Levítico 27 é um capítulo que me confronta com a seriedade dos compromissos espirituais e a importância de dedicar a Deus aquilo que Lhe pertence. Ele encerra o livro com um chamado profundo à consagração, não apenas de ofertas, mas da vida inteira. O texto fala sobre votos, resgates, dízimos e propriedades consagradas — um lembrete de que tudo o que temos é do Senhor.
Qual é o contexto histórico e teológico de Levítico 27?
Levítico foi escrito por Moisés, provavelmente durante a peregrinação de Israel pelo deserto, após a construção do Tabernáculo (VASHOLZ, 2018). O povo havia saído do Egito e agora precisava aprender a viver como uma nação santa. Deus revelou um sistema de culto, leis civis e princípios espirituais que fariam de Israel um povo distinto entre as nações.
Levítico 27 não é um apêndice desconexo, mas uma conclusão cuidadosamente planejada. Como explica Vasholz, ele equilibra o conteúdo do início do livro (as ofertas dos capítulos 1–7) ao apresentar instruções que também tratam de consagrações, desta vez feitas por votos e compromissos pessoais. Ou seja, Levítico começa e termina com adoração (VASHOLZ, 2018, p. 352).
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O tema dos votos também era conhecido em outras culturas do antigo Oriente Próximo, como mostram os paralelos com os hititas, ugaríticos e mesopotâmicos (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 182). Em Israel, esses votos eram voluntários, mas extremamente sérios. Como lemos em Deuteronômio 23.21–22, “Quando fizeres algum voto ao Senhor, teu Deus, não tardes em cumpri-lo…”. Em outras palavras, fazer um voto era opcional; cumprir, obrigatório.
Como o texto de Levítico 27 se desenvolve?
1. O que significava dedicar uma pessoa a Deus? (Lv 27.1–8)
O capítulo começa com a possibilidade de alguém fazer um voto especial, dedicando uma pessoa ao Senhor. Como apenas os levitas podiam servir no santuário, o compromisso assumido era simbolizado por um pagamento ao templo. O valor dependia da idade, sexo e força de trabalho da pessoa:
- Homens de 20 a 60 anos: 600g de prata (50 siclos)
- Mulheres da mesma faixa etária: 360g (30 siclos)
- Crianças, idosos e pessoas pobres tinham valores diferenciados, sempre determinados com justiça pelo sacerdote (Lv 27.3–8)
Essa prática pode ser comparada à consagração de Samuel por Ana (1Sm 1.11), mas nem todos poderiam entregar alguém para servir no santuário. Por isso, o sistema de resgate se tornou uma forma simbólica de dedicar a força de trabalho ao Senhor.
Como observa Walton, essa tabela também encontra paralelos em códigos legais da Mesopotâmia, como as Leis de Eshnuna e de Hamurábi, que estipulavam multas conforme a idade e o status social (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 182).
2. Como funcionava a consagração de animais? (Lv 27.9–13)
Se o voto incluía um animal puro, ele se tornava santo ao Senhor. Não podia mais ser trocado, nem mesmo por outro de maior valor (Lv 27.9–10). Caso alguém tentasse trocar, ambos — o original e o substituto — seriam consagrados.
Se fosse um animal impuro, ele não podia ser usado em sacrifício, mas podia ser vendido ou resgatado com o acréscimo de 20% sobre seu valor (Lv 27.11–13). Isso lembra os cuidados do culto: nada impuro poderia ser oferecido ao Senhor (Lv 22.21–25).
O sacerdote exercia um papel central, avaliando o valor do animal. Essa figura do sacerdote como mediador aparece em diversas culturas antigas, mas em Israel ela tinha ligação direta com a santidade e a revelação de Deus (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 183).
3. Casas e campos podiam ser consagrados? (Lv 27.14–25)
Sim. Uma casa dedicada ao Senhor era avaliada por suas qualidades e podia ser resgatada com o acréscimo de 20% (Lv 27.14–15). Já os campos exigiam uma avaliação mais detalhada: o valor era calculado com base na quantidade de sementes necessárias para plantá-lo e também conforme os anos restantes até o próximo Ano do Jubileu (Lv 27.16–18).
Se o campo fosse da herança familiar e não fosse resgatado, ele se tornava propriedade dos sacerdotes (Lv 27.20–21). Se fosse campo comprado (não herdado), retornaria ao antigo dono no Jubileu (Lv 27.22–24). Isso protegia o direito de cada tribo à sua herança, tema crucial na teologia de Levítico e Números 36.
O peso de referência para todos esses cálculos era o siclo do santuário (Lv 27.25), equivalente a vinte geras (cerca de 12 gramas). Essa padronização protegia contra fraudes e refletia a exigência de justiça em todo o culto (Lv 19.35–36).
4. O que não podia ser consagrado ou resgatado? (Lv 27.26–29)
O primogênito dos animais já pertencia ao Senhor por direito, conforme Êxodo 13.2 e Números 18.15. Portanto, não podia ser usado como voto.
Também não se podia resgatar pessoas consagradas para destruição (Lv 27.29). Esse termo refere-se a juízos de Deus, como em Josué 7, onde Acã e sua família foram condenados à morte. O objetivo era manter a santidade da comunidade e do nome do Senhor (WALTON; MATTHEWS; CHAVALAS, 2018, p. 184).
5. Como funcionava o dízimo da terra e dos rebanhos? (Lv 27.30–34)
Todo dízimo era do Senhor, tanto dos produtos da terra quanto dos animais. O dízimo agrícola podia ser resgatado com acréscimo de 20% (Lv 27.31), mas o dízimo do rebanho não. A contagem era feita “debaixo da vara” (Lv 27.32) — o décimo animal era automaticamente consagrado, sem substituição permitida.
Essa regra evitava manipulação ou favorecimento. Era uma forma de lembrar que Deus é o dono de tudo. Como reforçado em Deuteronômio 14.22–26, o dízimo era também um instrumento de adoração, ensino e justiça social.
Há cumprimento profético em Levítico 27?
Sim. Embora Levítico 27 trate de regras práticas, ele prepara o terreno para verdades mais profundas. Os votos, resgates e consagrações apontam para uma entrega total ao Senhor — algo que encontra seu clímax em Jesus.
Em Atos 20.28, Paulo declara que Deus comprou a igreja “com o seu próprio sangue”. Cristo é o resgate supremo. Ele cumpriu o que os votos simbolizavam: dedicação total, sem reserva, sem volta. Ele é o primogênito, o dízimo, a oferta perfeita. Nada O deteve de entregar-se por nós.
Os dízimos também são ecoados no ensino de Jesus, especialmente em Mateus 23.23, onde Ele alerta para não negligenciar a justiça e a misericórdia em nome da religiosidade.
O que Levítico 27 me ensina para a vida hoje?
Ao ler Levítico 27, percebo o quanto Deus valoriza os compromissos que faço com Ele. Votos não são meras palavras jogadas ao vento. São promessas feitas diante do Santo. Se me comprometo a orar mais, a servir mais, a ofertar mais — devo cumprir com reverência.
Esse capítulo me lembra que tudo que tenho — tempo, recursos, talentos — pode e deve ser consagrado ao Senhor. Posso dedicar meus dons ao Reino, minha casa para a hospitalidade cristã, meus bens para ajudar os necessitados. E quando o faço com sinceridade, Ele recebe como oferta santa.
Também sou lembrado da importância da integridade. Os israelitas não podiam manipular os valores dos animais, das casas ou dos dízimos. O culto verdadeiro é transparente, sincero, honesto.
Outro ponto que me toca é a inclusão dos pobres. Deus permite que o sacerdote reavalie os valores dos votos conforme a condição econômica de quem promete (Lv 27.8). Isso mostra que Ele nunca exclui ninguém de adorá-Lo. Cada um oferece o que pode, desde que seja de coração.
Por fim, vejo aqui uma chamada à consagração total. Não basta dar parte. Deus quer tudo. O que Lhe é consagrado se torna santíssimo (Lv 27.28). Isso inclui minha vida. Se sou d’Ele, não posso viver como se fosse meu. Como diz Paulo: “Vocês foram comprados por alto preço. Portanto, glorifiquem a Deus com o corpo de vocês” (1Coríntios 6.20).
Referências
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- VASHOLZ, Robert I. Levítico. Tradução: Jonathan Hack. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.