minha fidelidade expressa em atitudes práticas.
Como o texto de Números 15 se desenvolve?
1. Por que Deus ordena instruções sobre ofertas futuras? (Números 15.1–21)
O Senhor apresenta regulamentos sobre ofertas queimadas, de cereais e derramadas. Essas ofertas eram expressões de adoração e comunhão com Deus, não relacionadas ao pecado. Cada tipo de animal sacrificado pedia uma medida proporcional de farinha e vinho (Nm 15.4–10).
O mais impactante aqui é que Deus fala “quando vocês entrarem na terra” — não “se”. Mesmo após o juízo, a promessa continua. Isso me ensina que o Senhor nunca cancela o futuro por causa do passado. Ele sempre olha adiante.
Merrill explica que esses sacrifícios representavam tributos ao soberano, que deviam ser oferecidos por todos — israelitas e estrangeiros (MERRILL, 1985, p. 232). Essa inclusão do estrangeiro me lembra que a graça de Deus sempre esteve aberta além dos limites étnicos, como vemos em Atos 10, com a salvação de Cornélio.
2. O que significavam as primícias da colheita? (Números 15.17–21)
“Apresentem um bolo feito das primícias da farinha de vocês” (Nm 15.20)
Deus instrui que, ao colherem os primeiros frutos da terra, deveriam oferecer uma porção ao Senhor. Esse princípio das primícias aparece repetidamente nas Escrituras, como em Provérbios 3.9: “Honre o Senhor com todos os seus recursos e com os primeiros frutos de todas as suas plantações.”
Isso me ensina a colocar Deus em primeiro lugar em tudo. Meu tempo, meus recursos, meus talentos — tudo deve começar por Ele.
3. Como lidar com pecados por ignorância? (Números 15.22–29)
Deus é justo e sabe distinguir entre erro e rebeldia. Quando a comunidade ou o indivíduo pecava por ignorância, deveria oferecer um novilho como holocausto e um bode como oferta pelo pecado (Nm 15.24). Isso revela a seriedade do pecado, mesmo quando não intencional.
Em Lucas 12.47–48, Jesus ensina que há graus diferentes de responsabilidade conforme o conhecimento da vontade de Deus. Quem sabe mais, será mais cobrado. Essa passagem de Números reforça essa verdade.
Segundo Merrill, a diferença entre este texto e Levítico 4 é que aqui os pecados são por omissão, enquanto em Levítico eram por comissão. Ambas situações, porém, exigem expiação (MERRILL, 1985, p. 233). Isso me desafia a não ser negligente com a Palavra. Ignorância não me isenta.
4. O que acontece com quem peca deliberadamente? (Números 15.30–31)
“Mas todo aquele que pecar com atitude desafiadora […] será eliminado do meio do seu povo” (Nm 15.30)
Este é um alerta duro. Deus trata com severidade aqueles que pecam com rebeldia. Segundo Walton, o termo “insulta ao Senhor” carrega a ideia de desprezo aberto à Sua autoridade, algo que ameaçava toda a estrutura da aliança (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 196). O castigo era tanto humano (exclusão ou morte) quanto divino (eliminação da linhagem).
Essa distinção entre pecado involuntário e deliberado aparece também em Hebreus 10.26–27: “Se continuarmos a pecar deliberadamente depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados.”
Isso me faz refletir com temor: tenho tratado algum pecado com descaso? Tenho me rebelado contra a vontade de Deus em alguma área?
5. Por que um homem foi apedrejado por recolher lenha? (Números 15.32–36)
Essa história nos mostra, na prática, o que significa pecado com atitude desafiadora. O homem sabia da proibição do trabalho no sábado (Êxodo 35.2–3), mas colheu lenha. Ele foi preso e, após a consulta a Deus, a sentença foi a morte.
Segundo Merrill, esse relato serve como ilustração direta do que foi descrito nos versículos anteriores — um exemplo de afronta consciente à lei de Deus (MERRILL, 1985, p. 233).
A execução pública, fora do acampamento, servia para preservar a pureza da comunidade. Assim como em 1 Coríntios 5.6–13, o pecado não pode ser tolerado entre o povo de Deus.
6. O que significam as borlas com cordão azul? (Números 15.37–41)
“Façam borlas nas extremidades das suas roupas e ponham um cordão azul em cada uma delas” (Nm 15.38)
Essas borlas, chamadas ṣîṣiṯ em hebraico, eram símbolos visuais para lembrar o povo dos mandamentos do Senhor. O cordão azul destacava-se pela sua cor rara e nobre, como explica Walton: produzido a partir do molusco Murex trunculus, o corante azul era caro e indicava status sacerdotal (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 197).
Jesus usava essas borlas em Suas vestes, como vemos em Mateus 9.20, quando uma mulher toca “a orla do seu manto” e é curada. Isso mostra que o Senhor vivia em perfeita obediência à Lei, sem cair na hipocrisia legalista.
Essas borlas me desafiam a ter lembretes visíveis da minha aliança com Deus. Hoje, posso usar estratégias diferentes — versículos no celular, quadros em casa, músicas —, mas o princípio permanece: preciso me lembrar, todos os dias, a quem pertenço.
Como Números 15 aponta para Cristo e o Novo Testamento?
Tudo em Números 15 aponta para Jesus. As ofertas de aroma agradável se cumprem n’Ele, o sacrifício perfeito (Efésios 5.2). A severidade com o pecado mostra o valor da graça — pois “onde aumentou o pecado, transbordou a graça” (Romanos 5.20).
As borlas apontam para a santidade visível. E a inclusão dos estrangeiros antecipa o plano global de Deus, cumprido em João 4.21–24, quando Jesus diz que a verdadeira adoração não depende do local, mas do espírito e da verdade.
O que Números 15 me ensina para a vida hoje?
Ao ler Números 15, aprendo que:
- A fidelidade de Deus continua, mesmo quando eu falho.
- Obediência não é um sentimento — é uma prática concreta.
- O pecado tem graus de gravidade, mas todos exigem arrependimento.
- Eu preciso cultivar lembretes visuais da minha fé, para não me esquecer da aliança.
- A promessa de Deus segue firme, mesmo em tempos de disciplina.
Números 15 me convida a viver com reverência, compromisso e esperança. Mesmo no deserto, Deus está me preparando para a terra prometida.
Referências
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- MERRILL, Eugene H. “Numbers”, in: WALVOORD, John F.; ZUCK, Roy B. (org.). The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the Scriptures. Vol. 1. Wheaton, IL: Victor Books, 1985.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.