Romanos 1 é uma das passagens mais impactantes e contundentes de toda a Bíblia. Ao ler esse capítulo, fico impressionado com a clareza e a profundidade com que o apóstolo Paulo apresenta tanto a grandeza do evangelho quanto a gravidade da condição humana sem Deus. Ele não suaviza as verdades espirituais nem tenta agradar o ouvinte. Pelo contrário, mostra com seriedade o problema do pecado e a necessidade urgente da salvação em Cristo.
Qual é o contexto histórico e teológico de Romanos 1?
A carta aos Romanos foi escrita por Paulo provavelmente no final de sua terceira viagem missionária, enquanto ele estava em Corinto, por volta do ano 57 d.C. (KEENER, 2017). Roma era, na época, o centro do mundo. A capital do Império Romano reunia povos de diversas nações, culturas e religiões. A cidade refletia toda a glória e decadência do império: poder político, avanço militar, riqueza e, ao mesmo tempo, profunda idolatria e corrupção moral.
Teologicamente, Romanos é considerada a mais sistemática das cartas de Paulo. Logo no início, o apóstolo expõe o tema central: o evangelho como poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Romanos 1.16). Mas, antes de explicar os detalhes dessa salvação, ele mostra a necessidade do evangelho, começando pela depravação da humanidade, em especial do mundo gentílico.
Os estudiosos destacam que Paulo segue uma estrutura semelhante à usada em discursos filosóficos e jurídicos da época, apresentando as evidências contra a humanidade e provando sua culpa (HERNANDES DIAS LOPES, 2010, p. 75-97). É uma carta profundamente pastoral e evangelística, mas também apologética e teológica.
Além disso, Keener (2017) mostra que o argumento de Paulo ecoa debates muito comuns no contexto judaico e greco-romano. Muitos judeus já condenavam as práticas idólatras e imorais dos gentios, e os próprios filósofos pagãos, em certa medida, criticavam os vícios da sociedade. O diferencial de Paulo, no entanto, é que ele não se limita a apontar o erro; ele revela a raiz do problema: a rejeição consciente de Deus.
Como o texto de Romanos 1 se desenvolve?
1. Como Paulo se apresenta e introduz o evangelho? (Romanos 1.1-7)
Logo no início, Paulo se identifica como “servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (Romanos 1.1). Essa introdução é muito mais do que formalidade. Ao se dizer servo, ele expressa humildade e total submissão a Cristo. Ao afirmar que foi chamado e separado, lembra o modelo dos profetas do Antigo Testamento.
O evangelho que ele anuncia não é invenção humana. É o cumprimento das promessas feitas por Deus através dos profetas nas Escrituras (Romanos 1.2). Essa conexão com o Antigo Testamento reforça a autoridade da mensagem e mostra que o cristianismo não é uma seita recente, mas o desdobramento do plano divino.
Paulo exalta Jesus Cristo como o Filho de Deus, descendente de Davi segundo a carne, mas declarado Filho de Deus com poder por meio da ressurreição (Romanos 1.3-4). Aqui já se percebe o coração da fé cristã: Jesus é plenamente homem e plenamente Deus, o Messias prometido, ressuscitado dos mortos.
Os destinatários são os crentes em Roma, descritos como “amados de Deus e chamados para serem santos” (Romanos 1.7). Paulo deseja a eles graça e paz, não como simples cortesia, mas como bênçãos concretas vindas do Pai e do Senhor Jesus Cristo.
2. Por que Paulo deseja ir a Roma? (Romanos 1.8-15)
Paulo expressa sua gratidão pela fé dos romanos, que já era conhecida em todo o mundo (Romanos 1.8). Ele revela seu intenso desejo de visitá-los, para fortalecer sua fé e também ser fortalecido por eles (Romanos 1.11-12).
Mesmo ainda não tendo estado em Roma, Paulo se vê em dívida com todos: gregos, bárbaros, sábios e ignorantes (Romanos 1.14). Isso demonstra sua compreensão do chamado missionário universal. Ele não se limita a um grupo específico, mas entende que o evangelho é para todos.
3. Qual é o tema central da carta? (Romanos 1.16-17)
Paulo declara com ousadia: “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1.16). Essa afirmação é o coração da mensagem. Diante de uma sociedade orgulhosa e idólatra como a romana, onde o evangelho podia parecer fraco ou ridículo, Paulo se mantém firme.
O evangelho revela a justiça de Deus, que se manifesta pela fé, do princípio ao fim. A citação de Habacuque 2.4 reforça que a salvação sempre foi, e sempre será, pela fé, e não pelas obras ou méritos humanos.
4. Como Paulo descreve a depravação da humanidade? (Romanos 1.18-32)
A partir do versículo 18, Paulo apresenta um diagnóstico sombrio da condição humana. Ele revela que a ira de Deus se manifesta contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça (Romanos 1.18).
Deus se revelou claramente à humanidade por meio da criação. Seus atributos invisíveis, seu eterno poder e sua divindade são percebidos nas coisas criadas (Romanos 1.19-20). Por isso, ninguém tem desculpa. A rejeição de Deus não é por ignorância, mas por escolha consciente.
O que Paulo descreve a seguir é uma espiral de decadência moral e espiritual:
- Primeiro, o homem conhece a Deus, mas se recusa a glorificá-lo e a ser grato (Romanos 1.21).
- Em seguida, seus pensamentos tornam-se fúteis e seu coração se obscurece.
- Considerando-se sábios, tornam-se loucos e trocam a glória do Deus imortal por imagens (Romanos 1.22-23).
A idolatria, segundo Paulo e conforme a tradição judaica destacada por Keener (2017), não é apenas um erro religioso, mas uma perversão consciente e um passo inicial para a degradação moral.
Deus, então, “os entregou” à impureza e à imoralidade (Romanos 1.24,26,28). Isso não significa que Deus incitou ao pecado, mas que ele permitiu que colhessem as consequências de suas escolhas.
Paulo destaca o homossexualismo como um dos exemplos mais evidentes dessa inversão da ordem natural estabelecida por Deus (Romanos 1.26-27). Não se trata de preconceito cultural, mas de uma avaliação teológica baseada na criação e no propósito divino para o ser humano.
Além disso, Paulo lista uma série de pecados sociais e morais: injustiça, maldade, ganância, inveja, homicídio, rivalidade, engano, arrogância, desobediência aos pais e muitos outros (Romanos 1.29-31).
A gravidade dessa situação é que, mesmo sabendo que tais práticas são condenadas por Deus e merecem morte, as pessoas não apenas as cometem, mas também as aprovam (Romanos 1.32). Essa é a marca final da degradação humana: o pecado deixa de ser apenas tolerado e passa a ser celebrado.
Que conexões proféticas encontramos em Romanos 1?
Romanos 1 aponta diretamente para o cumprimento de várias profecias e princípios do Antigo Testamento.
A promessa do evangelho anunciada pelos profetas (Romanos 1.2) cumpre-se plenamente em Jesus, o descendente de Davi e Filho de Deus, exaltado pela ressurreição (Romanos 1.3-4).
Além disso, a rebelião das nações, a idolatria e a degradação moral já haviam sido previstas nas Escrituras. O Salmo 106 descreve como Israel trocou a glória de Deus por imagens de bezerros, o que Paulo aplica agora ao mundo todo (Salmo 106.19-20).
A citação de Habacuque 2.4 mostra que a salvação pela fé sempre foi o caminho estabelecido por Deus, antes mesmo da era cristã. Essa conexão com o Antigo Testamento legitima o evangelho e mostra sua continuidade histórica e profética.
O que Romanos 1 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo me confronta de maneira profunda. Ele revela o quão grave é a rejeição de Deus e as consequências práticas dessa escolha. Aprendo algumas lições claras:
- O evangelho é urgente. Vivemos em um mundo que glorifica o pecado e rejeita Deus. Precisamos anunciar com coragem, como Paulo fez, que o evangelho é o poder de Deus para salvar.
- A criação aponta para o Criador. Olhar para a natureza e não enxergar Deus é um ato de negação consciente. Deus fala conosco por meio do que criou.
- A idolatria não é inofensiva. Trocar Deus por imagens, ideias ou desejos é o primeiro passo para a degradação espiritual e moral.
- A imoralidade sexual é consequência do distanciamento de Deus. Quando rejeitamos o padrão divino, o resultado é confusão, distorção e sofrimento.
- Celebrar o pecado é o ápice da decadência. Quando uma sociedade aplaude o mal, ela revela que se afastou tanto de Deus que já não discerne o certo do errado.
Como Romanos 1 me conecta ao restante das Escrituras?
Romanos 1 está em perfeita harmonia com o restante da Bíblia. Ele confirma o relato da criação e da queda em Gênesis. Mostra a necessidade do evangelho, tema central de todo o Novo Testamento. E prepara o caminho para o restante da carta aos Romanos, onde Paulo explicará em detalhes a salvação pela fé em Cristo.
Além disso, ecoa o alerta de Jesus sobre o estado do mundo antes da sua volta, quando o amor se esfriaria e a maldade se multiplicaria (Mateus 24.12).
Ao terminar esse capítulo, percebo que, apesar do quadro sombrio da humanidade, há esperança. O evangelho continua sendo o poder de Deus para salvar. E é exatamente isso que Paulo desenvolverá ao longo da carta.
Referências
- HERNANDES DIAS LOPES. Romanos: O Evangelho Segundo Paulo. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2010.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.