Êxodo 9 me confronta com uma verdade incômoda: o juízo de Deus não é apenas simbólico — ele é real, visível, inescapável. Ao mesmo tempo, revela um Deus que, mesmo em meio ao juízo, oferece advertência, distingue os que o temem e preserva os seus. Esse capítulo amplia ainda mais o drama das pragas, deixando claro que o embate entre o Senhor e Faraó não é apenas político, mas profundamente teológico.
Qual é o contexto histórico e teológico de Êxodo 9?
O livro de Êxodo narra a libertação de Israel do cativeiro egípcio. Escravizados por séculos, os hebreus clamam a Deus, que levanta Moisés como libertador. As pragas representam uma resposta direta à dureza do coração de Faraó e ao sistema religioso do Egito, que desprezava o Deus de Israel.
Victor Hamilton explica que, a essa altura, as pragas não são apenas demonstrações de poder, mas também julgamentos contra as divindades egípcias e uma revelação do caráter incomparável do Senhor (HAMILTON, 2017, p. 223). Hathor, deusa egípcia associada ao amor e à fertilidade, era representada como vaca. O touro Ápis também era considerado sagrado. Ver esses animais sendo mortos por uma praga era um golpe direto na espiritualidade egípcia.
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Segundo Walton, Matthews e Chavalas, o Egito via as forças naturais como manifestações divinas. Assim, o controle que o Senhor exerce sobre pragas, tempestades e pestes era uma forma direta de afirmar sua supremacia sobre os deuses do Egito (WALTON et al., 2018, p. 104).
Como o texto de Êxodo 9 se desenvolve?
1. O que revela a praga sobre os rebanhos? (Êxodo 9.1–7)
O Senhor ordena: “Deixe o meu povo ir para que me preste culto” (v. 1). Mais uma vez, o foco da libertação é o culto — não apenas a liberdade, mas a adoração. Se Faraó recusar, uma praga mortal cairá sobre os rebanhos.
A praga é seletiva. “O Senhor fará distinção entre os rebanhos de Israel e os do Egito” (v. 4). Deus não age com aleatoriedade. Sua justiça é criteriosa e clara. O versículo 6 relata que “todos os rebanhos dos egípcios morreram”, mas os israelitas foram preservados.
Segundo Walton, o texto pode estar se referindo ao antraz, transmitido por bactérias presentes no Nilo e espalhadas pelos animais (WALTON et al., 2018, p. 104). Essa praga, portanto, carrega um juízo médico, espiritual e econômico.
O versículo 7 mostra a teimosia de Faraó. “Mesmo assim, seu coração continuou obstinado”. Essa frase é dolorosa. O juízo havia sido anunciado, cumprido e confirmado — mas nada muda.
Por que a praga das úlceras é tão impactante? (Êxodo 9.8–12)
Deus ordena a Moisés e Arão que lancem cinzas no ar. “Ela se tornará como um pó fino… e feridas purulentas surgirão nos homens e nos animais” (v. 9). Essas feridas, chamadas de šĕḥîn, são visíveis, dolorosas e incapacitantes.
Hamilton destaca que a palavra šĕḥîn tem raízes em línguas antigas e pode se referir a uma infecção de pele, talvez dermatite ou até lepra (HAMILTON, 2017, p. 229). As cinzas lançadas no ar tinham, no Egito, um uso mágico — espalhar cinzas servia para afastar pragas. Aqui, porém, agrava a desgraça.
Os magos egípcios, que antes tentavam replicar os sinais, agora não conseguem sequer ficar de pé. Isso é simbólico: a religião e a ciência egípcia colapsam diante da ação divina. Ainda assim, “o Senhor endureceu o coração do faraó” (v. 12).
O que torna a praga do granizo única? (Êxodo 9.13–35)
O texto ganha uma nova intensidade. Deus diz: “Desta vez, mandarei todas as minhas pragas… para que você saiba que em toda a terra não há ninguém como eu” (v. 14). A palavra “todas” sugere um novo estágio de juízo — mais intenso, mais abrangente.
O versículo 16 é central: “Eu o mantive de pé exatamente com este propósito: mostrar-lhe o meu poder e fazer que o meu nome seja proclamado em toda a terra”. Em Romanos 9.17, Paulo cita essa passagem para mostrar como Deus revela sua soberania mesmo através de corações endurecidos.
Hamilton comenta que Deus poderia ter eliminado Faraó rapidamente, mas preferiu preservá-lo para revelar sua glória de forma progressiva (HAMILTON, 2017, p. 232). Essa praga tem um tom escatológico: fogo, granizo e destruição total. “Nunca houve uma tempestade de granizo como aquela em todo o Egito” (v. 24).
Notavelmente, Deus dá uma chance de proteção: “Mande recolher seus rebanhos… eles perecerão” (v. 19). Alguns egípcios obedecem (v. 20), outros ignoram (v. 21). Essa dualidade mostra que o juízo é inevitável, mas a resposta a ele é uma escolha pessoal.
A destruição é descrita com força: “destruiu toda a vegetação, além de quebrar todas as árvores” (v. 25). No entanto, “na terra de Gósen… não caiu granizo” (v. 26). Essa distinção revela o cuidado específico de Deus com os seus.
A reação de Faraó parece promissora: “Desta vez eu pequei. O Senhor é justo” (v. 27). Mas logo depois, “pecou novamente” (v. 34). Hamilton observa que o arrependimento de Faraó era superficial: ele cedia enquanto a dor era forte, mas voltava atrás assim que ela passava (HAMILTON, 2017, p. 237).
Como Êxodo 9 se conecta com o Novo Testamento?
O versículo mais citado no Novo Testamento é Êxodo 9.16, usado por Paulo em Romanos 9.17. Paulo argumenta que a soberania de Deus não está limitada à misericórdia, mas se manifesta também no endurecimento, com o objetivo de revelar Sua glória.
A repetição da expressão “Eu sou o Senhor” e “para que saibam que não há outro como eu” é um tema que ecoa nos evangelhos, especialmente em João 8.58, quando Jesus diz: “Antes que Abraão existisse, Eu Sou”.
Além disso, a distinção entre os que temem e os que ignoram a Palavra (Êxodo 9.20–21) antecipa o chamado de Jesus em Mateus 7.24-27, sobre o sábio que constrói sobre a rocha e o tolo sobre a areia.
A advertência sobre a obstinação também encontra paralelo em Hebreus 3.7-13, que exorta os crentes: “Hoje, se ouvirem a sua voz, não endureçam o coração”.
O que Êxodo 9 me ensina para a vida hoje?
Esse capítulo me ensina que a obstinação é mais perigosa do que parece. Faraó teve oportunidades claras de se humilhar, mas resistiu. E, com o tempo, essa resistência virou endurecimento.
Quantas vezes eu mesmo já resisti à voz de Deus? Quantas vezes Deus me alertou — com sinais, com a Palavra, com circunstâncias — e eu ignorei?
Outra lição é a fidelidade de Deus em proteger os seus. Mesmo em meio ao juízo, Ele preserva aqueles que o temem. Isso me dá segurança. Quando tudo ao redor está desmoronando, Deus ainda sabe como poupar sua igreja.
Aprendo também que arrependimento não é só confissão. Faraó disse “eu pequei”, mas não mudou. Um verdadeiro arrependimento traz mudança, transformação, rendição.
O que mais me impacta é que Deus oferece proteção até aos egípcios — mesmo eles sendo alvos do juízo. Ele diz: “Recolham seus rebanhos”. Isso me mostra que Deus não tem prazer na morte de ninguém. Ele sempre oferece um caminho de escape. A decisão é nossa.
Por fim, o fato de Deus preservar Faraó “para que o nome dEle seja proclamado em toda a terra” me lembra que, mesmo quando não entendo os caminhos de Deus, Ele está fazendo algo maior. Faraó achava que estava no controle. Mas era Deus quem estava escrevendo a história.
Referências
- HAMILTON, Victor P. Êxodo. Tradução: João Artur dos Santos. 1. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017.
- WALTON, John H.; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark W. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Antigo Testamento. Tradução: Noemi Valéria Altoé da Silva. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2018.
- Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2001.