Efésios 4 é um daqueles textos que mexem profundamente comigo. Quando leio essas palavras de Paulo, eu me lembro de como Deus nos chama para algo muito maior do que viver apenas para nós mesmos. Aqui, o apóstolo não apenas ensina doutrina. Ele nos mostra, na prática, como deve ser o nosso jeito de viver, de falar, de lidar com as pessoas, e principalmente, como deve ser a vida em comunidade. É um convite para amadurecermos juntos, como corpo de Cristo, buscando unidade, crescimento e santidade.
Qual é o contexto histórico e teológico de Efésios 4?
A carta aos Efésios foi escrita por Paulo por volta do ano 60 ou 61 d.C., durante sua prisão em Roma, conforme registrado em Atos 28. Esse detalhe da prisão já mostra o peso e a urgência das palavras que ele escreve aqui. Mesmo limitado fisicamente, o coração e o pensamento de Paulo estão totalmente focados no avanço do evangelho e na maturidade da igreja.
Efésios faz parte do conjunto conhecido como “cartas da prisão”, junto com Filipenses, Colossenses e Filemom. A cidade de Éfeso era um importante centro comercial e religioso na Ásia Menor, atual Turquia. Era conhecida pelo famoso templo dedicado à deusa Ártemis, uma das sete maravilhas do mundo antigo, o que revelava o ambiente profundamente idólatra e pagão daquela sociedade.
Apesar da forte oposição, Paulo havia passado cerca de três anos em Éfeso, conforme vemos em Atos 19. Ali, ele pregou, discipulou e formou líderes. Por isso, conhecia bem as lutas e desafios que aqueles cristãos enfrentavam no dia a dia.
William Hendriksen destaca que o foco de Efésios não é tratar de problemas pontuais, mas apresentar a grandeza da igreja, o papel do crente e o plano de Deus para que, unidos, os filhos de Deus cresçam em maturidade e amor (HENDRIKSEN, 1992).
Craig Keener acrescenta que Efésios mistura profundidade teológica com orientações práticas, mostrando que não há separação entre doutrina e vida. O que cremos precisa, necessariamente, se refletir em como vivemos (KEENER, 2017).
É nesse clima que chegamos ao capítulo 4, onde Paulo começa a transição do ensino teológico para a aplicação prática, chamando a igreja à unidade e à maturidade.
Como o texto de Efésios 4 se desenvolve?
1. Unidade no corpo de Cristo (Efésios 4.1-6)
Paulo começa com um apelo cheio de autoridade e humildade: “Como prisioneiro no Senhor, rogo-lhes que vivam de maneira digna da vocação que receberam” (Efésios 4.1). Ele não está impondo algo de cima para baixo, mas falando como alguém que já paga o preço por seguir a Cristo.
A partir do verso 2, ele descreve o estilo de vida que expressa essa vocação:
- “Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes, suportando uns aos outros com amor” (Efésios 4.2). A humildade e a mansidão não eram virtudes valorizadas naquela cultura, e nem são hoje, mas Paulo deixa claro que são marcas dos que pertencem a Cristo.
- “Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Efésios 4.3). A unidade não acontece por acaso. É fruto de esforço, renúncia e muito amor.
Em seguida, o apóstolo apresenta uma bela síntese da unidade cristã, fundamentada em sete elementos espirituais:
“Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Efésios 4.4-6).
Keener explica que essa estrutura setenária reflete a unidade da Trindade, que se manifesta no corpo de Cristo, a igreja (KEENER, 2017). Hendriksen destaca que essa unidade não anula a diversidade, mas a organiza em harmonia, como o funcionamento de um corpo saudável (HENDRIKSEN, 1992).
2. Diversidade de dons para o crescimento (Efésios 4.7-16)
Paulo segue mostrando que, dentro dessa unidade, Deus distribui dons específicos:
“E a cada um de nós foi concedida a graça, conforme a medida repartida por Cristo” (Efésios 4.7).
Ele cita o Salmo 68, aplicando-o a Cristo, que subiu ao céu e concedeu dons ao seu povo (Efésios 4.8-10). Como explica Hendriksen, a imagem é a de um rei vitorioso que, após a conquista, distribui os despojos aos seus soldados, simbolizando o Cristo exaltado que enche a igreja de dons (HENDRIKSEN, 1992).
Esses dons incluem pessoas com funções específicas:
“E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres” (Efésios 4.11).
Cada função tem o propósito de:
- Preparar os santos para o serviço;
- Edificar o corpo de Cristo;
- Promover a unidade da fé;
- Levar os crentes à maturidade (Efésios 4.12-13).
O objetivo é que ninguém permaneça infantil espiritualmente, vulnerável a enganos e falsas doutrinas (Efésios 4.14). Pelo contrário, “seguindo a verdade em amor”, devemos crescer em tudo em Cristo, que é a cabeça da igreja (Efésios 4.15).
Keener observa que o crescimento espiritual é coletivo. Ninguém amadurece sozinho. Precisamos uns dos outros (KEENER, 2017). E Hendriksen reforça que cada crente, ao usar seu dom, contribui para o fortalecimento do corpo como um todo (HENDRIKSEN, 1992).
3. Abandonando o velho homem (Efésios 4.17-24)
Paulo então volta sua atenção ao comportamento prático dos crentes:
“Assim, eu lhes digo, e no Senhor insisto, que não vivam mais como os gentios” (Efésios 4.17).
Aqueles que não conhecem a Deus vivem na futilidade de seus pensamentos, no endurecimento do coração e na prática desenfreada do pecado (Efésios 4.18-19).
Mas os discípulos de Cristo foram chamados a algo diferente:
“Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem… a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus” (Efésios 4.22-24).
Essa transformação envolve mente, caráter e ações. Não é algo superficial, mas uma mudança profunda, gerada pela verdade que está em Cristo.
4. Vivendo em santidade prática (Efésios 4.25-32)
Para Paulo, santidade não é algo abstrato, mas extremamente prático:
- “Abandonem a mentira e falem a verdade” (Efésios 4.25).
- “Quando ficarem irados, não pequem” (Efésios 4.26).
- “Não deem lugar ao diabo” (Efésios 4.27).
- “O que furtava não furte mais; antes trabalhe” (Efésios 4.28).
- “Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para edificar” (Efésios 4.29).
- “Não entristeçam o Espírito Santo de Deus” (Efésios 4.30).
- “Livrem-se de toda amargura, indignação, ira…” (Efésios 4.31).
- “Sejam bondosos e compassivos, perdoando-se mutuamente” (Efésios 4.32).
Keener destaca que essas orientações ecoam os ensinamentos éticos do Antigo Testamento e da tradição judaica, mas agora com um fundamento ainda mais profundo: a nova vida em Cristo (KEENER, 2017).
Que conexões proféticas encontramos em Efésios 4?
Efésios 4 se conecta com várias promessas e ensinamentos do Antigo Testamento e de Cristo.
A ideia do corpo unido pelo Espírito ecoa a visão de Ezequiel 37, onde Deus reúne e dá vida ao seu povo disperso, formando um exército vivo e unido.
A transformação do “velho homem” e o revestimento do “novo homem” apontam para a promessa de Deus de dar um novo coração e um novo espírito, como vemos em Ezequiel 36.26-27.
Além disso, o ensino de Paulo sobre os dons concedidos por Cristo após sua ascensão cumpre a expectativa messiânica de que o Ungido viria para estabelecer o reino e equipar o seu povo, conforme anunciado em Isaías 11.2-4.
Por fim, o chamado à verdade e ao amor ecoa o próprio ensino de Jesus, que nos ensinou que “a verdade vos libertará” (João 8.32) e que o maior mandamento é o amor (Mateus 22.37-39).
O que Efésios 4 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo fala diretamente ao meu coração. Ele me lembra que não existe vida cristã isolada. Fomos chamados para viver em unidade, com humildade, amor e compromisso com o corpo de Cristo.
Aprendo que:
- Preciso me esforçar pela unidade. Isso exige paciência e renúncia.
- Deus me deu dons para servir e edificar outros. Não posso desperdiçá-los.
- O crescimento espiritual é um processo coletivo. Preciso da igreja e a igreja precisa de mim.
- Santidade é prática. Começa no falar, no agir, no modo como trato as pessoas.
- A verdade e o amor precisam caminhar juntos. Não posso abrir mão de nenhum dos dois.
- Jesus reina e cuida do seu corpo, a igreja. Não estou sozinho nessa caminhada.
Quando olho para Efésios 4, me vejo desafiado a abandonar o velho homem, renovar minha mente e viver à altura da vocação que Deus me deu. Não porque sou bom, mas porque Ele me ama e me chama a refletir a beleza de Cristo no dia a dia.
Referências
- HENDRIKSEN, William. Efésios e Filipenses. Tradução: Valter Graciano Martins. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1992.
- KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. Tradução: José Gabriel Said. Edição Ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.

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