O Salmo 117 é o menor capítulo de toda a Bíblia, composto por apenas dois versículos. Apesar da sua brevidade, ele possui uma profundidade teológica imensa e comunica um dos temas centrais das Escrituras: o chamado universal para louvar a Deus. Ele pertence à coleção chamada Hallel Egípcio (Salmos 113–118), tradicionalmente cantada nas festas judaicas, como a Páscoa, para relembrar a libertação do Egito.
Embora não saibamos quem escreveu esse salmo nem em que situação foi composto, sua mensagem revela uma visão missionária clara. Hernandes Dias Lopes observa que “esse salmo de pura doxologia é messiânico, pois prediz a extensão da misericórdia de Deus aos gentios em Cristo” (LOPES, 2022, p. 1255). Ele é considerado por estudiosos como um apelo à adoração universal, apontando para o tempo em que todas as nações reconhecerão a soberania do Senhor.
Calvino destaca que “o Espírito Santo, por meio do profeta, exorta todas as nações a celebrarem os louvores da misericórdia e da fidelidade de Deus” (CALVINO, 2009, p. 145). Para ele, esse convite só faz sentido se for dirigido a povos que já estão sendo alcançados pelo conhecimento de Deus. Nesse sentido, o salmo antecipa a inclusão dos gentios no povo de Deus — algo plenamente realizado em Cristo.
1. Um chamado universal ao louvor (Salmo 117.1)
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“Louvem o Senhor, todas as nações; exaltem-no, todos os povos!” (v. 1)
O salmo começa com uma ordem clara: “Louvem o Senhor”. O termo hebraico utilizado aqui, halelu, é o mesmo que dá origem à palavra “Aleluia” — uma convocação para adorar a Deus com entusiasmo. Essa ordem não se limita a Israel, mas é direcionada a “todas as nações” e “todos os povos”. O uso desses dois termos reforça a universalidade do apelo.
Calvino comenta que “o profeta não quer dizer que Deus será louvado, em todos os lugares, pelos gentios, porque o conhecimento do caráter dEle se confina a uma pequena parte da terra da Judéia, mas esse conhecimento deveria ser difundido em todo o mundo” (CALVINO, 2009, p. 145). Assim, o louvor aqui anunciado não é genérico, mas fruto do conhecimento da misericórdia e da verdade de Deus reveladas a todos.
Hernandes Dias Lopes complementa: “esse salmo tem uma ampla visão missionária, uma vez que combina com a verdade central das Escrituras de que o Cordeiro de Deus foi morto e, com o seu sangue, comprou para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (LOPES, 2022, p. 1256). O louvor descrito aqui não é apenas um sentimento religioso, mas a resposta adequada à graça recebida.
Ao ler esse versículo, eu me lembro de que a adoração que agrada a Deus não está restrita a um povo ou cultura. O propósito eterno de Deus é reunir um povo de todas as nações para o louvor da sua glória, como vemos em Apocalipse 7:9.
2. A base do louvor: misericórdia e fidelidade (Salmo 117.2)
“Porque imenso é o seu amor leal por nós, e a fidelidade do Senhor dura para sempre. Aleluia!” (v. 2)
O salmista apresenta agora os dois grandes motivos do louvor: a misericórdia e a fidelidade de Deus. A palavra hebraica usada para “amor leal” é chesed, termo que aponta para o amor pactual de Deus — sua graça ativa, imerecida e constante. Hernandes Dias Lopes explica: “A misericórdia divina não pode ser medida, pois não tem fim. Merecíamos o inferno, mas recebemos o céu; merecíamos condenação, mas fomos justificados” (LOPES, 2022, p. 1257).
Já o termo “fidelidade”, no hebraico ’emet, traz a ideia de firmeza, estabilidade e verdade. Deus é confiável em tudo que diz e faz. Sua fidelidade não depende da nossa constância, mas da sua própria natureza. Como está em Lamentações 3:22-23, as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã, e sua fidelidade é grande.
Calvino acrescenta que “a misericórdia de Deus é rica para conosco, fluindo de uma fonte perene, porque está unida à eterna bondade de Deus” (CALVINO, 2009, p. 146). Para ele, a fidelidade é a garantia da continuidade da misericórdia — não são atributos em conflito, mas manifestações complementares da graça divina.
Quando o salmo termina com “Aleluia”, o salmista pratica o que prega. Ele não apenas convoca os povos a louvar, mas ele mesmo se junta ao coro de adoração. Hernandes Dias Lopes conclui: “O salmista pratica o que prega, ou seja, tendo convocado os gentios a ‘louvar ao Senhor’, ele mesmo faz isso” (LOPES, 2022, p. 1258).
Cumprimento das profecias
O Salmo 117 é citado diretamente pelo apóstolo Paulo em Romanos 15:11: “Louvem o Senhor, todas vocês, nações; todos os povos o exaltem”. Paulo usa essa citação para afirmar que desde o Antigo Testamento já estava previsto que os gentios fariam parte do povo de Deus e glorificariam o seu nome.
Isso mostra o caráter messiânico do salmo. Ele aponta para a inclusão das nações por meio de Cristo, o verdadeiro Filho de Davi, que cumpriu a promessa feita a Abraão: “em você serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:3).
O alcance universal do evangelho, que é claramente antecipado neste salmo, se realiza plenamente em Jesus. Como descrito em Apocalipse 5:9, o Cordeiro foi morto e, com seu sangue, comprou para Deus pessoas de todas as tribos, línguas, povos e nações.
Significado dos nomes e simbolismos do Salmo 117
- Senhor (YHWH) – O nome do Deus da aliança. Refere-se à sua fidelidade, eternidade e soberania. É o mesmo nome revelado a Moisés em Êxodo 3:14.
- Todas as nações / todos os povos – Termos que enfatizam a inclusão de todas as etnias, culturas e línguas no plano redentor de Deus.
- Amor leal (chesed) – Amor pactual, constante, imutável. Representa o compromisso fiel de Deus com seu povo.
- Fidelidade (’emet) – Verdade, firmeza, confiabilidade. Aponta para a constância de Deus ao longo das gerações.
- Aleluia – Expressão hebraica que significa “louvem ao Senhor”. É usada tanto na terra como no céu, como vemos em Apocalipse 19:1.
Lições espirituais e aplicações práticas do Salmo 117
- O louvor é uma convocação global — Deus deseja ser conhecido e adorado por todas as nações. Isso nos impulsiona à missão.
- A misericórdia de Deus é nossa maior esperança — ela nos alcançou, sustenta e não tem fim.
- A fidelidade de Deus é o fundamento da nossa segurança — Ele não muda, sua palavra permanece.
- Missões são um reflexo da adoração verdadeira — quem conhece a Deus deseja que todos o conheçam.
- O menor texto pode conter a maior teologia — dois versículos bastaram para resumir a história da redenção.
- A resposta adequada à graça é a adoração — adorar é reconhecer o que Deus fez por nós.
Conclusão
Ao ler o Salmo 117, eu percebo que Deus nunca teve um plano exclusivo para um só povo. Desde o início, o seu desejo era que todas as nações o conhecessem e o adorassem. O salmo mais curto da Bíblia contém uma mensagem eterna: o amor de Deus é imenso, sua fidelidade é para sempre, e o convite ao louvor é universal.
Como cristão, eu aprendo que minha missão não é apenas cantar, mas chamar outros a cantar comigo. É viver de modo que minha vida seja um reflexo da misericórdia que me alcançou. Que eu jamais me esqueça: a adoração verdadeira começa com o reconhecimento da graça.
Referências
- CALVINO, João. Salmos, org. Franklin Ferreira, Tiago J. Santos Filho e Francisco Wellington Ferreira; trad. Valter Graciano Martins. 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009. v. 4, p. 145–146.
- LOPES, Hernandes Dias. Salmos: O Livro das Canções e Orações do Povo de Deus, org. Aldo Menezes. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2022. v. 1 e 2, p. 1255–1259.