Marcos 6 é um daqueles capítulos que revelam o contraste entre o que esperamos de Deus e a maneira surpreendente como Ele age. Ao ler esse texto, percebo o quanto o ministério de Jesus foi marcado por rejeição, compaixão e demonstrações claras de que Ele é o Messias prometido. O curioso é que, muitas vezes, quem mais rejeita Jesus são justamente aqueles que deveriam reconhecê-Lo.
Qual é o contexto histórico e teológico de Marcos 6?
O Evangelho de Marcos foi escrito, provavelmente, entre os anos 60 e 70 d.C., em um momento em que os primeiros cristãos enfrentavam perseguição e incertezas, especialmente em Roma, como destaca Keener (2017). Marcos, discípulo de Pedro, registra as ações de Jesus de forma direta e objetiva, destacando o poder e a autoridade do Filho de Deus.
O capítulo 6 se passa, em sua maior parte, na região da Galileia, incluindo Nazaré, o Mar da Galileia e Genesaré. A expectativa messiânica era muito forte, mas as pessoas esperavam um libertador político. Jesus, no entanto, apresenta-se como o Messias humilde, compassivo e soberano sobre toda a criação.
Teologicamente, este capítulo destaca duas realidades que me fazem refletir: o endurecimento do coração humano e a paciência de Jesus. Hendriksen (2014) observa que, mesmo entre aqueles que conheciam Jesus desde criança, prevalece a incredulidade. Já os milagres no deserto e sobre o mar apontam para Jesus como o Deus que supre e domina a natureza, em alusão direta ao Antigo Testamento, como lemos em Salmo 77.19.
Como o texto de Marcos 6 se desenvolve?
O capítulo se organiza em seis episódios que, juntos, revelam o caráter e o poder de Jesus.
1. Por que Jesus foi rejeitado em Nazaré? (Marcos 6.1-6)
Jesus retorna a Nazaré, sua cidade natal. Ele ensina na sinagoga com sabedoria e autoridade, mas o povo se recusa a crer:
“Não é este o carpinteiro? Não é este o filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão? Não estão aqui conosco as suas irmãs?” (Marcos 6.3, NVI).
A familiaridade gera desprezo. Eles conheciam Jesus como o “carpinteiro”, profissão comum na região, especialmente após a reconstrução de Séforis, próxima de Nazaré, como explica Keener (2017). Mas não reconheceram o Messias diante deles.
O resultado? Poucos milagres ocorreram ali. A incredulidade limitou não o poder de Jesus, mas a missão, pois, como lembra Keener (2017), curar sem fé seria agir como um mágico, e não como o Salvador.
Essa cena me confronta. Quantas vezes me acostumo tanto com as verdades do Evangelho que perco o temor e a expectativa diante do agir de Deus?
2. O que aprendemos com o envio dos Doze? (Marcos 6.7-13)
Jesus envia os discípulos em duplas, seguindo o costume judaico de que um testemunho precisava de duas pessoas (Deuteronômio 19.15).
A missão é clara:
- Pregar o arrependimento.
- Expulsar demônios.
- Curar os enfermos.
Eles deveriam ir com o mínimo possível, confiando inteiramente na provisão de Deus. Hendriksen (2014) destaca que esse envio lembra o ministério de profetas como Elias e João Batista.
Esse trecho me ensina que a missão cristã exige dependência de Deus e simplicidade. Não são os recursos que garantem o sucesso, mas a autoridade do Senhor.
O que mais me toca é que Jesus envia pessoas comuns. Isso me lembra que, apesar das minhas falhas, também posso ser instrumento nas mãos dEle.
3. Por que João Batista foi assassinado? (Marcos 6.14-29)
A fama de Jesus desperta o medo de Herodes Antipas. Ele acredita que João Batista ressuscitou. Marcos então relata o episódio da morte de João.
João foi preso por denunciar o adultério entre Herodes e Herodias, sua cunhada. A conspiração resultou em sua decapitação durante um banquete repleto de sensualidade e intriga, conforme narrado em Mateus 14.6-11.
Keener (2017) explica que o pedido da cabeça de João simboliza a corrupção da corte de Herodes, dominada por ambição e imoralidade. A morte de João ecoa o sofrimento dos profetas ao longo da história, como lemos em Mateus 23.34-35.
Aqui percebo que ser fiel ao Evangelho pode custar caro. João permaneceu firme, mesmo sabendo dos riscos. Isso me desafia a não negociar a verdade, mesmo que haja oposição.
4. O que revela o milagre da multiplicação dos pães? (Marcos 6.30-44)
Os discípulos voltam da missão cansados. Jesus os convida a descansar. Mas a multidão os segue. Movido de compaixão, Jesus ensina e, depois, realiza o milagre da multiplicação:
“Tomando os cinco pães e os dois peixes… deu graças, partiu os pães e os entregou aos discípulos, para que os servissem ao povo.” (Marcos 6.41, NVI).
Hendriksen (2014) observa que esse milagre relembra o maná no deserto (Êxodo 16.4) e aponta para Jesus como o Pão da Vida, revelado em João 6.35.
Aprendo que Jesus não apenas cuida do espiritual, mas também do físico. Ele se preocupa com o todo da minha vida.
Além disso, vejo que Ele usa o pouco que temos para fazer o muito. Basta confiar e entregar.
Mateus 14.13–21 | Marcos 6.30–44 | Lucas 9.10–17 | João 6.1–14 | |
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1. Contexto indicado | Jesus ouve o relato da morte de João. | Jesus ouve o relato dos Doze, ao voltarem da missão. | Similar a Marcos | “Depois destas coisas.” |
2. Descanso necessário | Ele se retira/implica com seus discípulos para um lugar deserto. | Jesus convida os Doze para que o acompanhem a um lugar deserto, para descanso. Eles são vistos saindo de barco. | Jesus se retira com seus discípulos até Betsaida. | Jesus [implícito: com seus discípulos] vai até o outro lado do Mar de Tiberíades. |
3. O descanso interrompido | As multidões seguem a pé, vindo das vilas. | As multidões correm ao redor do lago, para estarem com Jesus. | Similar a Mateus. | Jesus, já tendo chegado, do alto de um monte, vê a multidão se aproximando. A Páscoa se aproxima. |
4. A compaixão demonstrada | Jesus, tendo chegado, sai de seu retiro, fica movido de compaixão e cura os doentes. | Jesus recebe as pessoas, fala para elas sobre o Reino de Deus e cura os doentes. | Jesus recebe as pessoas, fala para elas sobre o Reino de Deus e cura os doentes. | Não em João. |
5. A antecipação da necessidade de comida | O dia, perto de chegar ao fim, as pessoas precisam se alimentar. Os discípulos querem que Jesus as despeça, para que comprem comida. | Similar a Mateus. Adições mais importantes: a. a pergunta dos discípulos: “Devemos comprar pães por duzentos denários?” b. Jesus ordena que as pessoas se sentem em grupos. |
Similar a Mateus e a Marcos. Pequenas variações: a. “Não temos mais que cinco pães e dois peixes, a não ser que saiamos para comprar comida.” |
Jesus conversa com Felipe e André sobre como alimentar as pessoas. O rapaz com cinco pães e dois peixes. |
6. Ordens dadas: a. aos discípulos b. ao povo |
a. Jesus aos discípulos: “Deem a eles o que comer.” b. Jesus aos discípulos: “Tragam-nos aqui para mim.” Depois, ordena ao povo que se sente na grama. |
Similar a Mateus, com ênfase nos detalhes: – Grupos de cem e de cinquenta pessoas sentadas. |
Jesus aos discípulos: “Façam-nos sentar em grupos de cerca de cinquenta pessoas.” | Jesus disse: “Façam as pessoas se sentarem.” Havia muita grama no lugar. |
7. O milagre realizado | Jesus toma os cinco pães e os dois peixes, dá graças, parte-os e os dá aos discípulos, que os distribuem ao povo. | Similar a Mateus. Adicionalmente, Marcos menciona: “Ele dividiu os dois peixes entre todos eles.” | Similar a Mateus. | Similar a Mateus e Marcos, exceto pelo fato de que os discípulos não são mencionados como distribuidores. |
8. As sobras coletadas | Doze cestos de pedaços partidos são coletados. Havia cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. | Similar a Mateus. Adicionalmente, Marcos menciona os pedaços de peixe também coletados. Não menciona mulheres e crianças. | Lucas é breve: pegaram doze cestos de sobras de pães partidos. | Jesus manda recolher os pedaços que sobraram. Resultado: doze cestos cheios. A multidão quer fazê-lo rei. Ele se retira ao monte. |
5. Como Jesus demonstrou seu poder sobre o mar? (Marcos 6.45-52)
Após o milagre, Jesus sobe ao monte para orar. Os discípulos enfrentam ventos contrários no mar. De madrugada, Jesus vai ao encontro deles, andando sobre as águas:
“Coragem! Sou eu! Não tenham medo!” (Marcos 6.50, NVI).
Keener (2017) destaca que andar sobre as águas remete a Deus no Antigo Testamento, que domina o mar (Jó 9.8). Essa cena revela a divindade de Jesus.
Os discípulos, com o coração endurecido, não entendem o que estão presenciando. Mesmo assim, Jesus se aproxima e acalma a tempestade.
Me identifico com eles. Em meio às lutas, às vezes também não reconheço que o Senhor está perto. Mas Ele vem, revela-se e traz paz.
6. Qual foi o impacto de Jesus em Genesaré? (Marcos 6.53-56)
Ao chegarem em Genesaré, as pessoas reconhecem Jesus e correm para trazer os enfermos. Muitos apenas tocam em suas vestes e são curados, como a mulher do fluxo de sangue em Marcos 5.28.
Essa cena me mostra o poder do contato com Jesus, mesmo que simples. Basta um toque de fé e Ele transforma a realidade.
Que conexões proféticas encontramos em Marcos 6?
Este capítulo aponta para o cumprimento de várias profecias e temas bíblicos:
- A rejeição em Nazaré cumpre o padrão visto em Isaías 53.3.
- O envio dos discípulos antecipa a Grande Comissão em Mateus 28.19-20.
- A morte de João Batista ecoa o sofrimento dos justos, como descrito em Apocalipse 6.9-11.
- A multiplicação dos pães remete ao cuidado de Deus no deserto e aponta para Cristo como o alimento eterno (João 6.35).
- O domínio sobre o mar revela a identidade divina de Jesus, conforme Salmo 77.19.
- As curas em Genesaré antecipam o Reino sem dor, prometido em Apocalipse 21.4.
O que Marcos 6 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo fala muito comigo. Aprendo que:
- A familiaridade pode me tornar cego para o agir de Deus.
- Mesmo limitado, posso ser usado por Cristo.
- Ser fiel à verdade pode gerar oposição.
- Jesus supre minhas necessidades, espirituais e físicas.
- Nas tempestades, Ele vem ao meu encontro.
- Um coração endurecido me impede de perceber a presença de Deus.
- Um simples toque de fé pode trazer cura e transformação.
Jesus, neste capítulo, me convida a confiar, mesmo quando sou desprezado, quando me sinto insuficiente ou quando o mar da vida parece incontrolável.
Referências
- HENDRIKSEN, William. Marcos. Tradução: Lucas Ribeiro. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

Sou Diego Nascimento e o Jesus e a Bíblia não é apenas um projeto, é um chamado. Deus deu essa missão a mim e a Carol (esposa) por meio do Espírito Santo. Amamos a Palavra de Deus e acreditamos que ela pode mudar a sua vida, assim como mudou a nossa.